O que está por trás da desoneração da folha e por que Lula vetou?

Dezessete setores intensivos de mão de obra voltarão a contribuir com 20% para a Previdência Social

Escrito por Luciano Rodrigues , luciano.rodrigues@svm.com.br
Legenda: Construção civil é um dos setores afetados pelo fim da desoneração da folha de pagamento
Foto: Thiago Gadelha

O presidente Luís Inácio Lula da Silva vetou na semana passada integralmente a prorrogação da desoneração da folha de pagamento. A medida foi publicada em edição extra do Diário Oficial da União (DOU) e vale já a partir do ano que vem.

Com isso, 17 setores intensivos de mão de obra voltam a pagar 20% para a Previdência Social. Especialistas ouvidos pelo Diário do Nordeste apontam que essa é uma clara tentativa de o Governo Federal aumentar a arrecadação.

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A desoneração da folha estava em vigor através de Medida Provisória (MP) desde 2011, no primeiro ano de mandato da então presidente Dilma Rousseff.

A legislação autorizava que os contratantes pagassem entre 1% e 4,5% sobre a receita bruta para a contribuição previdenciária patronal.

Antes, a tributação era de 20% sobre a folha de pagamento dos funcionários. Na prática, a medida trazia uma redução de encargos para contratação de mão de obra. Ao todo, 17 setores eram beneficiados, após sucessivas prorrogações e ampliações da legislação.

Com o veto de Lula, a MP, que foi aprovada no Congresso Nacional e teria validade até 2027, caduca no fim deste ano. A partir de 2024, volta a valer a regra antiga.

O impacto esperado pelo Governo Federal é de um aumento de R$ 9,4 bilhões na arrecadação com o fim da desoneração em folha.

'FREIO DE ARRUMAÇÃO'

Para o economista e especialista em tributação Alex Araújo, o objetivo do presidente foi seguir o que a equipe econômica do Governo Federal orientou. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, chegou a chamar a desoneração da folha de "inconstitucional". 

"O Governo quis dar um 'freio de arrumação', restringindo o uso político da medida, pois o custo já estava na conta do ajuste fiscal. Dessa forma, acho que a negociação poderá voltar a beneficiar alguns setores, pois é importante para estimular o emprego e geração de renda", classifica.

Criada como medida emergencial em um contexto de aumento do desemprego, a desoneração da folha, segundo Alex Araújo, amalgamou uma série de outros segmentos que não constavam inicialmente na MP com o objetivo de gerar empregos.

Legenda: Setor calçadista entre os afetados por medida
Foto: Antonio Rodrigues/Diário do Nordeste

"Para o setor privado, é possível o impacto em algum segmento específico, pois a norma tinha o compromisso original de apoiar as atividades com trabalho intensivo", completa.

A reclamação do setor privado, pelo menos na visão do Governo, mostra-se descabida, como explica Ricardo Coimbra, economista e conselheiro do Conselho Regional de Economia do Ceará (Corecon-CE).

O longo tempo da desoneração da folha de pagamento dos 17 setores produtivos foi mais do que suficiente para reorganizar a política fiscal das empresas.

Os setores produtivos beneficiados já deveriam ter encontrado uma competitividade mais significativa para manter os mesmos níveis de emprego e lucratividade sem o benefício fiscal. É um tempo mais do que suficiente para que os setores tiverem se reestruturado para a saída do tributo.
Ricardo Coimbra
Economista e conselheiro do Corecon-CE

IGUAL PARA TODOS

O veto de Lula demonstra uma vitória da equipe econômica do Governo Federal capitaneada pelo ministro Fernando Haddad. Coimbra acredita que, com o fim desse benefício fiscal, as contas públicas nacionais estarão mais próximas de zerar o déficit primário do Brasil.

"O principal impacto é a possibilidade de o Governo, observando a situação fiscal e a dificuldade para alcançar a meta estabelecida no arcabouço fiscal, de zerar a meta para o déficit do ano que vem, que ele possa gerar algum tipo de receita. (...) É uma briga, com o Estado não querendo criar essa especificidade para alguns setores da atividade econômica para que todos paguem o mesmo nível de tributação".

No texto vetado pelo presidente da República, ainda estavam as Prefeituras de municípios com até 142 mil habitantes, o que corresponde a 96,25% de todos os Poderes Públicos das cidades do Brasil.

Assim como o setor privado, as Prefeituras também teriam alíquota diferenciada, de 20% para 8% sobre a folha de pagamento para a contribuição previdenciária patronal.

João Mário de França, professor do Programa de Pós-Graduação em Economia (Caen) da Universidade Federal do Ceará (UFC), acredita que o veto de Lula deixa todos os setores em situação de igualdade, principalmente após análises de geração de empregos abaixo do esperado com o benefício fiscal.

"O que temos de hoje de avaliações feitas sobre essa política de desoneração indicam que seus efeitos sobre a geração de empregos foram pequenos e que o custo de cada posto de trabalho criado foi muito elevado. Talvez reduções da contribuição patronal focadas em trabalhadores com remuneração próxima do salário mínimo fossem mais efetivas para diminuir o custo da mão de obra e incentivar a formalização do emprego", argumenta.

MAIS RECLAMAÇÕES

Apesar disso, os especialistas também defendem que a queda de braço entre Governo Federal e setor produtivo pode derrubar o veto. Deputados e senadores de oposição já se manifestaram contra a decisão de Lula e buscam formas de fazer o texto vigorar.

"A discussão vai ser em relação ao veto, os setores de atividade relacionadas têm um peso muito grande no Congresso, existe a possibilidade de derrubada do veto e um contraponto, discussão de outras medidas para recompor essa arrecadação para o Governo Federal", expõe Ricardo Coimbra.

Legenda: Congresso Nacional pode reverter veto de Lula
Foto: Shutterstock

O economista completa com a principal queixa do setor produtivo: a queda de mão de obra nos segmentos afetados: "Com a volta da carga tributária cheia, vai ficar muito caro manter a força de trabalho, e isso poderá gerar um aumento do desemprego".

Os setores que voltam a pagar 20% para a Previdência Social em cima da folha de pagamentos dos funcionários são:

  • Calçados;
  • Call center;
  • Comunicação;
  • Confecção/vestuário;
  • Construção civil;
  • Construção e obras de infraestrutura;
  • Couro;
  • Fabricação de veículos e carroçarias;
  • Máquinas e equipamentos;
  • Proteína animal;
  • Têxtil;
  • TI (Tecnologia da Informação);
  • TIC (Tecnologia de Comunicação);
  • Projeto de Circuitos Integrados;
  • Transporte Metroferroviário de Passageiros;
  • Transporte Rodoviário Coletivo;
  • Transporte Rodoviário de Cargas.

O professor João Mário França endossa a fala de Ricardo Coimbra, com a possibilidade de diminuição de investimentos nos 17 setores.

"Aumenta o custo de trabalho e pode impactar na geração de novas ofertas de empregos e até na redução de investimentos, o que reduz o potencial de crescimento econômico", infere.

O QUE DIZ O SETOR PRODUTIVO?

A reação dos setores evidencia que o mercado 'vê com maus olhos' o veto de Lula. De acordo com Patriolino Dias, presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado do Ceará (Sinduscon-CE), a medida é considerada "péssima", e diversos postos de trabalho podem estar ameaçados.

"A expectativa é negativa porque isso impacta no nosso setor. Temos atualmente 75 mil empregos diretos no Ceará, empregamos 6 mil novos trabalhadores em 2023, e isso é ruim porque a gente coloca o custo e o consumidor final não consegue absorver. Isso impactará em novas contratações".

Além disso, Patriolino também reflete sobre o preço dos imóveis em Fortaleza, principalmente em novos empreendimentos. Com o aumento da tributação, o afetado também deve ser o consumidor final, que vai encontrar imóveis mais caros.

Difícil fazer levantamentos agora, mas isso impactará negativamente. Estamos preocupados, porque a gente faz contas, a gente vai colocar o custo e a gente sabe que dentro do custo, aumento o preço do imóvel, diminui a quantidade de vendas.
Patriolino Dias
Presidente da Sinduscon-CE

Legenda: Novos empreendimentos no estado devem ficar mais caros com fim da desoneração em folha
Foto: Gustavo Pellizzon

Outro setor a se manifestar foi o calçadista, através da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), que disse ter se surpreendido com o veto do presidente Lula.

"Impacta negativamente a indústria calçadista nacional, que deve ter uma carga tributária extra de R$ 720 milhões por ano, o que terá impacto na produção, e consequentemente, no emprego", declara em nota.

O presidente da entidade, Haroldo Ferreira, ressalta ainda que existe o risco da perda de empregos, diretos e indiretos, com a medida do Poder Executivo Federal.

"O impacto imediato é de uma perda de 20 mil empregos já no primeiro ano. Taxar a geração de empregos vai de encontro à desejada política de reindustrialização do País", lamenta.

Procurada pelo Diário do Nordeste, a Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec), que tem diversos setores impactados com o veto de Lula, não respondeu à reportagem até a publicação desta matéria.  

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