Quais os possíveis impactos com aumento de ICMS para compras na Shopee, Shein e AliExpress?

Imposto estadual deve ter alta nas transações realizadas do exterior para o Brasil

Escrito por Luciano Rodrigues , luciano.rodrigues@svm.com.br
Shein
Legenda: Shein é uma das empresas que pode ser afetada com o possível aumento do ICMS no Brasil
Foto: Shutterstock

O possível aumento da alíquota do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para compras em sites internacionais de e-commerce, como AliExpress, Shein e Shopee, pode acarretar diversos impactos para os consumidores e para a economia. Neste contexto, o Governo do Ceará defende elevação do imposto de 17% para 25%. 

Veja também

Fabrízio Gomes, secretário da Fazenda do Ceará (Sefaz) revelou, em entrevista ao Diário do Nordeste, que o assunto é trabalhado no Comitê Nacional de Secretários de Fazenda, Finanças, Receita ou Tributação dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz). Atualmente, o ICMS que incide nesses produtos é de 17%, em alíquota fixa em todas as unidades federativas do País. O Ceará não tem o poder de sozinho mudar a alíquota de ICMS para as compras internacionais. 

O reajuste proposto pelos estados passaria a incidir inclusive sobre as compras até US$ 50 (cerca de R$ 250 na cotação atual), que não são taxadas com tributos federais, desde que a empresa estrangeira esteja inscrita no programa Remessa Conforme, do Governo Federal.

Na semana passada, o governador do Ceará, Elmano de Freitas, declarou que "não pode o Brasil cobrar imposto de quem emprega e gera economia aqui e não cobrar daquilo que vem de fora".

Para especialistas, a medida de fato traz certa proteção para o mercado local, pois os deixa mais competitivos frente à concorrência das empresas internacionais, mas cria um cenário de certo desequilíbrio na relação custo-benefício, podendo gerar mudanças significativas no modo de compra dos consumidores.

Quais os efeitos do aumento de ICMS?

"Acredita-se que quanto maior a alíquota tributária, maior é a desistência do consumidor pelo produto tributado, o que também faria o governo perder receitas dada uma quantidade menor de produtos vendidos", pondera Joseph Vasconcelos, doutor em economia e professor de Administração e Ciências Contábeis da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Segundo Schubert Machado, presidente do Instituto Cearense de Estudos Tributários (Icet), o pagamento de impostos já é uma questão problemática no Brasil, e um aumento em uma taxa como o ICMS, que pode atingir 25% do valor do produto, vai levar os consumidores a buscarem outras alternativas.

Quando o tributo começa a ficar mais caro, induz praticamente o contribuinte a encontrar o caminho de não pagar, que na maioria das vezes é um caminho pelas vias ilegais. Pode-se aumentar a arrecadação aumentando as alíquotas, mas chega em um ponto que a alíquota fica tão alta que não adianta aumentar porque vai é cair a arrecadação porque ninguém paga mais.
Schubert Machado
Presidente do Icet

O especialista também ressalta que a medida nem é certa, nem errada, e é preciso analisar os diferentes pontos de vista envolvidos: consumidores, comerciantes e Governo Federal, por exemplo.

"Imagine que a indústria e comércio local estão sofrendo uma concorrência, mesmo que a gente não considere desigual, mas uma concorrência muito acirrada com a indústria asiática, por exemplo, (a alta do ICMS) pode estar protegendo a indústria brasileira, mas se for encarado do ponto de vista do consumidor, vai aumentar preço. Se você encarar do ponto de vista do comerciante brasileiro, pode estar protegendo para poder permitir que ele venda pelo preço que ele vende", pontua. 

Possível alta da sonegação

Mesmo com a tributação para as compras até US$ 50, os consumidores brasileiros têm buscado meios — ainda que legais — de evitar a pressão dos impostos federais. A alternativa encontrada, segundo Gustavo Fossati, professor da FGV Direito Rio, é fazer mais transações usando o valor como teto.

"Sempre existe esse risco de quando há um aumento desproporcional de tributação, aumenta o risco de sonegação", dispara.

Fossati também pontua que os consumidores podem acabar adotando vias alternativas, escolhendo caminhos já reconhecidos como problemas crônicos no comércio brasileiro, como a pirataria.

"Os consumidores, se continuarem optando por comprarem dessas empresas, desses canais de e-commerce, terão um impacto maior, ainda mais quando a gente considera a população de renda mais baixa. Isso pode, eventualmente, induzir essa população a buscar outras alternativas, como a pirataria, ou buscar adquirir o mesmo produto que ela adquire de fornecedores via mercado alternativo", analisa.

"Quando a gente fala tecnicamente de ICMS, ele é um imposto repassado no preço do produto. O consumidor, ao comprar esse produto, ele está diretamente suportando esse ônus financeiro no preço. Isso dói mais no bolso desse consumidor", completa o professor.

Comércio de rua
Legenda: Comércio de rua, representado pelos vendedores ambulantes, pode voltar a crescer com aumento dos impostos para compras internacionais
Foto: Honório Barbosa/Diário do Nordeste

Embora o projeto do Comsefaz seja em cima da taxação de compras estrangeiras, Gustavo Fossati acredita que até mesmo empresas brasileiras possam ser afetadas sob o risco de inadimplência.

"Empresas brasileiras muitas vezes têm que lançar a mão dessa estratégia de sonegar ou deixar de pagar o imposto devido, o que a gente chama de inadimplência, muitas vezes como uma forma de sobreviver. O empresário começa a gerar uma dívida tributária que depois vai aderir a um parcelamento tributário, a um Refis, e vai resolver o problema dele", considera.

Eficácia limitada

O professor dos cursos de Administração, Contabilidade e Direito da Universidade de Fortaleza (Unifor), Elisberg Bessa, determina que somente o aumento da tributação no Brasil para evitar a concorrência de empresas como Shein e Shopee "não garante resultado econômico desejado" justamente por induzir o consumidor a buscar outras alternativas que melhor atendam ao custo-benefício.

"Tal medida é também fonte de motivação para contribuintes buscarem meios alternativos, por vezes, ilegais. Medidas complementares devem ser realizadas, tais como incremento de fiscalização e, principalmente, geração de melhores condições de infraestrutura e tecnologia para competitividade, inclusive de preço, do mercado nacional", diz.

Legenda: A Shopee tem no Ceará o segundo maior número de vendedores do Nordeste
Foto: Shutterstock

Apesar de considerar que há um "tratamento tributário diferenciado" para compras em sites internacionais que pode gerar "concorrência desleal" com os comerciantes locais, Elisberg Bessa defende que é preciso pensar em ações complementares para garantir que a alta prevista do ICMS seja efetiva.

(O aumento da alíquota) pode ser uma medida que vise esta consolidação, porém com efeito limitado e não garantido, especialmente, se não vier acompanhada com outras ações de apoio aos empreendedores nacionais, especialmente, no campo da produção/comercialização facilitada pelas novas tecnologias.
Elisberg Bessa
Professor dos cursos de Administração, Contabilidade e Direito da Unifor

Altos custos no Brasil

A afirmação é endossada por Schubert Machado, que acredita que o "Custo Brasil" dos produtos comercializados no País ou vindos do exterior já pressiona tanto o preço dos itens, sendo necessário mudanças estruturais, principalmente relacionadas à infraestrutura logística nacional.

"Um comerciante tem muitas dificuldades, inclusive de ordem burocrática para cumprir exigências do estado, superar dificuldades de transporte, uma porção de coisas que no Brasil é mais caro. Tudo isso se reflete no preço. O tributo entra como talvez um fator de tentativa de equilíbrio disso, mas é um equilíbrio que a gente precisa ter cuidado, porque às vezes vai dar mais recursos para a máquina estatal que não está cumprindo as obrigações", arremata o presidente do Icet.

O professor da UFRJ argumenta que, apesar da pressão nas alíquotas, as empresas de e-commerce deve buscar "novas estratégias" visando manter a boa lucratividade do mercado brasileiro.

"Aqui é grande e bastante rentável para 'abrir mão' tão facilmente. A Shein chegou a cogitar abertura de fábricas de produtos no Brasil na tentativa de se livrar dos impostos de importação, no entanto, resta saber se a tributação interna sobre a produção e a mão de obra não irão tirar a sua competitividade", conclui. 

Newsletter

Escolha suas newsletters favoritas e mantenha-se informado
Este conteúdo é útil para você?
Assuntos Relacionados