Por que Ceará e Paraíba ficaram de fora do plano de concessões da BR-116?
Trecho que entrecorta o Ceará e a Paraíba não consta nos estudos do Ministério dos Transportes.
O Ceará e a Paraíba são os únicos, entre os 10 estados brasileiros por onde passa a BR-116, que ficaram de fora das concessões para a iniciativa privada previstas para trechos da rodovia na Carteira de Projetos 2026 do Ministério dos Transportes
A BR-116 é a maior rodovia do Brasil, com mais de 4,6 mil quilômetros (km) de extensão. Ela liga Fortaleza (CE) a Jaguarão (RS), na fronteira com o Uruguai. Vários desses trechos, sobretudo no Sudeste e Sul brasileiros, já estão sob concessão, como a Rodovia Régis Bittencourt (que interliga São Paulo a Curitiba).
No novo projeto do ministério, 14 trechos rodoviários de diferentes rodovias devem ser concedidos ou ter os contratos vigentes otimizados. Vários deles compreendem trechos da BR-116 nos demais estados por onde ela passa: Pernambuco, Bahia, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
No caso da BR-116, isso inclui trechos no Nordeste, como a chamada Rota dos Sertões, entre Salgueiro (PE) e Feira de Santana (BA), com 502 km de extensão, e a Rota 2 de Julho, entre Salvador (BA) e a divisa entre a Bahia e Minas Gerais, com 653 km, que abrange também a BR-324.
A reportagem procurou o Ministério dos Transportes em busca de informações sobre quais os trechos da BR-116 sob concessão, detalhes sobre os futuros contratos e motivos que fizeram os trechos cearense e paraibano ficarem de fora da Carteira de Projetos, mas não obteve retorno até a publicação deste material. Em caso de retorno, este texto será atualizado.
Por onde passa a BR-116 no Ceará?
Com pouco mais de 540 km no Estado, a rodovia começa em Fortaleza, na Praça Manuel Dias Branco, na rotatória da avenida Aguanambi, e segue rumo ao sul cearense pelo Vale do Jaguaribe, margeando a Chapada do Apodi, na divisa com o Rio Grande do Norte. Ao todo, são pelo menos 25 municípios entrecortados no Ceará.
A BR-116 deixa temporariamente o território cearense ao atravessar um pequeno trecho de 13,4 km na Paraíba. Em seguida, a rodovia retorna ao Ceará, entrando por Penaforte, no extremo sul do Estado, na divisa com Pernambuco, de onde segue em direção ao estado vizinho.
O trecho chamado de Rota dos Sertões, previsto para ser concedido pelo Ministério dos Transportes, começa a menos de 30 km do fim do território cearense, na cidade pernambucana de Salgueiro.
BR-116 é pilar logístico do Ceará, afirmam especialistas
A rodovia compõe o conjunto de 11 estradas federais que entrecortam o Ceará. Especialistas ouvidos pelo Diário do Nordeste são unânimes em reconhecer a importância da via no escoamento da produção, no transporte de mercadorias e na logística estadual, regional e nacional.
O presidente do Sindicato das Empresas de Transporte de Cargas e Logística no Estado do Ceará (Setcarce), Marcelo Maranhão, observa que a BR-116 atua como uma 'espinha dorsal' para a produção hortifrutigranjeira do Vale do Jaguaribe e da região oeste de Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte.
"A BR-116 é o principal corredor logístico do Ceará, levando também mercadorias para Piauí e Maranhão, escoando a produção para os portos, vindo tanto do interior do estado como da região do Vale do São Francisco. As exportações das frutas da região do São Francisco e de Mossoró vêm para Pecém e Mucuripe por meio da BR-116", diz.
Condições da BR-116 aumentam custo do frete em até 30% no Ceará
No Ceará, o trecho duplicado da BR-116 sai de Fortaleza e segue até Pacajus, na altura do km 50. A partir de então, segue em pista simples durante cerca de 500 km até Pernambuco. O trajeto entre o km 50 e o distrito de Boqueirão do Cesário, em Beberibe, na entrada da BR-304, está sendo duplicado.
"A rodovia está hoje em uma situação regular, mas precisa de investimentos, duplicações, mesmo que não seja em toda a rodovia, mas principalmente nas áreas urbanas, onde ela trafega", pondera Maranhão.
As condições atuais da BR-116, pelo fato de ser considerada regular, bem como as obras do 4º Anel Viário de Fortaleza, que ainda duplicação e melhorias há mais de 15 anos após o início das intervenções, já causam impactos no preço do frete no Estado.
Estima-se que a diferença entre uma rodovia regular e uma rodovia boa/excelente, aumenta em torno de 10% do valor do frete. O pessoal da região da Chapada do Apodi que escoa frutas, por conta de não terminarmos o 4º Anel Viário, o tempo de trânsito aumentou em média de quatro horas para seis horas. Isso é perda de produtividade e maior consumo de combustível. Estima-se que, com esse 50% de perda de tempo que temos, o custo aumenta entre 25% e 30%".
Quais as condições para conceder uma rodovia?
O Ceará não conta com nenhuma rodovia concedida, seja a nível federal ou estadual. O estudo mais avançado nesse quesito é o Arco Metropolitano de Fortaleza, em trecho de cerca de 100 km entre Pacajus e o Porto do Pecém, considerado uma alternativa ao 4º Anel Viário.
"A tendência da concessão é promover melhorias da infraestrutura, a depender do contrato firmado, do estado prévio da rodovia e da atuação da concessionária. Isso é perceptível, sobretudo, na segurança viária e no conforto ao rolamento. Verifica-se, por consequência, melhoria da fluidez de tráfego e logística devido à redução do tempo de viagem e dos acidentes", define Heber Oliveira, professor de Pós-Graduação do departamento de Engenharia de Transportes da Universidade Federal do Ceará (UFC).
Para Marcelo Maranhão, a BR-116 reúne as condições ideais que levam uma rodovia a ser concedida: condições de trafegabilidade e alto fluxo, tornando-a mais atrativa do que as BRs 020 e 222 que, assim como a BR-122, são consideradas troncais no escoamento da produção no Estado.
"O maior fluxo é da BR-116, depois vem a BR-222. Existe um programa de melhoria nela, na passagem por Sobral, mas não temos fluxo suficiente para uma empresa privada assumi-la. Precisamos melhorar as condições dessas rodovias e o fluxo para isso acontecer", defende.
Heber Oliveira considera que a concessão da rodovia precisa ser favorável à União e à concessionária, sobretudo porque serão feitos investimentos privados que precisarão ser pagos por diferentes modalidades, incluindo trechos com pedágios.
"Obviamente, há um investimento a ser feito na melhoria da infraestrutura e um custo (pedágio) a ser despendido pelos usuários durante toda a concessão. O Ceará ainda não tem rodovias concessionadas; a experiência de outros estados brasileiros mostra que há aspectos positivos e negativos dessa concessão que precisam ser muito bem debatidos e conhecidos pela sociedade", infere o professor da UFC.
Estradas federais cearenses estruturantes precisam de melhorias diante da Transnordestina
Com exceção da BR-222, que segue para Sobral acompanhando o traçado da ativa ferrovia Fortaleza–São Luís, pelo menos outras cinco rodovias federais essenciais para o escoamento da produção no Estado serão cruzadas pela Transnordestina ou diretamente afetadas pelo fluxo gerado pela nova ferrovia. São elas:
- BR-020 (começa em Fortaleza e segue até Brasília);
- BR-116
- BR-122 (começa no Triângulo de Chorozinho e segue em direção a Minas Gerais);
- BR-230 (conhecida como Transamazônica, corta o Vale do Jaguaribe, Sertão Central e Centro-Sul do Estado rumo ao Norte do País);
- BR-304.
Para Marcelo Maranhão, como a BR-122 se integra a CE-060 na divisão do fluxo por dentro do Sertão Central, é preciso que ela receba uma atenção especial, sobretudo em virtude do Complexo Industrial e Portuário de Quixeramobim, atualmente em construção.
"Na hora que entrar em funcionamento pleno, precisaremos melhorar as BRs 020, 122, principalmente a BR-122. Com o terminal de Quixeramobim, vamos ter um grande fluxo de veículos, saindo de lá para todo o interior do Ceará e parte dos estados vizinhos. Vamos precisar de uma grande melhoria na nossa malha rodoviária", classifica.
Já Heber Oliveira reitera ser necessário estudos de viabilidade de diversas naturezas para confirmar se há de fato necessidade de conceder o trecho cearense da rodovia, ainda que haja a previsão de incremento de fluxo logístico em razão da Transnordestina.
"É preciso conhecer esses estudos no caso específico da BR-116 para entender melhor aspectos regulatórios, previsão de fluxo de tráfego no presente e no futuro, a 'concorrência' com outras rodovias, além das receitas de pedágio correspondentes no segmento rodoviário a ser concedido. Além disso, podem existir contextos sobretudo políticos, além de sociais, que restrinjam essa concessão", argumenta o especialista.
Concessões das BRs 116 e 304 são estudos antigos
Das 11 estradas federais do Ceará, três têm estudos mais avançados para concessão à iniciativa privada. Pelo menos é o que indica o antigo Ministério da Infraestrutura, com projetos conduzidos durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Na carteira do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) de 2019, estava previsto que estudos fossem conduzidos para conceder o trecho cearense da BR-116, bem como toda a extensão da BR-304, que interliga Beberibe a Natal (RN). Essas análises deveriam ser feitas até 2022.
Em 2021, o mesmo Ministério da Infraestrutura indicou que estudava conceder parte da BR-222, entre Fortaleza e o Porto do Pecém, para a iniciativa privada. A rodovia nesse trecho passa atualmente por obras de duplicação.
Com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a extinção do Ministério da Infraestrutura, os estudos para a concessão das rodovias foram retirados. Eles também não constam na Carteira de Projetos do Ministério dos Transportes, divulgada anualmente desde 2023 e com panorama sobre o ano subsequente.