Teles afirmam que podem cortar investimentos no Ceará se usina de dessalinização for instalada

Já a Cagece critica o que chama de “reserva de mercado” por parte da Anatel e das companhias de Internet

Escrito por Luciano Rodrigues , luciano.rodrigues@svm.com.br
Foto que contém os cabos submarinos da Praia do Futuro
Legenda: Cabos submarinos na Praia do Futuro podem ter investimentos retirados com concretização da usina de dessalinização
Foto: Yago Albuquerque/Agência Diário

O imbróglio entre empresas de telecomunicações e a parceria público-privada (PPP) da usina de dessalinização, a Dessal do Ceará, a respeito da viabilidade ou não do empreendimento na Praia do Futuro, avolumou o debate nesta semana. A ameaça de operadoras é de que, caso o projeto da planta saia do papel, os investimentos no Hub Tecnológico de Dados de Fortaleza sejam retirados, assim como a chegada de novos cabos submarinos.

O embate ficou ainda mais forte na última quarta-feira (8), quando o Conselho Estadual do Meio Ambiente (Coema) aprovou, por unanimidade, a licença ambiental da Dessal do Ceará. Essa foi a primeira das três licenças legais necessárias para a instalação da usina, em projeto bastante diferente do inicial, mas ainda marcado por fortes discussões com as empresas de telecomunicações.

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Pelo menos duas empresas já sinalizaram desinvestimento no hub da Praia do Futuro. Uma delas é a Claro, dona de três cabos no local, além de um quarto da Embratel, pertencente ao mesmo grupo. Segundo o vice-presidente de relações institucionais da empresa, Fábio Augusto Andrade, o temor das operadoras é que Dessal do Ceará interfira nas telecomunicações de toda a América do Sul, preocupação que deve afugentar novos investimentos na praia.

“Todas as empresas que operam na Praia do Futuro vão judicializar a questão da usina, porque não é possível a convivência da usina com a chegada dos cabos submarinos. A curto e a médio prazo, vão apresentar problemas. Tem locais de interseção no projeto-base que, se não forem alterados, vão causar interferência nos cabos”, reflete.

Imagina você como gestor de cabos submarinos, se hoje você precisar instalar uma rede de cabos submarinos, vai prejudicar tudo. É uma visão que não é só da Claro, mas de todas as empresas que estão ali. Se a usina for instalada na Praia do Futuro, nenhuma das empresas vai querer vir para a Praia do Futuro. Existe uma previsão de chegada de novos cabos, mas com essa insegurança operacional, como a gente vai pensar em continuar investindo?
Fábio Augusto Andrade
Vice-presidente de Relações Institucionais da Claro

COMPROMETIMENTO DE NOVOS INVESTIMENTOS

A apreensão da Claro é compartilhada também pela TelCables Brasil, antiga Angola Cables, dona de dois cabos submarinos na Praia do Futuro, além de um Data Center, o AngoNAP. Por meio de nota, a empresa afirma que “existe insegurança jurídica e técnica em torno da usina e que isso terá influência nas decisões de escolher Fortaleza como ponto de amarração de seus cabos”.

Diante do impasse, no entanto, a operadora de telecomunicações ressalta a importância da usina de dessalinização para o abastecimento de água potável para a população da Região Metropolitana da capital (RMF), mas em um ponto diferente do local planejado pela PPP, principalmente no local de captação da água do mar.

“É senso comum internacional que empreendimentos que quebram certificações de Quality Assurance tendem a ser desviados para locais que asseguram uma certificação compliance. Ou seja, esse tema está causando uma retração de novos investimentos no ecossistema digital, prioritariamente internacionais, principalmente para os Opinion Makers da indústria de Data Centers e ICT”, declara a TelCables.

Foto que contém o Data Center da TelCables
Legenda: TelCables (antiga Angola Cables) é uma das empresas que ameaça retirar investimentos da Praia do Futuro
Foto: José Leomar/Diário do Nordeste

A saída das empresas, com provável retirada dos investimentos e renovações de concessão dos cabeamentos, foi compartilhada pelo deputado federal Danilo Forte ao Diário do Nordeste. Segundo ele, além da Claro e da TelCables, outras empresas que já têm cabos submarinos chegando à Praia do Futuro já subiram o tom contra a usina, e novas operadoras, que deveriam ter estruturas no local, não devem mais ancorar na praia.

“Tive a oportunidade de estar com o ministro Juscelino Filho, das Comunicações, perguntar a quantas estavam esse processo. Ele disse estar sofrendo uma pressão muito grande das empresas de cabos, porque tem delas que vão renovar contrato em 2025 e já estão dizendo que se não tiver segurança, não renovam o contrato aqui no Ceará. Por outro lado, foi pedido um estudo técnico de uma consultoria internacional para poder dar o embasamento técnico sobre essa questão”, explica.

SOB AVISO

Ao todo, segundo dados da Anatel, a Praia do Futuro tem 16 cabos submarinos, que fazem a interligação do Brasil a partir de Fortaleza com as cidades de diversos países:

  • Brasil: Rio de Janeiro, Salvador e Santos;
  • Argentina: Las Toninas;
  • Angola: Sangano;
  • Bermuda: Ilha de St. David's;
  • Cabo Verde: Praia;
  • Camarões: Kribi;
  • Chile: Arica, Valparaíso;
  • Colômbia: Barranquilla, Buenaventura e Schooner Bight;
  • Costa Rica: Puerto Limon
  • Curaçao: Willemstad;
  • Equador: Punta Carnero;
  • Estados Unidos: Boca Raton, Hollywood, Jacksonville, Miramar, Ponce, San Juan, Tuckerton e Virginia Beach;
  • Guatemala: Puerto Barrios e Puerto San Jose;
  • Guiana Francesa (França): Caiena;
  • Ilhas Virgens Americanas (Estados Unidos): St. Croix;
  • Marrocos: Casablanca;
  • Martinica: Le Lamentim;
  • México: Cancún;
  • Panamá: Colón, Fort Amador;
  • Peru: Lurin, Mancora;
  • Portugal: Funchal e Sines;
  • República Dominicana: Puerto Plata, Punta Cana e Santo Domingo;
  • Trinidad e Tobago: Port of Spain;
  • Venezuela: Camuri, Maiquetía, Puerto Viejo.

​Vale destacar que um mesmo cabo pode passar por duas ou mais cidades, além de também receber mais de uma dessas estruturas. Fortaleza é ligada a Barranquila, na Colômbia, por oito cabeamentos.

Foto que contém cabos submarinos
Legenda: Cabos submarinos em Fortaleza listados pelo Submarine Cable Map, em 09 de novembro de 2023
Foto: Submarine Cable Map/Reprodução

EM BUSCA DE CONCILIAÇÃO

A Anatel, quando questionada acerca das ameaças das empresas de judicializar o tema da usina, informou não ter informações a respeito, uma vez que tem buscado “com apoio das operadoras interessadas, um caminho de conciliação dos relevantes interesses envolvidos com alternativas que permitam a coexistência harmônica e segura das infraestruturas do setor de telecomunicações com a planta da Usina”.

A agência acrescentou ainda que analisou o último projeto enviado pela Dessal do Ceará, e mantém a preocupação entre a convivência das duas estruturas em áreas tão próximas na Praia do Futuro, confirmando a possibilidade de instabilidade de sinal.,

“Em termos práticos, como comprovado em análises produzidas pela área técnica da agência, tem-se que a proximidade e os cruzamentos da rede de dutos e dos tanques pode, em caso de determinados incidentes que envolvam ruptura de adutoras e tanques de armazenamento de água, interromper o funcionamento de elementos essenciais à conectividade nacional e até internacional, visto que a Internet de toda a América do Sul e parte da África, dependem da rede ancorada em Fortaleza”, pondera a Anatel.

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Essa visão é também compartilhada por João Henrique Corrêa, professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) e doutor em Ciência da ComputaçãoPara ele, o hub na Praia do Futuro, além de estreitar laços do Ceará com outras nações ao redor do mundo, gera empregos. 

“Grande parte da Internet brasileira tem conexão por cabos que saem por Fortaleza. Isso leva as operadoras de telecomunicações de ter operação na cidade para manter a Internet. Obviamente necessitam de mão de obra, que gera renda. (...) Um rompimento de cabos pode causar instabilidade na Internet brasileira, ou até a interrupção, apesar de que o Brasil não tem apenas essa saída internacional”, discorre.

Embora as operadoras venham ameaçando deixar o hub na Praia do Futuro em caso de concretização da usina, João Henrique Corrêa minimiza essa possibilidade em virtude das altas cifras empregadas no local.

“Não acredito que as operadoras irão simplesmente abandonar esse investimento. Particularmente, não sei se é possível assegurar que essas operadoras não saiam. São empresas, em boa parte, privadas e que, de acordo com suas visões estratégicas, podem decidir operar em outra localidade”, avalia. 

Foto que contém cabo submarino
Legenda: Mais de 90% de toda a internet da América do Sul passa pela Praia do Futuro
Foto: Yago Albuquerque/Agência Diário

CAGECE CRITICA O QUE CHAMA DE “RESERVA DE MERCADO”

O projeto da usina de dessalinização está alicerçado em três pilares essenciais: captação da água do mar, retirada do sal (a dessalinização em si) e a distribuição, todos destrinchados na planta da Dessal do Ceará e que virão mais detalhadas no projeto executivo, fase seguinte após a licença ambiental obtida na última quarta-feira.

  1. Captação da água do mar: a água do mar será bombeada a uma distância de 2,5 km da orla da Praia do Futuro e a 14 metros de profundidade, e será encaminhada para a usina por meio de tubos subterrâneos;
  2. Retirada do sal: será utilizada a tecnologia de osmose reversa para obtenção de água potável. Nesse processo, o sal é separado da água por meio da aplicação de uma pressão sobre o líquido;
  3. Distribuição: a água dessalinizada será armazenada e acionada em regime de emergência, para o caso de queda nos volumes de água armazenados nos açudes e baixo índice de chuvas. O sal excedente será devolvido ao mar por meio de um duto submarino, e o projeto prevê uma rápida diluição do conteúdo para evitar desequilíbrio do ambiente marinho.

Consoante o projeto da Cagece, a capacidade de produção de água potável da Dessal do Ceará é de 1 m³ (1000 litros) por segundo. A expectativa é aumentar em 12% o abastecimento hídrico da Grande Fortaleza.

Todos os três pontos do projeto são alvos de crítica. As empresas de telefonia apontam que a captação da água do mar será realizada muito perto dos cabos, além do desequilíbrio ambiental com a devolução do líquido excedente da dessalinização para o mar, altamente concentrado em sal.

A Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece), que com o Consórcio Águas de Fortaleza faz parte da PPP da Dessal do Ceará, ressaltou que as argumentações contrárias são “inoportunas”, após longo debate com Poder Público e sociedade civil, além das próprias empresas de telecomunicações. 

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Em nota, a Cagece, reforçou que o projeto inicial foi alterado para atender à solicitação das operadoras, e agora a captação da água para dessalinização está a 500 metros dos cabeamentos. “Cabe destacar que essa alteração atende às regulações internacionais de proteção dos cabos submarinos”, completa a empresa.

A Praia do Futuro foi escolhida para receber a planta pois possui água com excelente qualidade, boas correntes marinhas para dispersar o rejeito e é próxima dos reservatórios da Cagece. Tudo isso reduz obras nas vias públicas e gera menor valor de investimento e custeio. Cabe destacar que a área terrestre da Praia do Futuro convive com redes de água, esgoto, gás, drenagem, energia, cabos de Internet e linhas férreas sem nunca ter havido interferência por parte de nenhuma, em relação a outra. A Cagece, por exemplo, realiza há décadas obras e manutenções na área, sem nunca ter causado nenhum dano à operação de cabos de Internet.
Cagece
Sobre a Dessal do Ceará

A Anatel, por sua vez, pondera que espera ainda a divulgação do projeto executivo da Dessal do Ceará, próxima etapa após a licença ambiental concedida pelo Coema. A Cagece, no entanto, questiona o atual posicionamento da agência.

“Os argumentos das referidas empresas não apresentam nenhuma justificativa técnica que inviabilize a construção da planta, que conta com uma série de estudos ambientais. Foram cumpridos todos os processos de criteriosos estudos técnicos, consultas e audiência pública para garantir a transparência e participação de entidades e sociedade civil. A posição da Anatel pode ser considerada simplista, uma vez que não levou em consideração especialistas em recursos hídricos e não apresenta novos fatos ou argumentos técnicos”, infere a companhia.

Na sequência, a Cagece critica o que chama de “reserva de mercado” por parte da Anatel e das empresas de telecomunicações:

“Toda essa mobilização só demonstra que não levam em consideração os impactos para o povo de Fortaleza. Ao contrário, se unem para praticar no local uma espécie de reserva de mercado, pois não existe nenhuma legislação que indique que Praia do Futuro é reservada apenas para cabos submarinos. O que a Cagece manifesta neste momento é o posicionamento claro acerca de uma política pública em defesa do acesso à água para a população”, classifica a Cagece.

Foto que contém usina de dessalinização
Legenda: Projeto de usina de dessalinização na Praia do Futuro
Foto: Dessal do Ceará/Divulgação

Veja a nota completa da Cagece:

Sobre os questionamentos levantados acerca da implantação da Planta de Dessalinização de Água Marinha, localizada na Praia do Futuro, a Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece) reafirma que qualquer argumentação neste momento é inoportuna, pois esse projeto contou com duas consultas públicas, uma audiência pública e outra na Assembleia Legislativa do Ceará. Além disso, contou também com legislação aprovada na Câmara Municipal de Fortaleza e validação do Conselho Gestor de Parceria Público-Privada (PPP) do Estado e Tribunal de Contas do Estado (TCE).

A companhia reforça também que:

  • O projeto não apresenta nenhum risco ao funcionamento dos cabos submarinos localizados na Praia do Futuro. Em 2022, a Cagece já atendeu a uma solicitação de mudança de 500 metros do ponto de captação, em relação aos cabeamentos. Cabe destacar que essa alteração atende às regulações internacionais de proteção dos cabos submarinos. Somente essa modificação deverá representar um aumento na ordem de R$ 35 a 40 milhões para a execução do projeto. Se a usina não for construída na Praia do Futuro, a planta será bem mais cara, pois serão acrescentados gastos com adutoras até os reservatórios de Fortaleza e, essas mesmas poderiam cruzar com as fibras ópticas no continente;
  • A Praia do Futuro foi escolhida para receber a planta pois possui água com excelente qualidade, boas correntes marinhas para dispersar o rejeito e é próxima dos reservatórios da Cagece. Tudo isso reduz obras nas vias públicas e gera menor valor de investimento e custeio;
  • Cabe destacar que a área terrestre da Praia do Futuro convive com redes de água, esgoto, gás, drenagem, energia, cabos de internet e linhas férreas sem nunca ter havido interferência por parte de nenhuma, em relação a outra. A Cagece, por exemplo, realiza há décadas obras e manutenções na área, sem nunca ter causado nenhum dano à operação de cabos de internet;
  • Trata-se de um projeto de segurança hídrica que tem como objetivo diversificar as fontes de abastecimento do Ceará, fazendo com que a distribuição de água não dependa apenas de chuvas. Ele faz parte no Plano de Recursos Hídricos do Ceará e do plano Fortaleza 2040. Como sabemos, vivemos hoje uma situação anunciada de mudanças climáticas, com previsão de forte El Niño para os próximos anos, o que significa cenário de estiagem para nossa região que, inclusive, está inserida no Semiárido;
  • A Cagece destaca ainda que os argumentos das referidas empresas não apresentam nenhuma justificativa técnica que inviabilize a construção da planta, que conta com uma série de estudos ambientais. Foram cumpridos todos os processos de criteriosos estudos técnicos, consultas e audiência pública para garantir a transparência e participação de entidades e sociedade civil. A posição da Anatel pode ser considerada simplista, uma vez que não levou em consideração áreas especialistas em recursos hídricos e não apresenta novos fatos ou argumentos técnicos;
  • Tal posicionamento está causando grande transtorno à prestação de um serviço essencial para a população, que é o acesso à água potável, impactando diretamente na segurança hídrica de Fortaleza e no valor final do projeto;
  • Para a Cagece, toda essa mobilização só demonstra que a Anatel e as empresas de telecomunicações que atuam na Praia do Futuro não levam em consideração os impactos para o povo de Fortaleza. Ao contrário, se unem para praticar no local uma espécie de reserva de mercado, pois não existe nenhuma legislação que indique que Praia do Futuro é reservada apenas para cabos submarinos. O que a Cagece manifesta neste momento é o posicionamento claro acerca de uma política pública em defesa do acesso à água para a população;
  • A escolha pela Praia do Futuro passou pela anuência de órgãos competentes que deliberam acerca do planejamento estratégico municipal e o ordenamento urbano, como o Instituto de Planejamento de Fortaleza (Iplanfor). Além disso, destaca-se que todas as fases do processo, desde o lançamento do edital de Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI), publicado pelo Governo do Ceará, bem como o processo licitatório, foram publicizadas de forma ampla nos canais de comunicação da companhia e na imprensa;
  • A companhia reforça o compromisso com a prestação do serviço de abastecimento de água e as políticas públicas de convivência com o Semiárido por meio da busca de soluções para diversificação da matriz hídrica, a exemplo da planta de dessalinização. A Cagece, empresa com 52 anos de história na vida dos cearenses, jamais buscaria uma solução que viesse a comprometer o desenvolvimento socioeconômico do nosso estado. Portanto, a empresa compreende que é plenamente possível a convivência harmoniosa entre as estruturas da Dessal do Ceará e cabos submarinos na região da Praia do Futuro. Por fim, a companhia reafirma que o acesso à água é um direito essencial à vida e que o interesse privado não pode, nunca, se sobrepor ao interesse público e coletivo.
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