Ser mulher no futebol, ser presidente de um clube de futebol. Nas quatro divisões do Brasileiro, apenas duas mulheres presidem: Luiza Estevão, uma jovem de 24 anos à frente do Brasiliense, eliminado em setembro da competição nacional; e a cearense Maria Vieira, 45, a mulher que ascendeu o Atlético Cearense à Série C para 2022. Se de um lado temos Luiza, ainda muito jovem, com uma missão desafiadora, do outro temos a experiência (e a calma) de Maria, que recebeu o convite de ser presidente em 2018 e hoje colhe os frutos do trabalho.
Para fortalecer a luta das mulheres, fomentar a valorização e reconhecimento de suas conquistas e, principalmente, da preservação de suas vidas, o Sistema Verdes Mares deu início, neste mês de outubro, ao "Projeto Elas", que atuará como agente transformador da realidade de várias mulheres cearenses, com o objetivo de construir um Ceará mais igualitário e seguro.
O projeto busca refletir, discutir, informar e, acima de tudo, combater essa realidade. Através de seus veículos de comunicação, o SVM vem discutindo temas como desigualdade de gênero, desafios do mercado de trabalho, empoderamento, conquistas femininas e também dará voz a relatos da vida real, dentro de uma programação que segue até dezembro.
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Durante esses quatro anos na presidência, Maria teve que assumir a função de “general”, a moral necessária para se ter o respeito adequado em determinadas situações. Infelizmente, ainda é comum o machismo no futebol, mas Maria Vieira tem uma estratégia. Antes de contratar profissionais para trabalhar no Atlético Cearense, ela faz a principal pergunta: “você aceita ser comandado por uma mulher?”.
O questionamento reflete a resistência que ainda é comum, quando uma mulher tem um cargo de gestão no futebol. Aceitar esse desafio é sinônimo de quebrar barreiras. Se as dificuldades para os homens são normais na administração de um clube, para as mulheres os problemas ganham maior proporção. Situações difíceis que, em alguns momentos, faziam Maria se perguntar: “porque tá acontecendo comigo?” Ela não desistiu. Superou as dificuldades e logo no primeiro ano de gestão conquistou uma campanha histórica, levando a Águia da Precabura a uma semifinal do Cearense. Reforçando os valores do clube, de formação de atletas, a “mãezona” deu apoio aos garotos que enfrentaram o Ceará de cabeça erguida. A vaga para a final não veio, mas Maria percebeu a força de sua equipe.
Se os desafios eram diários, com a pandemia o cenário ficou mais delicado. Como manter uma equipe (maioria garotos) sem calendário de jogos, sem patrocínios de empresas?
O ex-atleta Ari, também investidor do clube, reforçou o apoio, mas o trabalho diário em um momento incerto partiu da própria gestora, que teve o “olhar de uma mãe com o filho”, quando aproveitou o período para cuidar da casa, estruturou o centro de treinamento no bairro Lagoa Redonda e deu atenção maior aos jovens atletas. Agiu mesmo como uma mãe no cuidado com os filhos.
Alguém duvidaria que todo esse amor, dedicação não poderiam resultar em algo bom? Qual mãe não quer ver os filhos felizes? Com Maria não foi diferente. No ano de 2021, ainda ultrapassando as dificuldades recorrentes de uma pandemia, ela conseguiu arrancar o sorriso e a esperança dos atletas após a conquista de acesso. O Atlético Cearense, com uma folha salarial de menos de 100 mil reais, garantiu uma vaga inédita na Série C em 2022, um trabalho resumido em sete vitórias (quatro em casa e três fora), sete empates (quatro como mandante e três como visitante) e seis derrotas (duas em seus domínios e quatro fora), além de 27 gols a favor e 24 tentos tomados. Números que representam a dedicação dos atletas e a persistência de uma mulher na presidência de um clube.
O Atlético-CE enfrenta o Campinense neste sábado (23), às 15 horas, no primeiro jogo da semifinal da Série D do Brasileiro. A partida acontece no Domingão, em Horizonte. O jogo de volta será no Estádio Amigão no dia 31 deste mês, às 16 horas.
A CBF foi criada em setembro de 1979 e apenas em 2020 foi criado um departamento exclusivo para o desenvolvimento do futebol feminino. A ex-capitã da seleção feminina Aline Pellegrino foi contratada como coordenadora de competições femininas, e Eduarda Luizelli, como coordenadora das seleções brasileiras femininas.