Além dos preços das passagens, entenda por que o brasileiro voa pouco de avião

Escrito por
Igor Pires igor.aer.ita@gmail.com
(Atualizado às 16:49)
Legenda: O brasileiro voa menos que o chileno, o colombiano, o mexicano, que o dominicano
Foto: Fraport/Divulgação
As companhias aéreas nacionais possuem sua fatia de responsabilidade quando se trata de razões para o brasileiro voar pouco. Isso porque depois de um grande aumento de oferta de assentos entre 2000 e 2010, a oferta entre os anos de 2010 e 2024 cresceu apenas 4,2%, com pelo menos 3 companhias que ainda operam sofrendo forte redução de assentos: Latam com 12% a menos, Voepass com 15% menos e, sobretudo, a Gol com 24% menos assentos.
 
 
Os números são da Agência Nacional de Aviação Civil - ANAC.
 
O brasileiro voa menos que o chileno, o colombiano, o mexicano, que o dominicano. Pode-se alegar que parte disso é oriundo da baixa renda do brasileiro e está correto. 
 
 

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Momento difícil, mas há limitação de assentos

Sabemos que todas as companhias estão vindo de tempos difíceis pós-pandêmicos, com Latam e Gol emergindo de recuperação judicial e a Azul se retratando com credores, apertando os cintos em todos os sentidos: imaginem que a Azul restringiu o serviço de bordo à vontade que era a marca deles.
 
Até mesmo no período de 2010 a 2020, o PIB do país decresceu 0,3%, a década super-perdida, ou seja, sabemos que foram tempos difíceis e que o poder de compra da população não avançou como deveria.
 
No período, a Azul foi a única companhia que cresceu em oferta de assentos, também porque coincidiu com o período de fundação da aérea, tendo incorporado muitas aeronaves. A companhia cresceu 400% entre 2010 e 2024.
 
Perceba, porém, que companhias como Latam e Gol reduziram fortemente a oferta de assentos, mesmo após a falência da Avianca Brasil em 2019, ou seja, não é que simplesmente as companhias aéreas do país ocupam os lugares das outras e crescem em oferta. Em Fortaleza, em 2023, vimos a Gol reduzir como nunca a oferta de assentos na capital, porém, Azul e Latam apenas observaram.
 
 
No Brasil, a regra algumas vezes é a redução definitiva de oferta e, aí, os brasileiros viajarão menos. Não há concorrência efetiva e, repito, em regiões como a Nordeste é ainda pior.
 
Dessa forma, a situação financeira das três companhias e fatores macroeconômicos não permitiram um avanço mais forte da aviação no país. Acredito, porém, que parte da estratégia de todas elas, como em vários outros ramos, a prática da escassez de assentos, ou seja, ter oferta limitada para provocar preços elevados sistematicamente, tem freado a atividade.
 
O número de aeronaves da Latam, que estacionou por volta de 150 aeronaves entre 2010 e 2024, demonstra essa estratégia, limitando claramente a quantidade de passageiros que poderiam ser transportados e até novos mercados acessados. A Gol apresentou um acréscimo de 18 aeronaves no período: de 123 para 141 e opera por volta de 14 bases a mais que a Latam.
 
Preços elevados foram a regra em vários momentos, sobretudo após a pandemia. Isso gera distorções importantes, por exemplo, quando vemos imagens de aeronaves entre Rio e São Paulo (Ponte Aérea), “batendo-lata”, ou operando praticamente vazias. A quem serve essa aviação em que aeronaves voam vazias?
 
Se chega a ser difícil acompanhar a dinâmica de preços altos na região mais rica do país, que dirá do frágil Nordeste para a aviação?
 
Assim a segunda região mais populosa do Brasil voa ainda menos. Se em 2024 no Nordeste foram apenas 45 localidades com voos comerciais (número que decrescerá em 2025, com a saída da Azul Conecta de várias localidades) com 21.754.690 de assentos ofertados, no Sudeste foram 66.652.297, mais de 3 vezes superior. (ANAC)
 

Superconcentração da aviação no sudeste

Além de termos 98% das operações comerciais sob 3 companhias, é fato que as companhias aéreas super concentram suas operações no Sudeste. Digo mais, TODAS estão com suas matrizes em São Paulo: Latam, Gol, Campinas e Voepass. A Gol ainda mantém estruturas fortes de manutenção em Minas Gerais e quer voltar a crescer no Rio de Janeiro, mas a hiperconcentração está dada na região.
 
Resultado é que operar dentro do Nordeste “é distante” e se “torna mais caro”, dadas as 2 horas e meia, 3 horas de voo para uma aeronave chegar na região. Então, a regra é não ter número relevante de aeronaves disponíveis por aqui para realizar voos adicionais: o custo marginal de operar voos no Nordeste é alto, porque o insumo básico (avião) não está aqui.
 
Como exemplo, as aeronaves de companhias como Latam e Gol estão sincronizadas com os horários de seus maiores hubs no Sudeste e em Brasília. Não sobra, portanto, horário para um voo Fortaleza-Salvador no final da tarde, por exemplo, não há aeronave para tal.
 
Fortaleza e Salvador, cidades-foco Nordeste de Latam e Gol, respectivamente, são atendidas da mesma forma, com pequenas janelas de oportunidades enquanto suas aeronaves estão longe dos grandes centros.
 
A Azul é a exceção na região com seu grande hub em Recife.
 
Assim, falta uma frota dedicada à realidade do Nordeste: precisaríamos de uma frota regional muito mais relevante, como o ATR-42, o ATR-72 e os jatos da Embraer. Gol e Latam ainda passam longe dessas aeronaves. Outro ponto que intensifica o dolo de companhias em transportar poucos brasileiros.
 
A perspectiva de médio prazo não mostra qualquer melhoria. Pelo contrário: novamente estamos sob o risco de não termos ligação entre Fortaleza e Juazeiro do Norte, duas regiões desenvolvidas do Ceará. Da mesma forma, está dada a interrupção de voos entre Recife e Mossoró no RN, entre Natal e Fernando de Noronha-PE.
 
Tudo começou (novamente) em agosto de 2024, após o acidente da Voepass.
 
O único avião da Voepass que ficava baseado em Fortaleza e atendia mercados como Juazeiro do Norte e Fernando de Noronha, precisou ser realocado para o Sudeste para recompor a aeronave acidentada. Resultado adicional: Voepass deixou de operar em Juazeiro, Mossoró e Campina Grande.
 
Agora, o novo imbróglio sobre a ligação entre Fortaleza e Juazeiro do Norte é a falta de aeronaves turboélice pela qual passa a Azul, que tem dezenas de aeronaves paralisadas por falta de peças de manutenção.
 
Por que? Por falta de aeronaves. A companhia tem dezenas de aeronaves em solo por falta de peças de reposição e deseja jogar o ATR que opera em Juazeiro (num péssimo horário de madrugada) para trechos em que considera que conseguirá lucrar mais.
 
Em Juazeiro, até 6 meses atrás, operavam Voepass e Azul, juntas. Esse mesmo problema de eventual falta de voos já passamos no início de 2023, quando a Voepass fechou a base Juazeiro e voltou atrás meses depois.
 
Esse vai e vem de operações corrói o potencial de consolidar voos na região Nordeste.
 

Posicionamento das companhias aéreas

A Gol Linhas Aéreas informou à Coluna que “nasceu há 24 anos com o propósito de democratizar o transporte aéreo no Brasil. Em 2000, um ano antes da fundação da Companhia, o país tinha cerca de 22 milhões de passageiros por ano. Em 2019, antes da pandemia, apenas a GOL transportava quase 40 milhões de passageiros. A Companhia mantém investimentos contínuos em inovação e na expansão de sua malha para atender às demandas dos passageiros e seguir o seu propósito, enquanto ainda se recupera da maior crise da história da aviação comercial. 
 
A comparação de viagens "per capta” do Brasil com alguns países vizinhos deve ser ponderada por alguns fatores, entre eles características sociais e de geografia, que em alguns casos torna viagens terrestres muito mais longas do que no Brasil, incentivando o transporte aéreo nesses locais.
 
A GOL acredita que o setor aéreo no Brasil tem ótimo potencial de crescimento, confiança que está no plano de 5 anos apresentado ao público neste mês de janeiro. A Companhia tem objetivos que convergem na ampliação do acesso ao transporte aéreo no País. Aqui, alguns destaques.
  1. Renovação da frota: A GOL está comprometida em aumentar sua frota por modelos mais novos do Boeing 737 MAX 8, que oferecem maior eficiência de combustível, redução de emissões e capacidade ampliada. Essa modernização permitirá um crescimento sustentável e competitivo. A meta é ter 167 aviões na frota em 2029, dos quais 63% deles de MAX 8.
  2. Expansão de destinos: Além de consolidar sua presença no mercado doméstico, para onde já voa para 64 destinos, a GOL planeja ampliar significativamente sua malha internacional, ampliando a oferta de voos entre o Brasil e países da América Latina, do Caribe e os Estados Unidos. Essa estratégia visa atender tanto ao turismo de lazer quanto ao segmento corporativo.
  3. Aumento da oferta de assentos: Com a renovação da frota e a ampliação de destinos, a GOL espera aumentar sua capacidade, contribuindo para que mais brasileiros tenham acesso ao transporte aéreo e mais estrangeiros possam conhecer o Brasil.”
 
Já a Latam, que tem a menor quantidade de bases operadas no Brasil dentre as 3 maiores companhias, informou que: “encerra 2024 com 35 milhões de passageiros transportados no Brasil, superando 2023 em 5%.”
 
Ainda, a companhia informou que lidera o mercado brasileiro: “Com 39% do mercado aéreo doméstico brasileiro, a LATAM encerrou 2024 na liderança do setor no País, segundo a ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil). Atualmente, a companhia opera a maior malha aérea da sua história no Brasil, com voos para mais de 50 aeroportos nacionais.”
 
“Os resultados de 2024 comprovam que a LATAM continua no caminho certo em seu compromisso de fazer com que mais brasileiros voem de avião.”, afirmou Aline Mafra, diretora de Vendas e Marketing da LATAM Brasil.”
 
A Azul Linhas Aéreas não respondeu os nossos questionamentos. O espaço continua aberto.
 
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*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.

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