A perícia territorial do Exército brasileiro na área em disputa por Ceará e Piauí será entregue ao Supremo Tribunal Federal (STF) apenas no final de junho. Os dois estados disputam parte do território de 13 municípios cearenses localizados na Serra da Ibiapaba. O impasse secular — iniciado ainda no Brasil Império — está, desde 2011, em análise pelo Supremo Tribunal Federal, sob relatoria da ministra Cármen Lúcia.
O diretor do Serviço Geográfico do Exército Brasileiro, General Marcis Gualberto Mendonça Júnior, informou à ministra, no último dia 17 de maio, que os trabalhos periciais realizados pelo órgão estão "em fase de conclusão" e que o Laudo Pericial deve ser entregue até o próximo dia 28 de junho.
Na prática, é um adiamento do prazo inicialmente estabelecido para a entrega da perícia pelo Exército brasileiro. Antes, o documento estaria pronto até o final de maio deste ano. Esse não é o primeiro atraso na perícia do território alvo de litígio entre Ceará e Piauí. Os trabalhos foram adiados no período da pandemia de Covid-19, após a ministra Cármen Lúcia determinar o periciamento da região em 2019. Por conta disso, os estudos foram iniciados apenas em setembro de 2023.
Ainda no ofício direcionado ao STF, o General Marcis Gualberto se coloca "à disposição deste ilustre Tribunal para os esclarecimentos adicionais que se fizerem necessários".
O Diário do Nordeste acionou o Exército brasileiro para saber o motivo do novo adiamento e quais as etapas do trabalho pericial foram cumpridos até o momento. Quando houver resposta, essa reportagem será atualizada.
Pertencimento de moradores 'é fundamental'
A Procuradoria Geral do Governo do Ceará (PGE-CE) representa o Estado no processo de litígio territorial com o vizinho Piauí. Em nota ao Diário do Nordeste, a pasta reforçou que vem baseando a defesa tanto na "análise técnica de documentos e mapas históricos que comprovam a posse do território ao Ceará" como em "aspectos relacionados à cultura e ao pertencimento da população que habita os municípios envolvidos na disputa".
"O Ceará reafirma, ainda, que essa defesa dos direitos do Estado e dos cearenses abrange a análise técnica de documentos geográficos, cartográficos e históricos e é fortalecida pela questão do pertencimento dos moradores da região em disputa. Este aspecto é fundamental para a solução mais justa desse litígio, considerando ser inquestionável o fato de a região há séculos ser habitada por cearenses que lá compartilham sua história e sua cultura", pontua o texto.
Segundo estudo apresentado pelo Governo do Ceará em fevereiro deste ano, quase 9 em cada 10 pessoas — somando percentual de 87,5% — que vivem na área em disputa, declaram preferência por pertencer ao Ceará, caso seja preciso escolher.
A PGE-CE foi a responsável por pedir a inclusão da análise de itens relativos à dimensão social e cultural na perícia realizada pelo Exército.
Em julho do ano passado, a equipe responsável pelos estudos territoriais apresentou os critérios do Serviço Geográfico do Exército para a perícia. Os principais insumos a serem estudados seriam: documentos históricos, leis de criação municipais, mapas e cartas da região, produtos obtidos por sensoriamento remoto (imagens georreferenciadas, modelos digitais de elevação e vetores de hidrografia).
Quanto à análise dos dados coletados, foram listados como insumos as cartas topográficas e mapas históricos, memoriais descritivos, elementos fisiográficos e bacias hidrográficas, dados do último Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Para realizar esse estudo, a perícia foi dividida em quatro fases. O planejamento, o imageamento (geração de imagens georreferenciadas) e coleta de dados, a análise de dados históricos e a geração de produtos periciais.
Perdas para o Ceará
O Piauí reivindica um território de quase 3 mil quilômetros quadrados, perpassando 13 municípios cearenses. A cidade mais atingida é Poranga, que pode perder 66,3% do território atual.
As demais cidades cearenses envolvidas e respectivas áreas pleiteadas no litígio são: Croatá (32,4%), Tianguá (20,9%), Guaraciaba do Norte (19,7%), Ipueiras (19,2%), Carnaubal (16,7%), Ubajara (15,8%), Ibiapina (14,5%), São Benedito (13,5%), Ipaporanga (7,7%), Crateús (6,1%), Viçosa do Ceará (5,7%) e Granja (1,7%).
Além disso, equipamentos como escolas, unidades de saúde, torres eólicas, Unidades de Conservação (UCs), assentamentos rurais e quilombolas, terras indígenas e sítios arqueológicos somam 383 bens pertencentes ao Ceará, mas localizados no trecho em disputa.
Além disso, estão localizados nesta área mais de 1 mil estabelecimentos de produtores rurais, segundo mapeamento do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Estado (Ipece).
O setor de energia também seria impactado. Caso haja uma decisão favorável ao Piauí, o Ceará pode perder até 45 parques de energia eólica para o estado vizinho — somando 291 instaladas neste perímetro.