Por que os supermercados do Ceará tiveram um boom e faturaram bilhões em 2024?
Maiores redes registraram faturamento de R$ 12,3 bilhões no ano passado

O Ceará detém 51 dos maiores supermercados do País. Em 2024, esses negócios registraram um faturamento total superior a R$ 12,3 bilhões, segundo a Associação Brasileira de Supermercados (Abras). A lista tem 1.017 varejistas.
Esse montante representa aproximadamente 6% do Produto Interno Bruto (PIB) estadual no ano anterior. Essa expansão do setor supermercadista é um fenômeno de mercado bem conhecido pelos cearenses, os quais recentemente testemunharam a proliferação de farmácias em cada esquina.
No caso específico do segmento supermercadista, a melhoria da renda da população puxou o consumo, ao passo que grandes players identificaram um ambiente de negócios favorável no Ceará, resultando nesse crescimento.
Nesse contexto, especialistas apontam diversos fatores que impulsionaram a abertura e expansão de supermercados no estado. Leia abaixo para entender as razões por trás desse movimento.
Expansão da renda e chegada de grandes players
O economista e professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), Érico Veras, acredita que o segmento dos supermercados está amplamente ligado ao consumo das famílias.
“De acordo com dados do IBGE, o crescimento do consumo das famílias em 2024 foi de 4,8%, o maior desde 2011. Entre os motivos, apontam-se a melhora do mercado de trabalho, ou seja, a diminuição do desemprego, os programas governamentais de transferência de renda, o reajuste do salário mínimo e a expansão da renda", avalia.
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“Se a gente olhar para o Nordeste, ele recebe um valor expressivo dos programas sociais e boa parte do consumo da população de mais baixa renda vai para o setor da alimentação. Então, esse crescimento é fruto da expansão da renda, principalmente no Nordeste, e, olhando mais atentamente, as classes mais pobres tendem a consumir mais”, completa.
Veras acrescenta que o setor supermercadista apresenta uma concentração no topo, com as três maiores empresas faturando cerca de R$ 1 bilhão cada. Contudo, observa-se uma grande disparidade a partir da quarta colocada.
Destaca-se o empate técnico entre as duas líderes, São Luís e Cometa, enquanto a terceira colocada se distancia com uma diferença de aproximadamente R$ 500 milhões.
Para ele, a estratégia de crescimento do São Luís, impulsionada pela expansão de suas operações do Mercadão, contribui para essa dinâmica competitiva, influenciada tanto pelo cenário macroeconômico quanto pelas estratégias empresariais ao longo dos anos.
Veras pondera, contudo, a dimensão do mercado cearense em relação ao nacional. “O primeiro lugar da Abras é de R$ 120,5 bilhões, e o segundo, de R$ 80,5 bilhões. Isso representa quase 100 vezes o tamanho da nossa maior operação no Estado, algo em torno de 90 vezes. Portanto, as diferenças entre os primeiros colocados são grandes. Até no próprio cenário nacional, a diferença do primeiro para o quarto é praticamente de quatro vezes”, aponta.
“O Grupo Pão de Açúcar, como se separou do Assaí, é um sexto do Grupo Carrefour. Portanto, nós temos grandes diferenças. O maior supermercado do Estado é praticamente 70 a 80 vezes menor do que o primeiro colocado (no País)”, enfatiza.
Combinação de fatores históricos somada à modernização
Cláudia Buhamra, professora da UFC e doutora em Administração, atribui o sucesso do setor supermercadista cearense a uma combinação de fatores históricos e socioeconômicos. São eles:
- Imigração libanesa nos séculos XIX e XX, a qual trouxe famílias com forte vocação empreendedora;
- Escassez de recursos locais, a qual incentivou a busca por soluções inovadoras;
- E o movimento cooperativista, fortaleceu a união e o crescimento das empresas do segmento.
“A escassez fazia com que os comerciantes locais, seja na capital ou no interior, encontrassem saídas alternativas, saídas caseiras, para dispor de produtos de qualidade. Isso era ainda auxiliado pela proximidade do porto. Então, é claro que tínhamos os pequenos comerciantes e os grandes comerciantes, que compravam e distribuíam para os pequenos comerciantes locais, e muitos desses comerciantes cresceram”, observa.
“Como o São Luiz, que começou com seu João Mello, do Pinheiro, que começou com Honório, e assim por diante, com nomes que a gente tem hoje como Frangolândia e Cometa. Todos são comerciantes locais que começaram muito pequenos, que têm uma história de crescimento muito grande, mas, nos primórdios, eram pequenos”, complementa.
Por último, acrescenta, está o associativismo. “Há muitos anos, inclusive tendo à frente o Severino Neto do Mercadinho São Luiz, ele deu origem à super rede, um movimento cooperativista de compra que deu a muitos supermercadistas, inclusive ao próprio São Luiz, uma alavancagem espetacular no seu comércio”, recorda.
Além disso, Cláudia Buhamra explica que o varejo supermercadista atual se transformou em um centro de serviços e experiências, puxado pela gourmetização, pela diversificação do mix de produtos e pela priorização da conveniência do consumidor.
A oferta de vinhos é um exemplo dessa evolução, com a presença de especialistas como enólogos, a realização de degustações e informações detalhadas sobre os produtos.
Organização, ambiência e espírito associativo
Antônio Sales, secretário executivo da Associação Cearense de Supermercados (Acesu), considera que o sucesso desse tipo e varejo local está ligado à organização e à mobilização dos varejistas, além da ambiência.
"Diferentemente de outras regiões onde as grandes redes nacionais ocupam espaço predominante, aqui temos marcas locais consolidadas e práticas colaborativas muito eficazes", avalia.
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"Um exemplo disso são as centrais de negócios/redes de compras formadas por supermercados de diferentes portes, que se unem para potencializar o poder de negociação, compartilhar conhecimento e elevar o nível de gestão e operação do setor como um todo. Esse espírito associativo é um diferencial que fortalece o segmento supermercadista cearense”, reforça.
Para ele, o ambiente no Ceará é extremamente favorável ao crescimento. “Temos empresários atentos às tendências nacionais, com visão estratégica e foco em inovação. As lojas estão cada vez mais modernas, com equipamentos de ponta e padrões que servem de referência para o restante do país. Isso demonstra o preparo e a maturidade do varejo local, que avança com qualidade e eficiência”, analisa.
Segundo Sales, a tendência é de crescimento contínuo, com inauguração de lojas no Ceará ao longo de 2025, tanto na Capital quanto no Interior.
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