Com 291 torres eólicas na área de litígio, Ceará pode perder até 45 parques de energia para Piauí

Para consumidor não há impacto, mas investidores podem perder o interesse por geração de insegurança jurídica

Escrito por Paloma Vargas , paloma.vargas@svm.com.br
Região de litígio está no
Legenda: Região de litígio está no "top 3" de melhores áreas para se ter empreendimentos de energia renovável
Foto: Natinho Rodrigues

O Ceará pode perder até 45 empreendimentos eólicos para o Piauí. Os equipamentos estão instalados ou tem autorização de construção em áreas de alguns dos municípios que estão em disputa territorial entre os estados há cerca de 300 anos. Atualmente, há 291 torres eólicas já instaladas no perímetro. 

As informações são da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e fazem parte do mapeamento do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece), consolidado em 2022 e divulgado no último dia 20 de fevereiro. O documento traz a lista de todos os bens concretos, ambientais e históricos cearenses que podem ser perdidos para o estado vizinho.

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Especificamente sobre as torres eólicas, os dados não esclarecem se elas estão instaladas exatamente no ponto geográfico de disputa ou se estão dentro dos municípios atingidos. 

Conforme levantamento da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), a região do Ceará que está em litígio possui 11 empreendimentos eólicos em funcionamento. Eles estão localizados nos municípios de Tianguá, Ibiapina e Ubajara.   

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empreendimentos de quatro empresas, localizados nos municípios de Carnaubal, Guaraciaba do Norte, Tianguá, Ubajara e Viçosa do Ceará, já estão contratados, mas ainda não iniciaram a construção, segundo a Abeeólica

O diretor de Regulação do Sindienergia, Bernardo Viana, diz que a região está no “top 3” das melhores para se instalar parque de energia renovável. “A área de serra é muito boa por ter vento constante e forte. Inclusive, o Atlas do Potencial Eólico Brasileiro apontou o vento de lá como fantástico”.

Por conta disso, ele comenta que os projetos futuros podem ser impactados pela disputa. “Caso os empreendimentos passem a ser do território do Piauí, o Estado perde arrecadação de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), além de perda no Fundo de Participação dos Municípios (FPM).

Sem diferença para o consumidor

O especialista em energia da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec), Jurandir Picanço, explica que para o consumidor de energia a possível mudança de território não fará nenhuma diferença, já que a rede de abastecimento é nacional e as regras são as mesmas nos dois estados.

Porém, ele reforça a perda de arrecadação dos municípios envolvidos e o Estado do Ceará. Como exemplo, ele explica que a receita das empresas de geração de energia entra no cálculo de rateio de ICMS destinado aos municípios envolvidos. Assim, saindo dos territórios haverá redução de arrecadação. "Não visualizo insegurança jurídica, mas o estado perde".

Picanço também comenta que a região geográfica onde está inserido o processo de litígio entre os estados tem um potencial excelente de expansão para a produção de energia eólica. Por conta disso, caso perca território, o Ceará perderia possíveis novos investimentos.

Segundo Lauro Fiúza, diretor financeiro e sócio da Servtec, que possui parques na região, para os investidores não há impacto nenhum. "O nosso cliente é o Sistema Nacional de Energia, estamos ligados na rede nacional e a nossa energia vai direto para o sistema. Então, independente do estado que nos acolhe, não há nenhuma mudança em termos de incentivos ou impostos". 

Porém, o empresário lamenta existir a discussão atualmente. "Essa é uma peleja que já vem há muito tempo e é inadmissível. A região é considerada do Ceará há mais de duzentos anos e não faz sentido estar se discutindo isso". 

Ele ainda lembra que iniciou sua vida empresarial no Piauí e tem apreço pelo estado vizinho. "Porém, espero que a justiça seja feita e deixe como está há tantos anos esse território pertencendo ao Ceará".

EMPRESÁRIOS SE MOBILIZAM

Há 2 anos, empresários que fazem parte da Agência Líder de Desenvolvimento da Ibiapaba e da Associação das Indústrias da Ibiapaba, realizam um movimento de abaixo-assinado em defesa do território continuar pertencendo ao Ceará. O documento virtual possui mais de 6,9 mil assinaturas.

Paulo Wagner Costa, presidente da associação, afirma que o litígio é economicamente ruim, pois diante da questão haveria o risco da criação de novas barreiras fiscais entre os municípios já existentes. “Isso seria trágico para as empresas e indústrias já instaladas, ocasionando cobrança de mais impostos e burocracias, gerando fechamento de empresas e postos de emprego”.

Além disso, ele aponta perdas também nos âmbitos social e cultural, pois a população estabelecida na Serra da Ibiapaba sempre se identificou como cearense.

Para a maioria, nunca foi sequer imaginável essa situação atual. Também tem a questão da possível extinção de alguns municípios que seriam divididos entre dois estados e, consequentemente, pela diminuição de sua população, seria inviável, se mantém como município”
Paulo Wagner Costa
Presidente da Associação das Indústrias da Ibiapaba

Já com relação aos possíveis investimentos públicos e privados, Costa reforça o clima de insegurança jurídica que prejudica o crescimento da região. “Ou seja, quando se pensa em uma possível mudança de estado para a região da Ibiapaba, logo se apresentam situações terríveis para a população e para os negócios da região. Dessa forma, o melhor desfecho para essa situação é a permanecia da Ibiapaba permanecendo como ela sempre foi, cearense”.

ENTENDA O LITÍGIO

A disputa entre os dois territórios é centenária, se estende desde registros cartográficos dos anos 1800; mas ganhou contornos judiciais em 2011, quando o Piauí recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) para decidir sobre o impasse. 

A área em litígio é de aproximadamente 3 mil km², abrangendo parte dos municípios de Poranga, Croatá, Tianguá, Guaraciaba do Norte, Ipueiras, Carnaubal, Ubajara, Ibiapina, São Benedito, Ipaporanga, Crateús, Viçosa do Ceará e Granja.

Juntos, as escolas, unidades de saúde, torres eólicas, Unidades de Conservação (UCs), assentamentos rurais e quilombolas, terras indígenas e sítios arqueológicos somam 383 bens pertencentes ao Ceará, mas localizados no trecho em disputa.

Entre eles, estão o Parque do Cânion Cearense do Rio Poti (entre Poranga e Crateús), a Área de Proteção Ambiental (APA) do Boqueirão do Poti (em Crateús, Poranga e Ipaporanga) e a APA Serra da Ibiapaba. Além desses bens, constam na lista locais de votação, templos religiosos, estradas, infraestruturas viárias e elétricas, entre outros equipamentos.

Atualmente, a ação está em fase de perícia pelo Exército Brasileiro, que vai se ater a documentos históricos e cartográficos. De acordo com estudo de Ipece consolidado em 2022, quatro distritos, 48 escolas, 14 unidades de saúde e até 15 locais de votação estão entre os equipamentos situados em regiões disputadas por Ceará e Piauí, além de estradas, infraestruturas viárias e elétricas, entre outras.

 

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