Regras para pesca da lagosta podem mudar com atualização de plano de gestão; entenda

Última versão de documento que traz todas as regras da atividade é de 2006; Ministério da Pesca e Aquicultura promete algumas novas regras até o fim deste ano

Escrito por Paloma Vargas , paloma.vargas@svm.com.br
pesca da lagosta
Legenda: Pesca da lagosta é regulamentada por diretrizes para não haver perigo de extinção do bicho
Foto: Natinho Rodrigues

Há ocorrência de pesca da lagosta no Brasil desde o estado do Amapá até a costa do Espírito Santo. Porém, é no Nordeste que ela é mais forte, especialmente nos estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco. E, neste cenário, os que mais produzem são o Ceará - com 49%, quase metade de toda a safra nacional, seguido do Rio Grande do Norte, com 15%.

Ao conversar com quem vive dessa modalidade de pesca, a cobrança por regras mais novas e mais claras fazem coro, além do pedido de reforço na fiscalização das práticas ilegais no processo, como a pesca de animais abaixo da medida estipulada (que o considera adulto e que já tenha reproduzido ao menos uma vez) e a utilização de rede, prática de mergulho e construção de recifes artificiais.

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Atualmente, o Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA) possui o registro de autorização de cerca de 3 mil embarcações que são utilizadas apenas para a pesca artesanal da lagosta. Desde o último mês de junho, o órgão está realizando um plano de vistoria destas embarcações para saber quais ainda operam e em que condições. O final desse processo tem previsão de ocorrer até 2025, por conta da sua complexidade de localização destas embarcações e especificidades.

"Essa vistoria acaba sendo parte deste processo de revisão do plano de gestão da pesca, que define as regras dessa pescaria", diz Ormezita Barbosa de Paulo, coordenadora-geral de Gestão Participativa Costeiro-Marinha da Secretaria Nacional da Pesca Artesanal do MPA.

Já o plano de gestão, documento que regulamenta a pesca por espécie no Brasil, no caso da lagosta teve a última edição publicada em 2006. "Então, é um plano que já tem muito tempo, mais de 15 anos e que tem necessidade da revisão, já que é ele quem apresenta a situação dessa espécie e apresenta sugestões para a melhor forma de pescaria, garantindo a estabilidade da espécie."

Uma reunião entre os ministérios da Pesca e Aquicultura e do Meio Ambiente deve ser realizada para que seja pactuado quais itens do plano de gestão da lagosta poderão ser apresentados até o fim deste ano e quais itens terão a discussão repassada para o ano que vem.

"O que posso adiantar, por exemplo, é o diagnóstico socioeconômico da pesca da lagosta. Isso está começando agora e então, esse é um dado que ficará para o ano que vem. Estamos trabalhando para este ano ter definido o limite de captura, ter definidas as estratégias de monitoramento, avançar na discussão em torno do tamanho do animal e outra proposta tem relação com a lagosta viva, que sofreu algumas flexibilizações do plano de 2006 e que queremos apresentar algo mais maduro sobre isso", pondera a representante da Secretaria Nacional da Pesca Artesanal.

Ela ainda reforça que o trabalho tem como foco ser um "processo mais participativo possível, ouvindo o setor, os pescadores, as empresas, os armadores, para que a gente possa ter um plano que reflita a realidade e a importância que a pesca da lagosta tem".

Como são as regras e o período de defeso

Defeso de 1º de novembro até 31 de abril. Há duas espécies mais pescadas no Brasil e aqui na região. São elas a vermelha, que só pode ser pega com a cauda medindo no mínimo 13 centímetros e a verde, que a cauda precisa ter o mínimo de 11 centímetros.

E mesmo com estas regras, que a grosso modo definem que são pescados animais já adultos e que se reproduziram, há estudos indicando que essa população tem diminuído. Neste ano de 2023, inclusive, o MPA tentou aumentar em um centímetro esse mínimo de cauda das espécies, mas por pressão dos pescadores, acabou voltando atrás.

"Para o próximo ano, porém, estamos justamente revendo a norma de gestão e um dos pontos cruciais é estabelecer um limite de captura anual (da lagosta). Vai ser definido um volume, um número e isso visa, justamente, garantir que não haja sobrepesca (quando uma espécie é pescada além da sua capacidade natural de reprodução e pode levar à extinção)", explica Ormezita.

Formas de monitoramento estão sendo estudadas

Ormezita, que é cearense e trabalhou com a pesca aqui no Estado por mais de uma década, explica que o ministério está, exatamente, na fase de definir quais serão os instrumentos que serão utilizados para o caso da fiscalização de limite de captura da lagosta.

Ela diz que hoje, há algumas ferramentas que podem contribuir com esse monitoramento de quantidade pescada. Um deles é o mapa de bordo - que é um questionário onde os pescadores e a embarcação informam a produção que tiveram em um determinado período.

Além disso, há o Programa Nacional de Rastreamento de Embarcações Pesqueiras por Satélite (Preps), que faz acompanhamento da rota feita pelo barco. Porém, esse segundo instrumento não é obrigatório para todas as embarcações. 

Então, estamos construindo uma estratégia, para além desses instrumentos, que seria um monitoramento pela saída de exportação, mas isso ainda são conjecturas e estamos avaliando as possibilidades"
Ormezita Barbosa de Paulo
Coordenadora-geral de Gestão Participativa Costeiro-Marinha da Secretaria Nacional da Pesca Artesanal do MPA

A profissional do Ministério da Pesca lembra que na região Sul do País há um exemplo parecido na pesca da Tainha (peixe). "Lá os pescadores reportam dados de produção e a indústria também reporta os dados de saída. Então é feito o cruzamento e temos uma noção de quando a cota de pesca é alcançada."

Combate a pesca ilegal precisa ser mais efetivo

Mesmo sendo uma pesca totalmente artesanal - o que torna o processo menos predatório e mais sustentável -, ao conversar com pessoas que vivem o dia a dia da pesca da lagosta, muitos foram os relatos de práticas de pesca ilegal, seja com apetrechos que não são permitidos, seja a pesca feita por embarcações que não são autorizadas e ainda há a pesca feita no período do defeso, sem respeitar o período.

"Recebemos denúncias aqui no Ministério cada vez mais incidentes de pesca ilegal, sobretudo daquelas que utilizam apetrechos não permitidos, como as redes, ou que usam a técnica do mergulho. Temos acompanhado, também, que o Ibama tem feito operações nesse sentido de coibir essas práticas, mas elas ainda aparecem de forma muito presente."

Também neste sentido a coordenadora-geral de Gestão Participativa Costeiro-Marinha da Secretaria Nacional da Pesca Artesanal comenta que o novo plano de gestão deve ter mecanismos de retirar pescadores da ilegalidade, trazendo-os para a formalidade. 

"Só que esse é um debate que não é tão simples e talvez a gente não consiga, até o final do ano, para esse ponto, apontar respostas, mas estamos trabalhando e vamos continuar trabalhando nisso."

O Ceará recebeu, no último mês de setembro, uma visita dos ministério da Pesca e do Meio Ambiente, que cruzou o litoral de leste a oeste e muitos foram os relatos ouvidos da prática de "legalizar" a lagosta pega de forma ilegal, misturando com a produção do pescador legalizado, no trabalho feito por atravessadores.

Mergulho pode ser legalizado

A prática da pesca de mergulho, utilizada com muito mais intensidade no estado vizinho do Rio Grande do Norte, está recebendo um olhar diferenciado. Tradicionalmente, ela pode ser muito perigosa para o pescador, levando à morte ou a danos de saúde permanente, caso seja feita sem conhecimento.

Pensando em discutir melhor o assunto, dentro do comitê permanente de gestão, que aponta as estratégias de pesca da lagosta, será formado um grupo de trabalho para tratar do mergulho. A próxima reunião está marcada para os próximos dias 14 e 15 de dezembro, e deve ocorrer aqui em Fortaleza. 

"Isso já tinha sido um encaminhamento da reunião passada e agora vai ser, então a formalização desse grupo de trabalho, justamente no sentido de aprofundar a possibilidade de avançar com essa modalidade e o grupo terá a missão de apresentar para o ministério e para a sociedade o que é possível ser feito a este respeito", comenta Ormezita.

Valor pago pela lagosta é uma "pedra no sapato" do pescador

A safra de 2023 foi muito melhor do que as duas anteriores (2021 e 2022), mas o valor pago pelo quilo da lagosta foi a metade. Em 2021, o valor do quilo pago pelos atravessadores foi de R$ 120. Já neste ano, a média caiu para R$ 60. 

O ministério não tem competência de decidir sobre isso e acaba que o mercado se autorregula, porém, a coordenadora-geral de Gestão Participativa Costeiro-Marinha da Secretaria Nacional da Pesca Artesanal do MPA, Ormezita Barbosa de Paulo, diz que o órgão é ciente desse problema e que estuda uma forma de auxiliar os pescadores também nesta frente com o mercado. 

"Em setembro ouvimos também muitas queixas sobre isso, porque tivemos muito mais lagosta, com uma qualidade muito melhor, este ano, mas com o preço menor do que vinha sendo praticado em anos anteriores."

 

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