Preço do frete no Porto do Pecém sobe até 50% com seca no Canal do Panamá e ataques no Mar Vermelho

Fatores internacionais prejudicam logística de parceiros comerciais do Brasil e transporte marítimo de cargas

Escrito por Luciano Rodrigues , luciano.rodrigues@svm.com.br
Porto do Pecém
Legenda: Porto do Pecém teve movimentação recorde no fim de 2023, mas com frete mais caro
Foto: Ismael Soares

Está cada vez mais caro passar pelo Porto do Pecém, e as causas estão relacionadas com a seca no Canal do Panamá, na América Central, e os conflitos na região do Canal de Suez, no Oriente Médio.

Os dois eventos, embora sem relação entre si, afetam a logística global desde o fim de 2023. Os canais fazem a interligação entre os principais portos do mundo, conectam oceanos e mares, e são essenciais para o transporte de cargas em todos os continentes.

Especialistas ouvidos pelo Diário do Nordeste concordam que esses eventos, em maior ou menor escala, impactam negativamente nas cargas marítimas que chegam ao Porto do Pecém, principalmente no preço do frete.

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Para o CEO da JM Negócios Internacionais, Augusto Fernandes, logo na virada do ano, o custo das mercadorias que chegam ao Ceará já subiram até 50%. Consequentemente, isso deve ser repassado ao consumidor nos valores finais das mercadorias. 

O frete já está mais caro. A partir do começo de 2024, houve a alteração nos fretes. O aumento é direto, as companhias marítimas, donas de navios, quando elas somam crise no Mar Vermelho, seca no Canal do Panamá e feriado chinês, os fretes, de alguma forma, já aumentaram, a depender da origem, de 25% a 50%. 
Augusto Fernandes
CEO da JM Negócios Internacionais

A situação contrasta com os bons resultados de 2023. Em dezembro, o porto registou o melhor resultado mensal da história, segundo dados divulgados pelo próprio complexo. A movimentação do local foi 56.906 contêineres de 20 pés (TEUs) — unidade de medida padrão para cargas portuárias.

El Niño determinante

Não é só no Brasil que os efeitos da seca causada por um dos El Niño mais fortes dos últimos anos afetam a economia. O fenômeno atingiu o canal do Panamá, como normalmente acontece em períodos de estiagem, mas em 2023, a situação ficou mais severa.

O canal do Panamá é uma passagem artificial construída no início do século XX que conecta os oceanos Pacífico e Atlântico, encurtando as distâncias. Para corrigir o desnível entre os dois, foi necessário construir um sistema de eclusas, espécie de elevadores que sobem ou descem para o deslocamento das embarcações. Boa parte da água doce que abastece o complexo vem dos lagos Alajuela e Gatún, o que está aumentando o problema.

Seca no Canal do Panamá
Legenda: Seca no Canal do Panamá mostra mais severidade e complica navegação entre oceanos Pacífico e Atlântico
Foto: Luis Acosta/AFP

De acordo com advogado especialista em logística, direito marítimo e agronegócios, Larry Carvalho, a seca reduziu em 60% a capacidade dos lagos, que fornecem cada vez menos água doce, restringindo a passagem de embarcações e, consequentemente, de mercadorias.

"Tem muita perda de água quando abrem as comportas das eclusas para o navio entrar no mar, e exatamente pelo fato de a região estar com uma seca muito grande, reduziu sua capacidade. (…) O grande problema do Canal do Panamá hoje é a dependência deles por água da lagoa e água exatamente para ter a navegação do navio e poder fazer essa abertura de comportas para o mar", esclarece.

A restrição no canal faz com que o número de embarcações que se desloquem entre os oceanos chegue a no máximo 24 diariamente. Em outros momentos de seca, Larry Carvalho afirma que 36 navios passavam entre o Pacífico e o Atlântico por dia.

Isso impacta diretamente porque deixa as viagens mais longas. Tem opções: ou senta e espera, ou paga uma tarifa de bônus para ter preferência, como já aconteceu, ou faz uma rota mais longa. De qualquer forma, impacta no custo operacional, e o reflexo disso obviamente é no valor de frete. O canal do Panamá está recebendo US$ 100 milhões a menos desde o mês de outubro só de tarifas de navios que deixam de passar por lá.
Larry Carvalho
Advogado especialista em logística, direito marítimo e agronegócios

Uma das saídas adotadas é contornar o Cabo Horn, no extremo sul do continente americano, aumentando consideravelmente o tempo de viagem. Outro mecanismo é utilizar outros modais de transporte, como aviões, caminhões e trens, disparando o preço do frete.

"Alguma carga que estiver vindo das Américas, principalmente da costa oeste, podem atrasar dez ou mais dias. Com a seca do lago que abastece o canal do Panamá, os navios de grande porte não conseguem dar vazão e passar. As companhias marítimas descarregam os contêineres antes, passam via ferroviária ou via terrestre e depois carrega novamente para poder passar", explica o CEO da JM Negócios Internacionais.

Conflitos no Mar Vermelho

Augusto Fernandes diz que o impacto no Porto do Pecém da seca nos lagos que abastecem o canal do Panamá só não é pior pelo fato de as principais cargas que chegam ao Ceará terem como origem o mercado asiático, principalmente a China.

"Nosso movimento da América, vindo da costa oeste, não é tão significativo quanto vindo da China. O primeiro parceiro comercial do Brasil é a China, e o segundo é os Estados Unidos, mas em se tratando de Ceará, o nosso impacto não é tão grande na importação. Se a gente estivesse em momentos de safra de fruta, poderia impactar a exportação", observa.

O conflito no Mar Vermelho eclodiu em outubro a partir de ataques de houthis, grupo militar e político com base no Iêmen, no Oriente Médio, no caminho da principal rota marítima entre portos do mundo: o Canal de Suez. 

A justificativa usada pelo grupo é de guerra contra o Ocidente e Israel, que está em guerra contra o grupo extremista Hamas, da Faixa de Gaza. No Mar Vermelho, os houthis têm atacado navios de mercadorias e demais cargas, como combustíveis, prejudicando a logística mundial.

A situação em Suez leva as embarcações a desviarem a rota pelo Canal da Boa Esperança, no sul da África, em caminho marítimo que estende a distância entre a Ásia e a Europa, além de atrasar a janela de atracações.

"O impacto é global e é em cadeia, em cascata. Com o conflito no Mar Vermelho, você tende a zero navios navegando pelo canal. Tivemos ainda vários agravantes. Aumentou 4 mil milhas náuticas a comunicação entre Europa, no Porto de Roterdã, parceiro do Pecém, e a Ásia, nos portos de Singapura e Xangai. Estes dois são os que têm linha direta para a Europa, através do canal de Suez. Vai ter que descer tudo pela África para depois subir novamente", aponta Augusto Fernandes.

Já tem exportador chinês reclamando porque os custos elevaram. Tem empresário chinês que importa carro da Europa e exporta carro para a África, tanto partes quanto peças. Isso já impactou o custo. O Secretário de Desenvolvimento da Economia da China pediu o cessar-fogo porque já está sofrendo a pressão dos empresários chineses, e isso impacta direto. Um espirro da China, gripe no mundo todo. 
Augusto Fernandes
Sobre o conflito no Mar Vermelho

Ataques houthis no Mar Vermelho
Legenda: Ataques houthis no Mar Vermelho estão afetando a logística global de mercadorias
Foto: Houthi Military Media/Frame AFP

Contêineres mais caros

O preço do TEU, conforme Larry Carvalho, mais do que dobrou em cerca de nove meses, saindo de US$ 1,3 mil para US$ 3 mil em média no mercado marítimo global, impactando diretamente no preço de itens do cotidiano dos brasileiros.

"Esses bens do dia a dia, importados da China, bazar, cama e banho, itens de cozinha, de plástico, vidro, todos eles vão ter impacto significativo, porque o frete marítimo dobrou em menos de um mês. O grande problema que já se fala é os impactos que esse movimento de aumento de preço de produto importado vai ter nos índices utilizados como referência para a inflação. A expectativa é que o aumento do frete que vai impactar o aumento do preço dos produtos importados resulte no aumento de inflação globalmente", analisa.

No caso do Ceará, o advogado especialista em direito marítimo acredita que é inevitável o aumento do preço do frete em virtude da logística internacional que traz os produtos da Ásia. Para as cargas virem do continente asiático para o Estado, elas precisam passar em um entreposto, geralmente na Europa.

"Os produtos que vêm da Ásia para cá obrigatoriamente passavam pelo canal de Suez, porque fazem a rota Ásia-Europa para depois descer aqui para o Nordeste para vir para o Ceará. Como a maioria dos armadores de contêineres suspenderam a viagem pelo canal de Suez, está passando pelo sul da África, aumentando em dez dias e o frete sobe. Então, consequentemente, as mercadorias que chegam no Porto do Pecém vão demorar mais a chegar, e com o custo de frete mais elevado", classifica Larry Carvalho.

 

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