Ceará mantém liderança na exportação de lagosta, mas preços baixos prejudicam pescadores artesanais

Captura do crustáceo é fonte de economia da região do Litoral Leste. Em 2022, Estado representou 49% de todo o volume exportado pelo País

Escrito por Paloma Vargas , paloma.vargas@svm.com.br
pesca da lagosta em icapuí
Legenda: Ceará exportou, de janeiro a outubro deste ano, 34,6 milhões de dólares em lagosta
Foto: Diário do Nordeste


Quem nunca se deparou com um cesto cheio de lagostas inteiras ao caminhar pela beira-mar ou na curtição de uma praia em alguma barraca da Praia do Futuro, em Fortaleza? O crustáceo é uma iguaria de muitos cardápios, dos mais simples aos mais requintados, na região litorânea do Ceará.

Muito além disso, a lagosta é motivo de orgulho e mais ainda de números expressivos na economia do Estado. De acordo com o portal de estatísticas de comércio exterior do Brasil (Comex Stat), o Ceará, em 2023 (de janeiro a outubro), exportou 34,6 milhões de dólares em lagosta. 

Ao todo foram 1.434 toneladas congeladas e apenas 570 quilos vivas, frescas ou refrigeradas. Só nestes dez meses, o volume de produto exportado foi 10,5% maior do que o total do ano de 2022 - que mandou 1.297 toneladas do pescado congelado para fora. Porém, no ano passado, o valor pago pelo produto foi maior, fechando os doze meses com uma receita de 42,2 milhões de dólares.

Os maiores volumes de exportação foram para a América do Norte e a Ásia, incluindo o Oriente Médio. Para se ter uma ideia do quanto o Ceará é representativo neste mercado, em 2022, de acordo com o Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA), o Brasil exportou 83,15 milhões de dólares, ou seja, mais da metade do valor foi fruto do trabalho realizado no Estado.

Ainda segundo o MPA, o Ceará representa 49% de toda a exportação brasileira, seguido pelo Rio Grande do Norte, com 15%. De toda a produção do crustáceo anual, estimada entre 5 e 6 mil toneladas, mais de 90% é exportada. Lembrando que a safra da lagosta vai de 1º de maio a 31 de outubro.

pesca de lagosta em icapuí
Legenda: A região de Icapuí já é tradicionalmente conhecida como a “terra da lagosta no Ceará”
Foto: Diário do Nordeste

É neste contexto de importância na “Economia do Mar” local e brasileira que a oitava reportagem do projeto Praia é Vida, promovido pelo Sistema Verdes Mares (SVM), com foco na valorização e na sustentabilidade desse meio indispensável para múltiplas formas de vida, aborda a pesca da lagosta. Feita ainda de forma totalmente artesanal, a prática que ocorre do Amapá ao Espírito Santo tem destaque nas nossas areias, principalmente do Litoral Leste.   

Lagosta movimenta o turismo

A região de Icapuí já é tradicionalmente conhecida como a “terra da lagosta no Ceará”. Lá, a maioria das famílias vive da pesca da lagosta e das atividades secundárias que a prática agregou, como a culinária e o turismo. 

Presidente da Associação de Turismo de Ponta Grossa (uma comunidade de Icapuí) e coordenador de um projeto de base comunitária no local, Eliabe Crispim, comenta que faz pouco tempo que o turismo tem aparecido como também como alternativa de renda para as pessoas daquela comunidade.

“Para a comunidade daqui, a lagosta está diretamente ligada aos saberes e aos sabores. A lagosta é uma especialidade, com certeza, em Icapuí.”

Filho e irmão de pescadores, ele ainda revela que quem vai à região, principalmente turistas de Fortaleza e de Mossoró (RN), acaba provando e se encantando com a receita tradicional da lagosta, ao alho e óleo.

prato de lagosta ao alho e óleo
Legenda: Receita de lagosta ao alho e óleo é a mais tradicional de Icapuí
Foto: Diário do Nordeste

“Essa é uma receita passada de pai, mãe, para filha e filho e hoje as barracas oferecem o prato como sendo o principal. É uma forma bem natural de servir a lagosta, realçando o sabor.”

Reforçando essa vocação da produção da lagosta, unindo gastronomia e turismo, no final do mês de outubro, perto do início do período do defeso, a cidade recebe centenas de pessoas para o Festival da Lagosta. Este ano, que marcou a 16ª edição, a atração serviu cerca de 770 quilos de lagosta nos 16 restaurantes parceiros.

O evento também contou com apresentações artísticas, regata de jangadas, um torneio de beach tênis e uma feira de negócios criativos da região.

“Atualmente o turismo já representa aproximadamente 50% da economia do município e a cada edição do festival sentimos um aumento na ocupação de hospedagens, o que impacta diretamente na economia local”, reforça Crispim, que também atua como produtor cultural do Grupo de Desenvolvimento do Turismo em Icapuí (GDTur). 

Os números da pesca em Icapuí

De acordo com o supervisor do Departamento de Pesca e Aquicultura de Icapuí, Mauricio Barbosa, de 2017 até 2021 (último ano que a prefeitura tem os registros disponibilizados), a produção cresceu de 490 para 950 toneladas no período regular. 

Neste ano, ele reforça que a safra foi maior do que a de 2021, mas que os pescadores acabaram sendo muito menos remunerados.

“A pesca vinha numa crescente e em 2020, com a pandemia, foi muito prejudicada. Quando os pescadores voltaram com tudo para o mar, em 2021, a safra foi uma das melhores e o pagamento também. Chegaram a receber, na média, R$ 120 pelo quilo. No ano passado já tinham pescado mais e recebido menos, na comparação com 2021 e, este ano, novamente se teve uma maior produção e um menor pagamento. A média paga foi de apenas R$ 60 o quilo dela inteira.”

O supervisor ressalta que o pescador vive e alimenta sua família com o dinheiro que ganha no trabalho da lagosta e que a vida passou a ficar muito difícil. “Quando eles (pescadores) vão para o mar, não sabem quanto vão pegar e quanto vão receber pela produção. O importante é entender que eles acabam aceitando o que o atravessador paga, já que é ele quem faz o elo com o mercado.”

Questionado sobre programas de qualificação dos pescadores, o representante da Prefeitura afirma que não há nada em andamento, mas que é feito um trabalho de conscientização do tempo de pesca, para se respeitar o período de reprodução (o defeso) e da forma legalizada, que é apenas com as armadilhas chamadas de manzuá (uma espécie de gaiola feita com varas que é jogada no mar).

venda de lagostas no ceará
Legenda: Departamento de Pesca e Aquicultura de Icapuí informa que, de 2017 até 2021, a produção cresceu de 490 para 950 toneladas no período regular
Foto: Diário do Nordeste

Ele lembra ainda que os pescadores legalizados têm respeitado o período de defeso e o tamanho mínimo para a pesca, principalmente para a exportação, porém os ilegais tem o papel de abastecer os comércios locais e estaduais, não se preocupando com essas questões e tirando do mar, muitas vezes, animais que ainda não são adultos e não se reproduziram.

Essa prática é perigosa e pode levar a lagosta à extinção. “Por isso, precisamos com urgência de um projeto de regulamentação da atividade, feito pelo Ministério da Pesca. Esse seria um grande incentivo para a atividade, no tocante a profissionalização da mão de obra, já que toda a economia da nossa cidade, por exemplo, é impactada pela pesca da lagosta, que é o nosso ouro vivo.”

Colônia de pescadores auxilia a organizar a profissão

O município de Icapuí estima ter cinco mil pescadores e cerca de 1,8 mil embarcações que trabalham na pesca da lagosta. Destes profissionais, 2,1 mil são filiados à Colônia de Pescadores Z-17.

A organização, segundo a sua presidente, Rivânia Borges, é como um ponto de serviço social para o pescador garantir os seus direitos, seja no período do defeso, em que os trabalhadores recebem cinco parcelas de um salário mínimo, seja no momento em que chega o momento da aposentadoria. 

Contudo, por ser um local de reunião dos pescadores, é ali que chegam muitas das reclamações das práticas ilegais e do pouco preço pago pela produção. “Todos sabemos quem pratica algo ilegal na pesca, nos conhecemos, mas é um processo muito difícil. Nós conversamos sobre o defeso, sobre não praticar mergulho e usar apenas o manzuá, mas é preciso mais conscientização e fiscalização.”

pesca tradicional de lagosta em icapuí
Legenda: O município de Icapuí estima ter cinco mil pescadores e cerca de 1,8 mil embarcações que trabalham na pesca da lagosta
Foto: Diário do Nordeste

A vida da pesca que tem e não quer passar para os filhos

Antônio André, 39 anos, começou a ir para o mar ainda criança com o pai e quando se deu conta, já era pescador de ofício da Comunidade de Quitérias, em Icapuí. Há mais de 17 anos tendo o que traz do mar como único sustento, ele afirma que trabalha para que a filha de 9 anos possa ter condições de estudar e ter outra profissão.

“Essa é uma cultura que vem de avô, de pai, mas que eu não quero para a minha filha futuramente. Claro que vai depender dela. Tem mulheres pescadoras, mas eu não quero isso para ela, porque é uma vida difícil. A gente trabalha, se esforça, para que ela estude e procure outro meio, porque a vida do mar é complexa e arriscada.”

André lembra que já tiveram anos de safra menor e condições piores, e que a produção deste ano em quilos foi muito boa, mas em preço, não. “A gente trouxe muito mais lagosta esse ano, mas ficamos reféns do preço que o comprador quer pagar. Então, para mim que sobrevivo só dela, o que ganhei na pesca deu só para o básico. Não sobrou (dinheiro) para nada.”

O ideal, na visão do pescador, é que eles pudessem ter uma cooperativa da categoria que trabalhasse os preços e negociasse direto com os mercados internacional e nacional, sem necessidade de atravessadores. “Mas para isso, os pescadores precisam se informar mais, se unir e ter mais estudo. Quem sabe dá.”

Da rotina, André explica que todos os que trabalham seriamente com a pesca tem medo que um dia a lagosta acabe. “A gente precisa de mais fiscalização, de identificar os ilegais, de tirar os recifes artificiais que fazem com qualquer coisa, poluindo o mar. A gente precisa de mais cumprimento da lei, para que tudo não se acabe.”

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