Veto a Refis de micro e pequenas empresas não tem fundamento tributário, dizem especialistas
O presidente Jair Bolsonaro vetou projeto de lei que oferecia condições especiais para MEIs, micro e pequenas empresas negociarem dívidas de impostos federais
O Projeto de Lei Complementar (PLP) n° 46, que previa a implantação do Programa de Reescalonamento do Pagamento de Débitos no Âmbito do Simples Nacional (Relp), foi vetado nesta sexta-feira (7) pelo presidente Jair Bolsonaro. Em despacho, o veto foi justificado por “inconstitucionalidade e contrariedade ao interesse público”, visto que implicaria em “renúncia de receita”.
Mas, para especialistas escutados pelo Diário do Nordeste, a justificativa dada não possui fundamento tributário. O veto dificulta a renegociação de dívidas de impostos federais para microempreendedores individuais (MEIs), micro e pequenas empresas.
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O programa previa a prazo de até 180 meses para o pagamento de tributos vencidos. Os descontos eram de até 90% em multas e juros e até 100% no caso dos encargos legais, a depender das perdas das empresas no ano passado.
Conforme o advogado especializado em direito tributário pela PUC São Paulo e coordenador do curso de tributação sobre o consumo do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet), André Felix Ricotta, o projeto de lei não traz pontos discrepantes em relação a outros programas de refinanciamento de dívidas já aprovados.
Ele (Bolsonaro) não explicou qual é a perda de arrecadação, qual a falta de interesse público. A lei de responsabilidade fiscal é de 2000 e de lá para cá vários Refis foram feitos. Temos uma transação tributária em aberto e ninguém nunca falou que é inconstitucional
O projeto poderia beneficiar cerca de 16 milhões de empresas que, juntas, poderiam renegociar uma dívida de R$ 50 bilhões.
“Inconstitucionalidade e contrariedade ao interesse público”
De acordo com o despacho assinado pelo presidente, o projeto de lei infringia a Lei Complementar nº 101, já que o benefício fiscal implicaria em renúncia de receita por parte do governo federal.
O conselheiro da OAB-CE, Hamilton Sobreira, considera que não havia razão técnica, tributária ou financeira para o veto. Segundo ele, podem haver razões políticas, em meio a um ano de eleições.
A justificativa é pífia, a gente está em uma situação extraordinária. Isso tanto autoriza [a aprovação] que ano passado autorizou e os estados foram autorizados pelo Confaz. No Ceará foi aberto [um programa de refinanciamento], incluindo inclusive multas
Ricotta reforça que o programa nos moldes em que está proposto no projeto de lei não implica em uma renúncia de arrecadação. Ele poderia, inclusive, trazer uma quantia maior de recursos para a federação no curto prazo, à medida que empresas buscariam pagar débitos pendentes.
“Quando se dá um prazo mais extenso, você não abre mão do tributo em si. Esse valor nenhum parcelamento pode reduzir. O benefício é nas multas e nos juros. Arrecadação é um valor recolhido mensalmente, esses valores não foram recolhidos, não fazem parte da arrecadação”, justifica.
Em nota, o Ministério da Economia afirmou que não fará comentários adicionais às razões do veto. A pasta calcula que, no âmbito da Receita Federal, o Relp traria uma renúncia estimada em R$ 1,2 bilhão. No âmbito da dívida ativa, a federação deixaria de receber uma receita da ordem de R$ 489 milhões em 2022 com o projeto.
Impacto nas empresas
André Félix prevê que a falta do benefício pode levar milhões de micro e pequenas empresas à informalidade, já que é necessário não ter débitos para conseguir entrar no Simples Nacional em 2022.
Hamilton acrescenta que uma ajuda do governo seria importante neste momento, ainda, de pandemia.
“O projeto é muito importante porque ele significa mais uma oportunidade para os empresários que foram prejudicados pelos lockdown possam parcelar seus débitos. Nada melhor do que um incentivo do governo para conseguir parcelas melhores, até porque a gente não tem uma data para quando vai acabar a pandemia”, pontua.
A presidente da Federação das Entidades de Micro e Pequenas Empresas do Comércio e Serviço do Estado do Ceará (Femicro), Dalvani Mota, lamenta a decisão do presidente e chama atenção que as empresas ainda não conseguiram se reerguer.
Entre dever para meu fornecedor ou para o governo federal, quem eu vou pagar? O governo pode esperar, mas não posso deixar de produzir. Isso é uma estratégia para sobrevivência
O refinanciamento das dívidas seria um folego para que os micro e pequenos empreendedores pudessem tomar crédito e retomar a atividade econômica plenamente, algo que ainda não foi possível.
Ela estima que 60% dos 270 mil microempreendedores individuais do Ceará estão endividados. “Era um valor que não dava para pagar durante a pandemia. Se levar em consideração desemprego, geração de renda dentro de um bairro, e falta de matéria-prima, [o MEI] fez muito se conseguiu se sustentar”, aponta.
Segundo ela, a federação tentará uma negociação para conseguir ajudar os microempreendedores do estado.
Outras alternativas
O veto do presidente ainda pode ser derrubado pelo Congresso, de acordo com Hamilton Sobreira. Para isso, é necessário obter maioria absoluta, ou seja, 257 votos de deputados e 41 votos de senadores.
“Se o Congresso tiver a sensibilidade e ouvir os empresários do setor, eles têm tudo para derrubar esse veto”, opina.
Por mais que o veto ao Relp tenha colocado um obstáculo, existem mecanismos ativos para a renegociação de dívidas. Empresas do Simples Nacional podem realizar transação tributária, um mecanismo que possibilita a regularização.
Até 25 de fevereiro está aberto na PGFN o Programa de Retomada Fiscal que permite aos contribuintes inscritos em dívida ativa até 31 de janeiro de 2022 a regularização de débitos, com descontos de até 70% em até 145 prestações.
Os descontos variam conforme o impacto financeiro sofrido pelo devedor na pandemia, assim como era previsto no Relp. As negociações são feitas diretamente pelo contribuinte no portal REGULARIZE, clicando na opção Negociar Dívida.