Em terra de cegos, a China de Xi Jinping vê com dois olhos

Os arroubos de Donald Trump não assustam os chineses, cujo líder, sendo bissexto na fala, é ágil e forte na resposta

Escrito por
Egídio Serpa egidio.serpa@svm.com.br
(Atualizado às 07:24)
Legenda: Donald Trump e Xi Jinping -- dois estilos diferentes de governar. O chinês é hoje o grande estadista da cena mundial
Foto: AFP

Faltam estadistas para governar este mundo, hoje mergulhado na incerteza que provocam as equivocadas e voláteis decisões do presidente de sua maior potência econômica e bélica, os Estados Unidos da América. Donald Trump, com todo o respeito a quem pensa o contrário, parece um tresloucado que fala pelos cotovelos, age por impulso, aparentemente não consulta seus principais assessores a respeito do que pretende fazer e, pior, anuncia decisões por meio de sua rede Truth Social, desprezando os comunicados oficiais da Casa Branca.

Resultado: comportando-se assim, ele pôs a economia mundial de cabeça para baixo. Com o agravante de que ninguém sabe quais são seus planos. Nem sua bela e jovem mulher Melania.

Para além de criar problemas com tradicionais aliados dos EUA –  Reino Unido, França, Alemanha, Itália, Japão, Austrália – impondo-lhes tarifas sobre produtos importados por empresas norte-americanas – Trump tumultua, também, o esforço pela paz na Ucrânia, há mais de três anos invadida pela Rússia, que ocupa mais de um terço do seu rico território.

Depois de humilhar o presidente ucraniano Volodomir Zelensky, em cena patética transmitida ao vivo pela televisão, o mercurial chefe do governo dos EUA propôs à Rússia um acordo que tem sido rejeitado pelo ditador Vladimir Putin, no poder há 25 anos e com perspectiva de governar enquanto viver. Tanto Trump quanto Putin têm algo em comum: ambos estão de olho na butique das terras raras da Ucrânia.

O que se passou nesta semana nos mercados financeiros dos cinco continentes é algo de deixar muito preocupados não só os investidores, mas também os que têm a responsabilidade de governar. O que fazer diante da imprevisibilidade das decisões de Donald Trump, que só produzem um vai-e-vem de incertezas? De tudo o que não gostam os mercados, a incerteza está em primeiro lugar. Assim, a conclusão a que facilmente se chega é esta: os EUA e o resto do mundo carecem de estadistas.

O último estadista norte-americano foi Ronald Reagan, que governou o país de 1981 a 1988. Seus sucessores não tiveram o mesmo brilho, a mesma competência, e um deles, Richard Nixon, foi alijado do poder por impeachment. No Reino Unido, Margaret Thatcher, que governou de 1979 a 1990. Na França, Charles De Gaulle. Na Alemanha, Helmut Kohl, chanceler de 1990 a 1998, sob cujo governo caiu o muro de Berlim. Na Rússia, Gorbachev, que foi o último ditador da União Soviética, de 1985 a 1991, implantando as reformas glasnost (liberalização do regime) e a perestroika (reconstrução da economia). O ditador de hoje é Putin. Na China, Deng Xiaoping, que fez as reformas econômicas.

Hoje, o Ocidente paga caro pela ausência de estadistas, e por esta razão a figura que surge nessa cena vem do extremo Oriente – outro chinês, Xi Jinping, que governa a China desde 2013 com mão de ferro e que parece ter as virtudes confucionistas (de Confúcio, pai da educação na China e criador de uma 'religião da ética', de acordo com o Google), entre as quais se sobressaem esta: “Rituais, etiqueta e normas de conduta para promover o respeito mútuo e a harmonia nas relações.” Xi é bissexto na fala e, ao contrário do seu tagarela homônimo norte-americano, é ágil, firme e forte na resposta.

Numa terra de cegos, a China e os chineses estão enxergando com os dois olhos.

Estadistas fazem a diferença, inclusive no Brasil. O médico mineiro Juscelino Kubitschek, o último estadista brasileiro, foi magnânimo ao, como presidente, anistiar os que se rebelaram contra seu governo em 1956.

Quando se vê e quando se analisa o cenário atual da política mundial, surpreende a ausência de grandes líderes – afora Xi Jiping – aqueles homens e mulheres que, pensando à frente do seu tempo, marcaram uma espécie de antes e depois do que disseram e fizeram.

Candidatos ao governo de um país – grande ou pequeno – deveriam submeter-se, antes da posse e até mesmo antes da oficialização da candidatura, a um exame psicológico ou psiquiátrico, pois é de suas decisões que dependem o presente e o futuro do seu povo. Essa simples iniciativa sanitária evitaria graves constrangimentos, como os de agora.

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