Por que Ceará e Paraíba ficaram de fora do plano de concessões da BR-116?

Trecho que entrecorta o Ceará e a Paraíba não consta nos estudos do Ministério dos Transportes.

Escrito por
Luciano Rodrigues luciano.rodrigues@svm.com.br
Foto que contém fluxo de veículos em trecho do Ceará da BR-116.
Legenda: BR-116 será concedida em praticamente todos os estados do Brasil, exceto no Ceará e na Paraíba.
Foto: Thiago Gadelha.

O Ceará e a Paraíba são os únicos, entre os 10 estados brasileiros por onde passa a BR-116, que ficaram de fora das concessões para a iniciativa privada previstas para trechos da rodovia na Carteira de Projetos 2026 do Ministério dos Transportes

A BR-116 é a maior rodovia do Brasil, com mais de 4,6 mil quilômetros (km) de extensão. Ela liga Fortaleza (CE) a Jaguarão (RS), na fronteira com o Uruguai. Vários desses trechos, sobretudo no Sudeste e Sul brasileiros, já estão sob concessão, como a Rodovia Régis Bittencourt (que interliga São Paulo a Curitiba).

No novo projeto do ministério, 14 trechos rodoviários de diferentes rodovias devem ser concedidos ou ter os contratos vigentes otimizados. Vários deles compreendem trechos da BR-116 nos demais estados por onde ela passa: Pernambuco, Bahia, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

Imagem de um infográfico com dados dos últimos anos.
Legenda: A Indústria Criativa no Brasil representa 3,59% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional, totalizando R$ 393,3 bilhões em 2023.
Foto: Reprodução Firjan / Mapeamento da Indústria Criativa 2025.

No caso da BR-116, isso inclui trechos no Nordeste, como a chamada Rota dos Sertões, entre Salgueiro (PE) e Feira de Santana (BA), com 502 km de extensão, e a Rota 2 de Julho, entre Salvador (BA) e a divisa entre a Bahia e Minas Gerais, com 653 km, que abrange também a BR-324.

A reportagem procurou o Ministério dos Transportes em busca de informações sobre quais os trechos da BR-116 sob concessão, detalhes sobre os futuros contratos e motivos que fizeram os trechos cearense e paraibano ficarem de fora da Carteira de Projetos, mas não obteve retorno até a publicação deste material. Em caso de retorno, este texto será atualizado. 

Por onde passa a BR-116 no Ceará?

Com pouco mais de 540 km no Estado, a rodovia começa em Fortaleza, na Praça Manuel Dias Branco, na rotatória da avenida Aguanambi, e segue rumo ao sul cearense pelo Vale do Jaguaribe, margeando a Chapada do Apodi, na divisa com o Rio Grande do Norte. Ao todo, são pelo menos 25 municípios entrecortados no Ceará.

A BR-116 deixa temporariamente o território cearense ao atravessar um pequeno trecho de 13,4 km na Paraíba. Em seguida, a rodovia retorna ao Ceará, entrando por Penaforte, no extremo sul do Estado, na divisa com Pernambuco, de onde segue em direção ao estado vizinho.

O trecho chamado de Rota dos Sertões, previsto para ser concedido pelo Ministério dos Transportes, começa a menos de 30 km do fim do território cearense, na cidade pernambucana de Salgueiro.  

BR-116 é pilar logístico do Ceará, afirmam especialistas

A rodovia compõe o conjunto de 11 estradas federais que entrecortam o Ceará. Especialistas ouvidos pelo Diário do Nordeste são unânimes em reconhecer a importância da via no escoamento da produção, no transporte de mercadorias e na logística estadual, regional e nacional.

O presidente do Sindicato das Empresas de Transporte de Cargas e Logística no Estado do Ceará (Setcarce), Marcelo Maranhão, observa que a BR-116 atua como uma 'espinha dorsal' para a produção hortifrutigranjeira do Vale do Jaguaribe e da região oeste de Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte.

"A BR-116 é o principal corredor logístico do Ceará, levando também mercadorias para Piauí e Maranhão, escoando a produção para os portos, vindo tanto do interior do estado como da região do Vale do São Francisco. As exportações das frutas da região do São Francisco e de Mossoró vêm para Pecém e Mucuripe por meio da BR-116", diz.

Condições da BR-116 aumentam custo do frete em até 30% no Ceará

No Ceará, o trecho duplicado da BR-116 sai de Fortaleza e segue até Pacajus, na altura do km 50. A partir de então, segue em pista simples durante cerca de 500 km até Pernambuco. O trajeto entre o km 50 e o distrito de Boqueirão do Cesário, em Beberibe, na entrada da BR-304, está sendo duplicado.

"A rodovia está hoje em uma situação regular, mas precisa de investimentos, duplicações, mesmo que não seja em toda a rodovia, mas principalmente nas áreas urbanas, onde ela trafega", pondera Maranhão. 

Foto que contém caminhão desviando de trecho esburacado em estrada do Ceará.
Legenda: Embora esteja em situação regular, BR-116 tem trechos esburacados no Estado.
Foto: Honório Barbosa/Diário do Nordeste

As condições atuais da BR-116, pelo fato de ser considerada regular, bem como as obras do 4º Anel Viário de Fortaleza, que ainda duplicação e melhorias há mais de 15 anos após o início das intervenções, já causam impactos no preço do frete no Estado.

Estima-se que a diferença entre uma rodovia regular e uma rodovia boa/excelente, aumenta em torno de 10% do valor do frete. O pessoal da região da Chapada do Apodi que escoa frutas, por conta de não terminarmos o 4º Anel Viário, o tempo de trânsito aumentou em média de quatro horas para seis horas. Isso é perda de produtividade e maior consumo de combustível. Estima-se que, com esse 50% de perda de tempo que temos, o custo aumenta entre 25% e 30%". 
Marcelo Maranhão
Presidente do Setcarce
 

Quais as condições para conceder uma rodovia?

O Ceará não conta com nenhuma rodovia concedida, seja a nível federal ou estadual. O estudo mais avançado nesse quesito é o Arco Metropolitano de Fortaleza, em trecho de cerca de 100 km entre Pacajus e o Porto do Pecém, considerado uma alternativa ao 4º Anel Viário.

"A tendência da concessão é promover melhorias da infraestrutura, a depender do contrato firmado, do estado prévio da rodovia e da atuação da concessionária. Isso é perceptível, sobretudo, na segurança viária e no conforto ao rolamento. Verifica-se, por consequência, melhoria da fluidez de tráfego e logística devido à redução do tempo de viagem e dos acidentes", define Heber Oliveira, professor de Pós-Graduação do departamento de Engenharia de Transportes da Universidade Federal do Ceará (UFC).

Para Marcelo Maranhão, a BR-116 reúne as condições ideais que levam uma rodovia a ser concedida: condições de trafegabilidade e alto fluxo, tornando-a mais atrativa do que as BRs 020 e 222 que, assim como a BR-122, são consideradas troncais no escoamento da produção no Estado.

Foto que contém fluxo intenso de veículos em trecho da BR-116 em Fortaleza.
Legenda: BR-116 é o principal corredor logístico do Estado, afirmam especialistas.
Foto: José Leomar/Agência Diário

"O maior fluxo é da BR-116, depois vem a BR-222. Existe um programa de melhoria nela, na passagem por Sobral, mas não temos fluxo suficiente para uma empresa privada assumi-la. Precisamos melhorar as condições dessas rodovias e o fluxo para isso acontecer", defende.

Heber Oliveira considera que a concessão da rodovia precisa ser favorável à União e à concessionária, sobretudo porque serão feitos investimentos privados que precisarão ser pagos por diferentes modalidades, incluindo trechos com pedágios

"Obviamente, há um investimento a ser feito na melhoria da infraestrutura e um custo (pedágio) a ser despendido pelos usuários durante toda a concessão. O Ceará ainda não tem rodovias concessionadas; a experiência de outros estados brasileiros mostra que há aspectos positivos e negativos dessa concessão que precisam ser muito bem debatidos e conhecidos pela sociedade", infere o professor da UFC.

Estradas federais cearenses estruturantes precisam de melhorias diante da Transnordestina

Com exceção da BR-222, que segue para Sobral acompanhando o traçado da ativa ferrovia Fortaleza–São Luís, pelo menos outras cinco rodovias federais essenciais para o escoamento da produção no Estado serão cruzadas pela Transnordestina ou diretamente afetadas pelo fluxo gerado pela nova ferrovia. São elas:

  • BR-020 (começa em Fortaleza e segue até Brasília);
  • BR-116
  • BR-122 (começa no Triângulo de Chorozinho e segue em direção a Minas Gerais);
  • BR-230 (conhecida como Transamazônica, corta o Vale do Jaguaribe, Sertão Central e Centro-Sul do Estado rumo ao Norte do País);
  • BR-304.

Para Marcelo Maranhão, como a BR-122 se integra a CE-060 na divisão do fluxo por dentro do Sertão Central, é preciso que ela receba uma atenção especial, sobretudo em virtude do Complexo Industrial e Portuário de Quixeramobim, atualmente em construção.

"Na hora que entrar em funcionamento pleno, precisaremos melhorar as BRs 020, 122, principalmente a BR-122. Com o terminal de Quixeramobim, vamos ter um grande fluxo de veículos, saindo de lá para todo o interior do Ceará e parte dos estados vizinhos. Vamos precisar de uma grande melhoria na nossa malha rodoviária", classifica.

Foto que contém placa indicativa de trecho de Região Metropolitana na BR-122.
Legenda: BR-122 entrecorta o Sertão Central em trechos por onde a Transnordestina passa.
Foto: Alex Pimentel/Diário do Nordeste

Já Heber Oliveira reitera ser necessário estudos de viabilidade de diversas naturezas para confirmar se há de fato necessidade de conceder o trecho cearense da rodovia, ainda que haja a previsão de incremento de fluxo logístico em razão da Transnordestina.

"É preciso conhecer esses estudos no caso específico da BR-116 para entender melhor aspectos regulatórios, previsão de fluxo de tráfego no presente e no futuro, a 'concorrência' com outras rodovias, além das receitas de pedágio correspondentes no segmento rodoviário a ser concedido. Além disso, podem existir contextos sobretudo políticos, além de sociais, que restrinjam essa concessão", argumenta o especialista.

Concessões das BRs 116 e 304 são estudos antigos 

Das 11 estradas federais do Ceará, três têm estudos mais avançados para concessão à iniciativa privada. Pelo menos é o que indica o antigo Ministério da Infraestrutura, com projetos conduzidos durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Na carteira do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) de 2019, estava previsto que estudos fossem conduzidos para conceder o trecho cearense da BR-116, bem como toda a extensão da BR-304, que interliga Beberibe a Natal (RN). Essas análises deveriam ser feitas até 2022.

Em 2021, o mesmo Ministério da Infraestrutura indicou que estudava conceder parte da BR-222, entre Fortaleza e o Porto do Pecém, para a iniciativa privada. A rodovia nesse trecho passa atualmente por obras de duplicação.

Com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a extinção do Ministério da Infraestrutura, os estudos para a concessão das rodovias foram retirados. Eles também não constam na Carteira de Projetos do Ministério dos Transportes, divulgada anualmente desde 2023 e com panorama sobre o ano subsequente.

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