Deputado Junior Mano é investigado pela PF por suposto esquema de desvio de emendas no Ceará
A apuração aponta que o parlamentar cearense teria “papel central” no esquema. A defesa do deputado ressalta que ele será inocentado
O deputado federal cearense Júnior Mano (PSB) está sendo investigado pela Polícia Federal (PF) pelo suposto envolvimento em um esquema de manipulação eleitoral que teria atuado em 51 municípios do Ceará no ano passado. O político é apontado como tendo um “papel central” na destinação de emendas parlamentares para uso ilegal dos recursos.
Por conta da suspeita de envolvimento do político, que tem foro privilegiado, o caso foi alçado ao Supremo Tribunal Federal (STF) e distribuído para o gabinete do ministro Gilmar Mendes. A defesa do deputado diz confiar que a inocência do político será provada nas investigações.
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O Diário do Nordeste teve acesso ao relatório da Força Integrada de Combate ao Crime Organizado (FICCO), feito a partir de uma investigação da Polícia Federal, que esmiúça as evidências colhidas até agora sobre o esquema criminoso. O inquérito foi aberto em setembro do ano passado.
Além do parlamentar, a PF aponta um dos principais aliados do político no Ceará, o prefeito eleito de Choró, Carlos Alberto Queiroz Pereira (PSB), o Bebeto Queiroz, como o líder da organização criminosa que usava os recursos das emendas para lavar dinheiro por meio de empresas de fachada e comprar votos durante o período de campanha eleitoral.
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Da denúncia à investigação
A investigação que chegou até Júnior Mano partiu de uma denúncia feita pela agora ex-prefeita de Canindé, Maria do Rosário Araújo Pedrosa Ximenes (Republicanos). Em depoimento ao Ministério Público do Ceará (MPCE) ainda durante a campanha eleitoral do ano passado, ela disse que, além de Bebeto, a irmã dele, Cleidiane de Queiroz Pereira, e o vigia e suposto empresário Maurício Gomes integravam uma rede criminosa que operava por meio de ameaças a adversários e ofertas de "vantagens materiais e financeiras a eleitores em troca de votos".
Segundo ela, o grupo agia "no sentido de oferecer dinheiro — oriundo de atividades ilícitas dado o envolvimento em licitações em vários municípios deste Estado do Ceará através de empresas constituídas em nome de 'laranjas' — para políticos com atuação em Canindé/CE, dentre os quais vereadores e o candidato ao cargo de prefeito 'Professor Jardel', para que assim pudessem manejar recursos em meio à campanha eleitoral além dos limites de gastos estabelecidos e fixado para os candidatos no pleito de 2024".
A partir dessa denúncia inicial da ex-prefeita, os investigadores apuram se, devido aos vários contratos firmados pelas empresas com municípios cearenses, é possível que o esquema ilegal tenha sido aplicada em outras cidades “com a finalidade precípua de compra de votos, desequilibrando assim a disputa eleitoral".
Segundo Maria do Rosário, que denunciou o esquema, a atuação do grupo chegou a 51 municípios e teria movimentado um montante de até R$ 58 milhões para fins ilícitos.
Informações colhidas pela Agência Estado junto a investigadores indicam que o parlamentar "exercia papel central na manipulação dos pleitos eleitorais, tanto por meio da compra de votos, quanto pelo direcionamento de recursos públicos desviados de empresas controladas pelo grupo criminoso" supostamente liderado por seu apadrinhado, o prefeito eleito de Choró.
teriam sido movimentados pela quadrilha para atividades ilegais
Como funcionava o esquema
De acordo com a denunciante, a base do esquema era o repasse de emendas parlamentares do deputado Júnior Mano para municípios cearenses. Na hora da seleção de quais empresas iriam executar o serviço com os recursos, Bebeto Queiroz e um grupo de empresários ofereciam valores para que os outros concorrentes saíssem do processo licitatório e as empresas do grupo deles fossem beneficiadas.
Ainda no relato da ex-prefeita, no pregão eletrônico, eles colocavam duas ou três empresas, sempre com o menor preço, mas não executavam o serviço para que foram contratados e, com isso, ficavam extorquindo mais valores para concluir as obras.
"Bebeto trabalha para cinquenta e uma prefeituras juntamente com Júnior Elmano (o nome do deputado Júnior Mano é mencionado com um erro nos autos), o deputado concede emendas, manda para ele e ele lava. A lavagem consiste em contratar o gestor, oferecendo como exemplo um milhão com retorno de 15% para ele”, denunciou a ex-prefeita Maria do Rosário.
Com os recursos desviados, o montante era usado para comprar votos ilegalmente. No depoimento, a ex-prefeita disse que Bebeto e Cleidiane, sua irmã, estavam “financiando tudo, desde carro, gasolina, brindes, compra de votos; que esses financiamentos são em troca da prefeitura, pois já foi vendido a iluminação pública, o lixo, os transportes, que não sabe dizer o valor que eles estão comprando votos”.
A ex-mandatária listou, na investigação, que Bebeto teria tentado influenciar no resultado eleitoral das cidades de Madalena, Quixadá, Boa Viagem, Aquiraz, Itaitinga, Canindé e São Gonçalo do Amarante. A empresa central apontada pela ex-prefeita para operar o esquema criminoso, segundo a prefeita, é a MK Serviços, Construções e Transporte Escolar.
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A MK, inclusive, tem como sócio-administrador o suposto empresário Maurício Gomes. O vigilante de 37 anos recebeu, entre 2014 e 2020, um salário mensal de R$ 2,4 mil, mas abriu a empresa que tem um capital social de R$ 8,5 milhões. No relatório, a PF diz ser “possível inferir, com forte grau de segurança" que o vigilante atuava como "interposto de terceiros", um laranja de Bebeto Queiroz, segundo a PF.
Além das cidades citadas pela ex-prefeita, os investigadores identificaram contratos da empresa para prestação de serviços com os municípios de Acopiara, Alto Santo, Amontada, Apuiarés, Aracati, Aratuba, Barreira, Baturité, Camocim, Caridade, Choró, Coreaú, Farias Brito, General Sampaio, Guaiuba, Guaraciaba do Norte, Ibicuitinga, Independência, Iracema, Irauçuba, Itapajé, Itapipoca, Itatira, Juazeiro do Norte, Maracanaú, Massapê, Milagres, Mombaça, Nova Russas, Pacajus, Parambu, Paraipaba, Paramoti, Pedra Branca, Quiterianópolis, Quixeramobim, Russas, Saboeiro, Sobral, Tejuçuoca e Viçosa do Ceará.
A apuração, no entanto, não indica qualquer relação ilegal até o momento entre os contratos da empresa e as prefeituras mencionadas nos autos. Ao todo, há contratos fechados pela empresa e identificados nas investigações em 47 municípios. O montante envolvido chega a R$ 318,9 milhões.
O paradeiro de Bebeto
Eleito com 5,9 mil votos na eleição do ano passado, Bebeto Queiroz foi alvo de uma operação da PF no último dia 4 de outubro. Na ocasião, os agentes apreenderam R$ 600 mil com indivíduo vinculado a grupo que atuava nas cidades de Fortaleza, Canindé e Choró.
Em 22 de novembro, foi a vez do Ministério Público do Ceará (MPCE) sair às ruas para investigar suspeitas de irregularidades em contratos feitos pela Prefeitura de Choró. À época, o prefeito eleito Bebeto Queiroz foi considerado foragido pela Justiça, mas se entregou à Polícia Civil no dia seguinte. Ele chegou a ficar 10 dias detido, mas foi liberado.
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No entanto, no dia 5 de dezembro, o político voltou a ser alvo da operação Vis Occulta, um desdobramento da operação Mercato Clauso. Bebeto não foi localizado pelos agentes federais, portanto, é considerado foragido.
Segundo divulgou a PF, as investigações "revelaram indícios de que os valores utilizados para a compra de votos foram obtidos por meio de um esquema de caixa 2, envolvendo contratos públicos direcionados a empresas vinculadas à organização criminosa”. Ainda conforme a corporação, os recursos eram destinados ao “financiamento ilícito de campanhas eleitorais".
Sob risco de ser preso, em 1º de janeiro, Bebeto Queiroz não compareceu à cerimônia de posse em Choró. O vice-prefeito Bruno Jucá Bandeira, do PRD, também não foi empossado. A cerimônia contou com a presença de oficial de Justiça que cumpriu determinação expedida pela 6ª Zona Eleitoral de Quixadá. Que atualmente comanda o município interinamente é o vereador Paulo George Saraiva, o 'Paulinho', do PSB.
Ainda em dezembro, Bebeto se posicionou nas redes sociais dizendo ter recebido com serenidade a informação que ele era investigado e disse ser inocente com relação aos fatos investigados.
Defesas
Em nota ao Diário do Nordeste, a assessoria de comunicação do deputado Júnior Mano disse que a investigação conduzida pela PF tramita sob segredo de justiça, por isso não pode se manifestar sobre o caso.
“O deputado federal Júnior Mano reafirma seu compromisso com a legalidade, estando à disposição das autoridades policiais e judiciais para o completo esclarecimento dos fatos. A defesa confia que, ao término da investigação, sua inocência será plenamente reconhecida e informa que todas as manifestações serão realizadas exclusivamente nos autos do processo”, concluiu.
Também em nota, a Prefeitura de Mombaça disse que o contrato com a MK Serviços, Construções e Transporte Escolar foi realizado “de maneira totalmente transparente e em estrita conformidade com a legislação vigente, especificamente a Lei Federal nº 14.133, através de um procedimento licitatório na modalidade de Concorrência Pública Eletrônica”. “Não houve qualquer indício de fraude ou outro ilícito”, acrescentou a gestão municipal.
O município ainda reforçou que a obra contratada com a empresa começou após o período eleitoral. “Apesar da formalização do contrato, não houve qualquer tipo de pagamento à empresa MK, pois o contrato foi devidamente rescindido sem gerar qualquer ônus para os cofres públicos”, concluiu.
A Prefeitura de Alto Santo disse que “o único contrato que tal empresa teve com o município foi para construção de quadras poliesportivas, onde se habilitou e ganhou o processo licitatório seguindo todos os critérios e normas legais”. A gestão acrescentou que os pagamentos foram feitos após medições e fiscalização da equipe de engenharia. “Em relação a emendas, o município de Alto Santo nunca recebeu nenhum centavo destinado pelo deputado Júnior Mano”, finalizou.
A Prefeitura de Guaiúba informou que teve três contratos com a empresa MK Serviços, Construções e Transporte Escolar. Um para reformar uma quadra poliesportiva, outro para reformar e ampliar uma escola e um terceiro para pavimentação asfáltica. Segundo o município, as duas primeiras estão concluídas, em uso pela população e pagas com recursos próprios do município. A terceira obra está 80% concluída e é fruto de um convênio com o Governo do Estado.
“Para efeito de transparência, informamos que a empresa concorreu por meio de processo licitatório cumprindo todos os requisitos dispostos em lei”, concluiu, em nota, a gestão municipal.
Em nota, a Prefeitura de Itaitinga informou que a obra executada pela MK no município está em fase final, com previsão de entrega para março deste ano.
"A obra em questão foi custeada integralmente com recursos próprios do tesouro municipal de Itaitinga, não sendo beneficiada por qualquer tipo de emenda parlamentar, seja de ordem estadual e/ou federal", finalizou.
A atual gestão municipal de General Sampaio disse que "ainda está em processo de transição" e foi surpreendida com a informação do contrato com a MK.
"A Administração decidiu cancelar imediatamente a parceria, a fim de garantir a transparência e a boa gestão pública. É importante esclarecer que a Administração Municipal atual desconhecia qualquer envolvimento da referida empresa em atividades ilegais, tendo em vista que o serviço contratado vinha sendo executado, conforme repassado pela equipe de transição", informou.
Todas as prefeituras mencionadas na reportagem foram procuradas, o espaço está aberto para manifestações. Companheiro de chapa de Bebeto, o vice-prefeito eleito de Choró, Bruno Jucá Bandeira, foi procurado pela reportagem, mas não houve retorno.