Por que a conta de luz não baixa mesmo com açudes sangrando e alta produção de energia no Ceará?
Produção de energia do Brasil deve crescer e dobrar demanda, mas consumidor pode não ver impacto positivo na conta de energia
Mesmo com açudes sangrando no Ceará após a quadra chuvosa e com a alta produção de energia no Estado, a população não vê o barateamento das contas de luz. Isso acontece porque a rede energética é interligada e o sistema de precificação das tarifas de energia não segue o modelo de 'oferta e procura'.
A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) projeta um aumento de 5,6% na conta de luz no Brasil em 2024. Ao mesmo tempo, a geração de energia elétrica brasileira deve crescer 10,1 Gigawatts (GW) neste ano — o segundo maior avanço anual desde 1997, atrás apenas do ano passado.
O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) projeta que, em 2028, a oferta de energia no país será 2,5 vezes maior que a demanda. Em cinco anos, o consumo de energia deve crescer 14,53 GW, enquanto a capacidade de produção instalada subirá 40,4 GW.
O Ceará deve seguir o ritmo de crescimento: são 18 usinas eólicas e fotovoltaicas em construção, com potência de 802 Megawatts de instalação. O estado tem também o melhor aporte hídrico desde 2009, devido à boa quadra chuvosa registrada. A situação favorável não impacta na geração energética, já que não há produção hidrelétrica no Estado.
A matriz cearense, formada pelas fontes eólica (46,31%), fotovoltaica (22,48%) e térmica (31,21%), é a sexta maior do Brasil. O forte potencial de produção do Ceará e de outros estados do Nordeste, entretanto, não impacta na cobrança da tarifa energética.
Por que o aporte hídrico e a produção de energia não afetam a conta de luz?
Isso ocorre devido ao Sistema Interligado Nacional (SIN), que permite a conexão da energia produzida em todas as regiões. A energia gerada nas usinas do Ceará, por exemplo, pode ser utilizada no Mato Grosso do Sul, explica Paulo Marques de Carvalho, professor do departamento de Engenharia Elétrica da Universidade Federal do Ceará (UFC).
“A política de preços é definida a nível nacional. Você tem que pensar o sistema de energia em termos nacionais. A rede funciona como uma coisa só. Um exemplo bem claro, por exemplo, é São Paulo, que tem grande parte do consumo brasileiro, mas não tem parques eólicos”, aponta.
A produção de energia pode impactar diretamente no cálculo da conta de luz apenas nos casos de acionamento das bandeiras tarifárias. A Aneel aciona a bandeira amarela ou vermelha em razão de condições desfavoráveis para a geração de energia do país e alta demanda, elevando as contas de luz de R$ 1,88 a até R$ 7,87 por quilowatt-hora consumido.
Essa aplicação ocorre em todo o território nacional, independentemente de onde houve dificuldade de geração. A bandeira indica se a energia custará mais ou menos em função das condições de geração de eletricidade e busca gerar um consumo mais consciente de energia, segundo a Aneel.
Em julho, a bandeira amarela foi acionada em razão da previsão de chuvas abaixo da média e expectativa de aumento de consumo. As contas de luz terão acréscimo, portanto, de R$ 1,88 a cada quilowatt-hora consumido. A bandeira verde, que não tem aumento nas contas, estava em vigor desde abril de 2022.
“As hidrelétricas são bastante influenciadas pelo regime de chuvas. À medida que você tem uma previsão de redução, os reservatórios vão estar com o nível de água muito baixo e é necessário ligar as térmicas para garantir o abastecimento. Mas de modo geral, as térmicas aumentam bastante o custo de geração de energia”, explica.
REAJUSTE DA TARIFA DE ENERGIA É ANUAL
Além das taxas de iluminação pública e dos impostos, a conta de luz é formada majoritariamente pela tarifa de energia, que varia conforme o consumo mensal. A tarifa, que considera os custos de geração e transporte de energia e os encargos setoriais, é reajustada uma vez por ano por deliberação da Aneel.
A distribuidora de cada estado solicita o reajuste com base em balanços financeiros e custos de operação. A Aneel define então a revisão para mais ou para menos, a partir também da comparação dessas tarifas com as de outras empresas do exterior, da eficiência da empresa, da necessidade de obter tarifas mais justas e retorno adequado aos empresários.
Paulo Marques de Carvalho ressalta que a tarifação independe da produção de cada estado, já que as empresas distribuidoras compram energia de diferentes geradoras de todo o país.
“Essa tarifação leva em conta as planilhas de custos da empresa, há um compromisso de ter tarifas justas a partir da qualidade do fornecimento. Às vezes, para que você não tenha interrupção de energia, tem que fazer gastos cada vez maiores. Esse cálculo busca encontrar um preço que seja equilibrado, entre a qualidade e o que o consumidor tem condição de pagar”, afirma.
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Neste ano, a Enel Distribuição Ceará, empresa responsável pela distribuição de energia no Estado a partir de concessão, realizou o primeiro reajuste negativo dos últimos dez anos. Desde o fim de abril, as contas ficaram em média 2,81% mais baratas.
No ano passado, o reajuste aprovado pela Aneel havia sido de aumento em 3,06%. Em 2022, as contas do Ceará ficaram em média 24,85% mais caras, o maior reajuste dos últimos dez anos.
COMPOSIÇÃO DA CONTA DE LUZ
Na prática, o consumidor paga pela compra (custos do gerador), transmissão (custos da transmissora) e distribuição (serviços prestados pela distribuidora) de energia, além de tributos e encargos setoriais (valores aprovados pelo Congresso Nacional que viabilizam a implantação de políticas públicas no setor elétrico brasileiro).
Uma simulação da Aneel aponta que 71% da conta de luz é composta pela energia entregue, 14% para a iluminação pública e outros 15% pelos impostos.
A agência ressalta que os encargos setoriais e tributos são instituídos por lei. Alguns incidem sobre o custo da distribuição, enquanto outros estão embutidos nos custos de geração e de transmissão.
ENTENDA OS VALORES COMPONENTES DA CONTA DE LUZ
Energia elétrica entregue:
- Tarifa de Energia: tarifa deliberada pela Aneel que soma os componentes do processo industrial de geração, transporte e comercialização de energia elétrica;
- Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição: valor cobrado pelo transporte de energia do produtor de energia até o consumidor;
Impostos:
- PIS/Pasep: Programa de Integração Social e Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público;
- Cofins: Contribuição social aplicada sobre o valor bruto da empresa com objetivo de financiar a Seguridade Social, Previdência Social, Assistência Social e Saúde Pública;
- ICMS: Imposto estadual que incide sobre a movimentação de mercadorias em geral.
Iluminação pública:
- CIP/Cosip: Contribuição para os custos de iluminação pública;
Bandeira tarifária:
- Bandeira tarifária: pode ou não ser acionada e encarece a conta de luz de R$ 1,88 a até R$ 7,87 por quilowatt-hora consumido. É definida pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) a partir da demanda de energia e acionamento ou não das usinas térmicas;