Por que as companhias aéreas estão deixando de fazer voos regionais no Nordeste?
Companhias devem manter infraestrutura em trechos mais lucrativos, apontam especialistas
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Quem costuma viajar de avião para cidades do interior do Ceará terá dificuldades a partir de março. Isso porque diversos voos regionais foram suspensos pelas companhias aéreas.
Os trechos que ligam Fortaleza a Juazeiro do Norte e Jericoacoara, por exemplo, serão descontinuados em março pela companhia Azul Conecta, subsidiária da Azul.
Além disso, a empresa vai encerrar as operações em Sobral, São Benedito, Crateús e Iguatu, conforme divulgado com exclusividade pelo colunista do Diário do Nordeste, Igor Pires.
Juazeiro do Norte também perderá voos para Recife (operado pela Azul Conecta) e para Brasília (operado pela Gol e descontinuado em 6 de fevereiro).
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Embora o Ceará tenha mais cidades impactadas, outros estados do Nordeste também tiveram voos suspensos. No Piauí, a Azul suspenderá trecho entre São Raimundo Nonato e Recife (PE), e Parnaíba perderá a conexão com Jericoacoara.
Os moradores de Pernambuco serão impactados também com a redução de oferta de voos da Azul entre Recife e Caruaru. Os voos devem ser operados por aeronaves com capacidades para nove passageiros.
Já no Rio Grande do Norte, a companhia deve encerrar as operações em Mossoró, que também tinha conexão direta com Recife, e suspender os voos entre Natal e Fernando de Noronha. No Maranhão, o trecho entre São Luís e Barreirinhas será encerrado.
A Latam também anunciou recentemente a suspensão de rotas no Nordeste. A partir de 30 de março, serão suspensos os voos da empresa entre São Luís e Teresina e entre Natal e o Rio de Janeiro.
Os voos regionais são mais vulneráveis a suspensões pelas companhias aéreas devido à baixa demanda, na comparação com grandes rotas entre diferentes regiões, explica Alessandro Oliveira, pesquisador do Núcleo de Economia do Transporte Aéreo do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (Nectar-ITA).
Em rotas mais densas, o aumento nos custos é menos visível, porque há uma alta densidade de tráfego que dilui os custos fixos. Então, se o dólar continuar subindo, é possível que mais rotas regionais sejam suspensas"
O especialista avalia que a redução da cobertura aérea é um retrocesso, mas que segue um movimento de reajuste de mercado. “O que a gente quer são empresas aéreas fortes, para que, em um momento melhor da economia, possam voltar com essas operações”, afirma.
Rotas suspensas
- Fortaleza-Jericoacoara
- Fortaleza-Juazeiro do Norte
- Fortaleza-Iguatu
- Fortaleza-Sobral
- Fortaleza-São Benedito
- Fortaleza-Crateús
- Juazeiro do Norte-Recife
- Natal-Fernando de Noronha
- São Raimundo Nonato-Recife
- Parnaíba-Jericoacoara
- São Luís-Barreirinhas
- São Luís-Teresina
- Natal-Rio de Janeiro
- Juazeiro do Norte-Brasília
- Parnaíba-Barreirinhas
- Parnaíba-Belo Horizonte
FOCO EM ROTAS MAIS LUCRATIVAS
Igor Pires, engenheiro aeronáutico e especialista em aviação, também não descarta que novas suspensões sejam anunciadas, devido ao cenário de escassez de aeronaves e busca por redução nos custos das companhias.
“As companhias podem alocar essas aeronaves que estão voando [no Nordeste] para voos que, na visão deles, vão render mais. Dificilmente um voo de Mossoró e Juazeiro do Norte dava prejuízo, mas eles podem estar querendo algo que dê ainda mais lucro”, avalia.
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O especialista aponta ainda que a retomada dos trechos operados pela Azul é improvável no curto prazo, mesmo que por outras companhias. Enfrentando prejuízos, a Gol dificilmente deve abarcar novos voos regionais.
Já a Latam é mais exigente em relação à expansão das operações, e exige uma alta demanda para que os voos sejam ofertados. Ele lembra ainda que a Voepass, que cancelou voos no Nordeste no segundo semestre de 2024 e está devolvendo aeronaves, enfrenta um momento de grande dificuldade.
“A região Nordeste é a mais afetada, com pelo menos cinco estados. Houve também suspensões lá em Santa Catarina pela Azul Conecta. Houve suspensões no Sudeste e Sul, mas parece ter sido bem mais pontual lá”, reitera o especialista.
Segundo a Azul, as mudanças fazem parte de um planejamento operacional, que considera a disponibilidade de frota e o aumento nos custos devido à alta do dólar e a crise global de suprimentos.
“Como empresa competitiva, a companhia reavalia constantemente as operações em suas bases, como parte de um processo normal de ajuste de capacidade à demanda. A Importante ressaltar que os clientes impactados receberão a assistência necessária, conforme prevê a resolução 400 da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac)”, disse a companhia em nota.
Alessandro Oliveira comenta que, como o processo de replanejamento da Azul ocorre em meio à tentativa de fusão com a Gol, a empresa deve cortar o máximo de despesas para melhorar rentabilidade aos investidores.
“É possível enxergar que o foco seja nas rotas mais rentáveis, dado que os custos aumentaram e é difícil repassar todos os custos para as passagens. É muito provável que haja um reforço de outras áreas, sim, no sudeste ou sul. Acaba sendo uma consequência de um reposicionamento da malha já existente”, afirma.
EMPRESAS SÃO LIVRES PARA EXCLUIR ROTAS
A diminuição de voos que ligavam cidades do Nordeste é um movimento oriundo de análise de oferta e demanda, reitera Marcus Quintella, diretor do FGV Transportes.
O especialista explica que, como metade dos custos operacionais são vinculados ao dólar, o setor tem enfrentado impactos financeiros. “Se não houver uma demanda alta para compensar essas rotas, a companhia aérea elimina. Isso não é só o Brasil, é comum no mercado aéreo mundial” afirma.
Conforme a lei de criação da Anac, a programação de voos pode ser alterada a qualquer momento pelas empresas aéreas.
As companhias são livres para operar qualquer rota, desde que observem a capacidade operacional de infraestrutura e a regulação técnica de segurança.
Marcus Quintella explica que não existem políticas públicas que interfiram diretamente na manutenção de uma rota aérea, mas que o governo pode mitigar o endividamento de companhias aéreas com linhas de crédito para negociação de dívidas.
O especialista lembra que qualquer redução de trechos aéreos tem impacto para os clientes assíduos da linha, com possíveis efeitos em negócios e empregos.
“Essas passagens normalmente não são baratas, mas essencialmente, qualquer interrupção de transporte pode impactar alguma faixa da sociedade, que vai deixar de ter aquele método de transporte. Outro impacto é o transporte de medicamentos, vacinas e órgãos, que as companhias aéreas muitas vezes levam gratuitamente”, afirma.