Quem é e o que pensa Mayhara Chaves, única mulher no comando de um porto entre os sete federais do País
A engenheira e diretora-presidente da Companha Docas do Ceará destaca a importância de inspirar meninas e mulheres a buscarem seus objetivos profissionais
Apesar de substantivo feminino, a Engenharia é uma palavra que tradicionalmente carrega nuances muito masculinas - basta olhar para as salas das universidades. É possível dizer que a participação das mulheres nesse ambiente avançou nos últimos anos, mas o cenário pode e deve melhorar. Mas para isso acontecer é importante começar na base: a infância e adolescência.
Foi na Engenharia que a diretora-presidente da Companhia Docas do Ceará, Mayhara Chaves, a única mulher no comando de um porto entre os sete federais no País, iniciou a sua trajetória.
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Vendo a mãe ao lado do pai em uma oficina mecânica, ela acredita que foi criado pela família para si um ambiente em que trabalhar na área seria algo totalmente possível e plausível para uma mulher.
Na Engenharia, Mayhara se encantou pela Logística, área que a levou ao cargo que exerce hoje. O setor portuário ainda é dominado pela presença masculina, mas ela acredita que é possível cada vez mais mulheres se interessarem pelas possibilidades profissionais do ramo por meio do exemplo que ela procura oferecer, assim como um dia uma mulher a inspirou a seguir essa carreira.
Mayhara Chaves é a entrevistada desta semana para o Projeto Elas, do Sistema Verdes Mares, que instiga a reflexão sobre a participação da mulher na sociedade.
A diretora-presidente ressalta a importância de inspirar mulheres, a visão da maternidade no ambiente profissional e o futuro que ela vislumbra para a participação feminina no ambiente portuário.
Veja a entrevista completa:
Você iniciou sua carreira no curso de Engenharia e eram só 10 mulheres em uma sala de 60 pessoas. Quais foram as barreiras que você enfrentou ali por ser uma mulher em uma área tradicionalmente masculinizada?
Nesse início de carreira, começando a Engenharia de Produção, eu já optei por estudar à noite, então por isso o meu ambiente já era mais masculinizado.
Na época eu queria trabalhar, queria desenvolver, começar a aprender, fazer estágio, então eu fui estudar à noite. Eu tinha passado em uma outra universidade para o período da manhã, mas eu entendi que estudar à noite me proporcionaria maiores conhecimentos pela maior oportunidade de fazer estágio, mais flexibilidade.
Então ali a maioria eram pessoas mais velhas, pessoas que já trabalhavam e que estavam fazendo faculdade para poderem crescer em seus ambientes de trabalho, maioria homens.
E ao contrário do que a gente imagina, eu fui muito bem recebida pelos meus colegas. Naquele momento era um grupo muito unido e a gente tinha pessoas de vários momentos. Acho que eles viram muito nós, mulheres, como filhas.
Para auxiliar e ensinar. E com o tempo nós fomos crescendo e evoluindo junto, então durante esse período de faculdade eu não creio que houve barreiras.
É mais difícil estudar à noite na questão de deslocamento? Eu acho que a barreira aí é mais de deslocamento, porque é mais perigoso para uma mulher.
Então são outras barreiras que o sistema impõe para nós. Não vou dizer que foram barreiras dos meus colegas, mas existem barreiras na educação que às vezes a mulher não quer estudar à noite por conta da dificuldade de ir para casa, pegar um transporte público, de pegar a estrada.
Então eu acho que foi a principal dificuldade naquele momento, mas a gente tocou e eu terminei a faculdade mesmo no período da noite e estagiando sempre.
Suas colegas de turma avançaram junto com você e foram até o fim?
Quase todas. Nós formamos juntas, na verdade, cinco. As outras ficaram para formar em outro período porque elas já trabalhavam e tiveram alguma dificuldade ali no meio do caminho, às vezes uma dificuldade financeira de pagar a escola, não tinha como pagar todas as matérias, era faculdade particular.
Então tinha gente que não tinha condições de tempo ou financeiras de continuar pagando, então se formaram mesmo, receberam o diploma 17 pessoas.
Na sua família, todos te apoiaram na sua escolha profissional, desde a época da faculdade?
Eu sou filha única, meu pai é caminhoneiro e mecânico e minha mãe sempre acompanhou meu pai nas atividades dele.
Eu lembro muito bem que quando eu era criança eu sempre falava que eu queria ser médica, mas com 11 anos eu falei: “eu vou ser engenheira, mãe!”.
Eu vivia dentro da oficina mecânica do meu pai, eu queria fazer Engenharia Mecânica, então a gente foi construindo essa relação com a Engenharia muito antes de eu querer fazer alguma faculdade.
Então desde 11 anos eu queria fazer Engenharia. Minha mãe viu que estava no sangue, sempre fui boa em matemática e física, meus pais nunca questionaram essa opção.
Meu pai questionou muito eu estudar à noite. Ele queria que eu estudasse de dia, ele falava: “ela não vai dar conta de estudar à noite”.
Quando eu tive o meu primeiro estágio, que eu comecei a sair 7h da manhã de casa e só retornava 11h da noite ele falava: “ela não vai dar conta da faculdade e não vai dar conta de fazer o estágio”.
Naquela época fazia estágio de 8 horas, era um horário normal, de 8 horas às 17 horas com o horário de almoço. Então meu pai ficou com medo de eu não conseguir.
Mas aí a gente vai levando, eu sempre fui muito concentrada nos meus estudos. Nunca fui muito de estudar no fim de semana, de fazer aqueles megagrupos de estudo no fim de semana, mas eu sempre fui muito focada.
Então nunca matei aula, fazia todos os exercícios e trabalhos. A minha família viu minha dedicação, apesar de sermos só nós três.
Então para um pai que foi caminhoneiro e teve muito tempo em oficina mecânica, para ele era um orgulho ter uma filha engenheira, que juntava um pouco com o que ele sempre sonhou também.
Essa abertura do teu pai de você estar sempre dentro da oficina, vendo o dia a dia, vendo sua mãe participar também, isso criou um ambiente propício para que você sentisse que era totalmente possível e plausível fazer Engenharia e seguir essa carreira?
Eu nunca achei que fosse impossível. Nunca achei que fosse ter alguma barreira, alguma dificuldade, porque eles criaram um ambiente para mim completamente propício a dar continuidade àquilo que eu falava desde os 11 anos, então quando eu falei que faria Engenharia, foi normal.
Tentei em várias faculdades, Engenharia Mecânica, Engenharia de Produção, e uma coisa que eu falava muito era que eu queria estudar e queria trabalhar. Eu queria começar a conhecer e botar a mão na massa.
Então aquele ambiente sempre foi muito propício para isso.
Quem são as mulheres que inspiram na área portuária? Teve alguma que te inspirou na Engenharia? E na sua vida em geral?
A minha inspiração não é engenheira, mas ela é administradora de porto e o nome dela é Patrícia Lascosque.
Ela sabe disso, hoje é minha amiga pessoal, mas eu fui estagiária de uma indústria de papel lá no Espírito Santo e ela era a responsável pela área portuária desse indústria de papel e celulose, então desde a época que eu era estagiária ela já trabalhava nessa empresa e eu falava: “nossa, eu quero ser igual a ela!”.
E eu fui crescendo dentro da minha profissão, fazendo estágio, passando por outras empresas e como ela estava sempre na mídia eu fui acompanhando o histórico dela, mesmo à distância e sem a conhecer.
Em 2013, se não me engano, eu vim a conhecê-la pessoalmente por conta do trabalho e a gente acabou se aproximando e viramos amigas por conta desse nosso relacionamento profissional.
Ela é gestora portuária, mais de 10 anos de experiência como gestora de porto no Espírito Santo e ela para mim é um exemplo de superação, de mãe, de tudo junto. Da mulher que pode ser profissional, que alcançou o cargo máximo dentro da instituição que ela trabalha e que nem por isso deixou de casar, deixou de ter seus filhos, de viver a vida dela.
Então ela, para mim, era a prova de que tudo poderia dar certo, de que eu não precisaria deixar a minha profissão para ter meu filho, de que a mulher pode conciliar tudo.
Para mim ela é inspiração em todos os sentidos, tanto pessoal como profissional, de crescimento de carreira.
Existe um caminho entre a Engenharia e o setor portuário. Gostaria de saber como foi que você chegou ao setor portuário, como você decidiu que queria atuar nessa área. Quais caminhos te levaram até lá?
O destino me levou. Dentro da Engenharia de Produção a gente tem o viés de logística e até pouco tempo atrás não se falava em logística portuária.
Ainda hoje temos pouquíssimos cursos de Engenharia Naval, de portos. Eu cresci em uma cidade portuária, que é Vila Velha, lá no Espírito Santo, e as faculdades têm o ensino da engenharia, temos pós-graduação em Logística, mas você vê muito o transporte rodoviário.
Então no início do meu estágio eu estagiei com empresas de produção mesmo, efetivamente, produção de bens.
E me inseri em empresas de logística e foi aí que eu me encontrei, porque eu acho que o ambiente que o meu pai trouxe para mim, de oficina mecânica, de caminhoneiro, e eu vendo aquilo e poder auxiliar o transporte de carga, acho que eu nasci com isso!
Então eu estagiei na área de logística das empresas, comecei a me especializar, vi que era isso que eu queria fazer.
Eu trabalhei em uma empresa na qual eu fui contratada para a área de logística e como eu tinha terminado a faculdade e sido contratada, eu resolvi fazer pós-graduação em logística empresarial.
Basicamente tinha matéria de porto, de ferrovia, de (logística) aeroviária, mas era basicamente voltado para transporte terrestre.
Eu fiz um trabalho na época de pós-graduação e algum tempo depois um dos meus professores, que trabalhava na época em Brasília, me mandou um e-mail oferecendo uma oportunidade para que eu trabalhasse com ele em Brasília.
Eu me perguntei: por que eu em maio a tantos alunos? Imagina, um professor de pós-graduação residente em Brasília e que dava aula em Goiás, no Espírito Santo, me achar anos depois e me convidar para trabalhar com ele em Brasília.
E aí ele disse que o meu trabalho da época da pós foi um material digno de crescimento e que enxergava muito potencial em mim. Aquele trabalho da pós-graduação.
E assim eu cheguei à Secretaria de Portos. Esse meu professor me disse: “olha, vou te chamar para um projeto. Você vai ter que aprender muito, porque a gente não consegue pessoal especializado na área de portos. Você como engenheira de produção com pós-graduação em Logística tem toda a capacidade técnica para aprender e é uma coisa nova".
Quando ele falou que era uma coisa nova, que era uma coisa desafiadora, eu pensei: “é isso que eu quero!”. Desafio é comigo mesmo. Larguei tudo, larguei meu trabalho e fui morar em Brasília, em 2010. Foi quando começou a minha carreira no setor portuário.
É um setor que a gente observa que é muito masculinizado e você é a única mulher presidente de portos federais brasileiros. Como você avalia o peso desse título e como você vê o fato de termos poucas mulheres em cargos de liderança na área portuária?
Nós temos três âmbitos: terminais privados, terminais públicos ligados à governos estaduais e prefeituras e temos portos ligados ao Governo Federal.
Hoje, temos sete portos públicos ligados ao Governo Federal e, desses sete, eu sou a única mulher.
Tem a Patrícia, que é de porto privado, que é a minha musa inspiradora, e tem a Gilmara que é presidente de porto delegado, então somos só três mulheres como dirigentes máximas dessas entidades.
O peso desse título é o mesmo para os homens. A gente é cobrada da mesma forma, temos os mesmos desafios.
O meu gestor hoje, que é o secretário nacional de Portos, Diogo Piloni, deu a todos nós condições de exercermos as nossas funções plenamente e confiança no cargo que a gente assumiu, então é uma questão de peso? É!
A gente vem com o desafio nas costas, eu já havia sido dirigente de porto no Espírito Santo, mas assumir presidência, ainda não tinha assumido efetivamente - já havia assumido como substituta - mas a minha primeira presidência efetivamente foi aqui.
Dá aquele arrepio. Eu estou entrando em um setor onde tem mais homens, onde todo mundo conhece muito, mas quando o seu chefe chega para você e diz: “Mayhara, você tem todas as condições de tocar isso e de trabalhar de igual para igual, você é tão competente quanto”.
Isso dá um respaldo muito grande. Então dá uma dose de confiança que você diz: “eu vou encarar isso que o meu superior acredita em mim”.
Acho que esse é um papel de todos os gestores, mulher ou homem, de passar essa confiança, essa credibilidade para quem você tá trazendo para trabalhar contigo.
Essa questão de ter poucas mulheres no setor portuário não é só aqui. É no mundo inteiro. Eu tenho algumas colegas que falam que às vezes no exterior é pior, porque no exterior as mulheres também não querem, não fazem Engenharia.
Não é porque elas são discriminadas ao chegarem lá. Eu uso sempre isso como exemplo. Hoje temos poucas mulheres que fazem, quem têm especialização e que batalharam, que têm condições de chegar.
A gente precisa trabalhar isso na base, porque hoje, se você olhar para uma seleção, pode acontecer de ter uma mulher e um homem e a mulher ser discriminada e a escolha ser pelo homem, pode ser, sim, mas também nós temos uma quantidade muito maior de homens do que de mulheres em condições de assumir essas posições.
Então o que eu falo muito, também estou em um conselho feminino, né, e trabalho muito essas questões no Linkedin, é trabalhar muito a base da educação: incentivar mulheres para que elas queiram crescer e se desenvolver.
Então não é uma coisa só de Brasil. Isso é mundial, talvez alguns países mais, outros menos, mas eu vejo uma evolução já enorme.
A época em que a Patrícia iniciou sua carreira como gestora no Espírito Santo só existia ela. Mais ninguém. Hoje nós temos três e amanhã a gente pode ter a metade, então a gente precisa inspirar e fazer com que as outras almejem isso também, então é muito no acreditar em si e almejar também essa posição.
Eu vi que você já tinha mencionado essa necessidade, essa importância de incentivar meninas a buscarem esse tipo de evolução, acesso à educação. E queria saber de que forma você acha que isso deve ser feito? Como você contribui nesse sentido?
Divulgar o nosso trabalho é uma das questões principais, divulgar o que nós estamos fazendo como mulher, divulgar o que é possível ser feito. É o primeiro passo.
Outro passo é puxar outras mulheres para dentro do setor, então como é que a gente faz isso? Até antes da pandemia eu fazia muita palestra em universidades.
É um dos caminhos mais simples e que traz um resultado maravilhoso, então fazer palestras em faculdades e colégios abre os olhos para outras oportunidades. Você passa a conhecer e passa a servir de inspiração.
Acho que a palavra principal é inspiração. A pergunta que você fez foi muito boa, de quem me inspirou.
Porque hoje é difícil a pessoa querer seguir determinado caminho por si mesma. Tem que ter ali um foco, alguém que a pessoa conheceu e que ela parou e pensou: “nossa, eu queria ser como aquela pessoa!”. Então eu acho que a gente tem esse papel, então eu tento fazer muito isso pelo Linkedin.
Quando alguém me pede para conhecer ou incentivar algum trabalho acadêmico, independente de ser homem ou mulher, tem todo o tempo comigo para isso! Porque eu acho que a gente precisa dar atenção e dar inspiração para essas pessoas.
Você se ausentou durante um tempo para se dedicar à maternidade. Como foi esse momento? Você teve medo em algum momento de que isso interferisse de alguma forma na sua carreira ou do seu profissional interferir na maternidade?
Medo eu tenho até hoje (risos). Quando eu decidi engravidar eu me preparei financeiramente para isso, para me dedicar ao momento mãe, ao fim da minha gestação, então eu vinha me preparando.
Eu não fui mãe novinha, mas hoje em dia cada vez mais as mulheres são mães depois dos 30, então eu estou por aí.
Eu me preparei financeiramente e psicologicamente, eu já sabia que eu poderia sair do trabalho em que eu estava, já sabia que eu poderia ter dificuldade em voltar após sair do meu trabalho. Existia esse medo, não vou negar, mas eu precisava pensar em mim. Era o que eu queria. Eu sempre quis ser mãe.
Os primeiros seis meses do meu filho foram de dedicação total, 100% ele. Eu não queria pensar em trabalho. Quando ele completou seis meses, virou uma “chavinha” na minha cabeça.
Eu via meu marido saindo para trabalhar todos os dias e pensava: eu preciso vestir uma roupa, preciso colocar uma calça, um sapato e ir trabalhar, porque está no sangue.
Eu precisava voltar a trabalhar, era mais forte do que eu. Não que a vida de mãe não estivesse me satisfazendo, mas eu não estava feliz profissionalmente. Eu precisava voltar. Então eu voltei a buscar no mercado e comecei de baixo e novo.
Fui trabalhar na Federação das Indústrias no Espírito Santo (Fies) e voltei de baixo. Eu tinha ido lá em cima, fiquei grávida sendo diretora de uma Companhia Docas, e entrei como uma assessora técnica da Federação das Indústrias, então meu salário era muito menor do que o último que eu tinha, mas eu precisava daquilo para mim.
Precisava me sentir importante, útil para uma empresa. E eu não deixei de ser mãe por causa disso, eu tinha meus compromissos como mãe, não acho que deixei esse papel.
Meu marido dividiu muitas tarefas comigo, então é muito importante poder contar com seu parceiro, ter um parceiro que seja pai, que não apenas troque a fralda da noite, mas que exerça o seu papel, então foi fundamental na minha vida nessa transição.
Três meses depois que eu estava na Federação das Indústrias surgiu a oportunidade de vir aqui para Fortaleza.
Meu menino não tinha nem um ano ainda e eu participei das entrevistas e me perguntaram se tinha algum empecilho para mim porque eu era mãe. E eu falei: “não, meu filho vai comigo, meu esposo vai comigo, tesá todo mundo embaixo do braço e vai todo mundo para Fortaleza”.
São quase 3 mil km de onde eu moro, longe da família, longe de suporte, de tudo. Mas eu falei: “a gente dá conta e a gente vai!”.
Eu nunca tive medo de desafios, mas um frio na barriga de “o que vai acontecer daqui para frente?”.
Pensei em como cuidaria do meu filho, em como ficaria minha rotina. Eu prezo por uma rotina, bom engenheira, virginiana tem aquela rotina (risos)... é rotina, um negócio metódico, mas é o que funciona. Então quando eu vim trabalhar aqui eu estipulei para mim a minha rotina de mãe e a minha rotina de trabalho.
Quando eu estou no trabalho, eu estou 100% dedicada. Quando eu estou na minha rotina de mãe, estou 100% dedicada. Então sou eu que acordo com meu filho, sou eu que dou café, sou eu que dou almoço, sou eu que coloco janta, ponho para dormir, então eu quero ser mãe.
Depois que ele dormir eu vou fazer minhas outras atividades, mas eu preciso dedicar esse meu tempo a ele, então dá para conciliar? Dá! Dá um frio na barriga? Também dá um frio na barriga.
Eu tenho um perfil que eu nunca fui muito de buscar aprovação nas outras pessoas. E eu sempre pensei em que mãe eu queria ser para o meu filho.
Acho que isso é o que mais importa. Eu quero que o meu filho saiba que eu sou a mãe dele e que eu cuido dele, mas que eu também sou uma mãe que trabalha.
Ele adora vir aqui para o trabalho, senta aqui com os negocinhos que temos aqui… então o colégio dele é sempre perto, entre trabalho e casa para que eu consiga levar e buscar e toda a rotina é montada em cima do que tem de disponibilidade, então eu tento organizar.
Estava em um evento e uma moça me disse: “eu não sei se vou conciliar a minha carreira profissional com filho”.
E eu falei que com bastante organização, consegue. E contei um pouco da minha história para ela e ela disse que se sentiu confortável porque eu tinha conseguido arrumar tempo para tudo e acho que ninguém é perfeito nesta vida, todas as mães são perfeitas imperfeitamente, cada uma tem o seu jeito, sua forma de criar, de cuidar.
Eu tenho fotos do meu filho aqui do lado, bate aquela saudade quando tem viagem, aquela insegurança, medo a gente tem, mas acho que as duas coisas precisam andar juntas: o profissional e o pessoal.
Eu falo que maternidade para mim é rotina. Você tem que ter rotina com a criança, deixar tudo previsível para a criança que fica tudo mais fácil.
Ainda dentro desse assunto, como é que essa questão da maternidade é vista dentro do setor portuário? Você acredita que esse fator um diferenciador entre homens e mulheres na disputa por um cargo de liderança nessa área?
Infelizmente existe, sim, uma diferenciação. Não só no setor portuário, mas em todos. Tem uma campanha agora que várias mulheres estão fazendo que é colocar o filho no currículo.
A gente coloca ali a fase que se dedicou ao filho, dizer que a gente tem filho, porque todo mundo pergunta para a mulher com quem vai ficar o filho quando ela vai trabalhar, mas ninguém pergunta isso ao homem.
Então a gente já vê uma discriminação aí. Na entrevista de emprego ninguém pergunta ao homem quantos filhos ele tem, com quem fica, se está na creche, se está com a sogra ou com a mãe, mas isso é pergunta frequente nas entrevistas com mulheres, independente do setor.
E no setor portuário não é diferente, acho que a diferença que eu posso fazer é que, quando eu faço entrevista, eu pergunto também para as mulheres, mas pergunto porque no dia que a criança estiver passando mal, que estiver com febre, eu vou dar todo o meu apoio para aquela mãe ficar do lado da criança.
Então é uma coisa minha que eu quero saber para auxiliar no momento que for preciso e não por uma questão de discriminação, mas infelizmente no mercado em geral não tem isso.
É mais difícil para a mulher viajar quando ela tem filho? Às vezes é, às vezes não é. Às vezes tem o marido, uma sogra, uma mãe que dá suporte e consegue proporcionar isso para ela, mas infelizmente tem, sim, e não é pouco.
Mas eu sou adepta desse movimento de colocar o filho no currículo e mostrar que a gente é capaz de tocar as duas vidas integralmente e sem nenhuma dificuldade.
Eu queria que você falasse um pouco sobre o que você vislumbra para o setor portuário, principalmente quando a gente fala da participação das mulheres nesse setor e do mercado em geral, quando a gente fala dos cargos de liderança. Como é o futuro que você visualiza?
Eu vejo um futuro muito promissor para as mulheres e para os homens. Principalmente porque a gente tem agora vários cursos.
Com a questão da pandemia, a globalização da qual a gente falou tanto está muito na nossa cara e na nossa porta, bem mais acessível.
Então, hoje, uma palestra que você teria dificuldade de assistir porque acontece lá no Sul do Brasil, é possível ver online.
Então o alcance é muito maior. Eu participo de alguns grupos femininos que incentivam outras mulheres a crescerem e se desenvolverem, então eu vejo com muita positividade que as mulheres estão acreditando mais em si, mais independente e engajadas em fazer acontecer, se inspirando em outras mulheres, querendo o bem para seus filhos, querendo que seus filhos cresçam e se desenvolvam, então acho que cada vez mais vamos encontrar a igualdade entre homens e mulheres.
Não vai ser fácil, como nenhum crescimento é fácil, todo crescimento gera desconforto, mas a gente precisa crescer e desenvolver.
Eu vejo o setor portuário como um setor que tem todo o potencial de crescimento. Hoje o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, independente de qual área ele é responsável aí pelo setor portuário no Brasil, tem incentivado o crescimento do setor público e do privado.
As pessoas precisam conhecer o que é que o porto faz. Há 10 anos, mal se sabia o que era que se movimentava no porto, achavam que era um lugar de parar navio, descarregar carga, então precisamos disseminar isso dentro das comunidades.
É importante que as pessoas conheçam que 96% do PIB do Brasil passa pelos portos. Não é possível que as pessoas não conheçam isso.
Eu já vi uma evolução ao longo desses 11 anos de carreira nos portos, mas eu acho que a gente precisa crescer e desenvolver isso muito mais. Da mesma forma que foi mostrado que o “agro é pop” na televisão, a gente precisa mostrar que os portos fazem a economia do Brasil girar.
A partir do momento em que as pessoas tiverem mais consciência disso, elas vão querer entrar nesse mercado de trabalho também.