‘Pesadelo’ da casa própria lesa dezenas de famílias em condomínio no Eusébio

Segunda fase do empreendimento Benvida nunca foi construída e compradores buscam na justiça ressarcimento de valores e indenizações por sonhos interrompidos

Escrito por Paloma Vargas , paloma.vargas@svm.com.br
Fase 2 do condomínio Benvida, no Eusébio tem obra está abandonada há pelo menos dois anos
Legenda: Fase 2 do condomínio Benvida, no Eusébio tem obra está abandonada há pelo menos dois anos
Foto: Kid Júnior

Com a ideia de se mudar para uma casa ampla e em condomínio fechado com a família, uma administradora de empresas de 42 anos, que pediu para não ser identificada, viu em um anúncio patrocinado no Instagram, aquilo que representava a sua casa dos sonhos. Em dezembro de 2021, marcou a visita e agora se vê iludida com o que viu entregue na primeira fase do empreendimento Benvida, da Construtora Lira Coutinho, localizado no Eusébio. 

"Estava tudo pronto, entregue, pessoas morando, área de lazer perfeita, tudo novinho, a gente se apaixonou por tudo. A casa era moderna, visitamos a casa modelo, linda, as áreas comuns do condomínio, tudo lindo. Na mesma hora a gente já decidiu: vamos comprar essa casa, isso aqui é perfeito e se encaixava muito no que a gente queria".

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Já naquele dia, ela e o esposo pediram para visitar a obra da segunda fase, onde estaria a sua possível compra, mas como era dezembro, a construtora teria alegado que era um período de parada na obra, por conta das festas de final de ano e que, assim que retomassem os trabalhos, em janeiro, eles poderiam conhecer o canteiro.

"Porém, teriam poucas unidades disponíveis e já ali começou a pressão para fecharmos o negócio. Como era final do ano, a tabela de preços deveria mudar, entre outras justificativas que nos foram dadas para assinarmos o fechamento do negócio rapidamente, o que ocorreu em janeiro de 2022, com a promessa de entrega das chaves em dezembro daquele ano".

A casa tinha um valor total de R$ 390 mil. A família da compradora deu entrada de R$ 70 mil e pagava parcelas mensais de cerca de R$ 2 mil até a entrega do imóvel. Após, seria feito um financiamento bancário do restante do valor.

Tentamos marcar essa visita por duas vezes, durante os meses seguintes, mas o engenheiro nunca estava disponível. Aliás, nunca vimos essa obra. No mês de julho de 2022, indo até a sede da construtora, descobrimos que tudo estava parado já fazia mais de um ano. Ou seja, quando compramos, já estava parado"

A ficha caiu no resultado da pesquisa no Google

Ao saber disso, os compradores resolveram procurar na internet sobre o empreendimento e se depararam com dezenas de relatos no portal Reclame Aqui, no Google, não só de casas não entregues, como de problemas estruturais nas casas da primeira fase. "Aqui bateu o desespero. Veio o sentimento de puxa vida, caímos em um golpe".

Cerca de 40 famílias buscam na justiça por ressarcimento
Legenda: Cerca de 40 famílias buscam na justiça por ressarcimento
Foto: Arquivo pessoal

Foi também pela internet que um grupo de compradores lesados do Condomínio Benvida se uniu para lutar pelos seus direitos. "E estamos tentando, até agora, um ressarcimento. Inclusive tem uma advogada que também comprou e é ela quem está movendo um processo coletivo, aberto no início de 2023", comenta a administradora.

"Até agora estamos na justiça, o processo não anda, não temos nenhuma posição, nada. Acabamos com o dinheiro perdido, ou empacado lá, precisando comprar outra casa, mas sem o dinheiro que juntamos a vida toda. No final das contas pagamos cerca de R$ 100 mil e não temos nada. Estamos abandonados, o terreno está lá, algumas casas começaram a ser construídas, mas não temos esperança de ser entregue", desabafa a compradora lesada.

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Uma contadora de 40 anos que também preferiu não se identificar conta que também sentiu ter "caído em um golpe". Ela relata que fez a compra em janeiro de 2021 e esperava a entrega do imóvel em abril de 2022. Na época, ela deu R$ 35 mil de entrada e ainda pagou 18 parcelas R$ 2 mil.

"Toda vida ligava para saber da obra e um empurrava para o outro. Até que um dia, olhando na internet, descobri que tinha mais moradores reclamando da obra atrasada. Fui até a construtora e lá fiquei sabendo que estavam aguardando um empréstimo de bancos para continuar a obra. Aí fiquei louca e pensei: cai num golpe".

A mulher entrou na justiça, já teve uma audiência, mas afirma que ninguém da construtora compareceu. "São dezenas de famílias que perderam tudo e ninguém fala o que fizeram com o nosso dinheiro. Roubaram a gente na cara dura", diz a vítima indignada.

Por conta de processos judiciais e denúncias policiais, inclusive de estelionato que está movendo contra os proprietários da construtora, um representante comercial de 40 anos foi uma das vítimas mais lesada do grupo de compradores do Benvida.

O homem, em março de 2022, vendeu o apartamento em que morava com a família e comprou o que seria o seu novo lar, no Eusébio, à vista, ainda na planta.

"Só depois que descobri a situação da construtora, entendi que caí em um golpe, porque a obra estava parada fazia muito tempo e, soube também, que outros compradores eram enrolados por eles. Minha situação é bem difícil, acabei tendo problemas de saúde e psiquiátricos por conta disso". Assim como as compradoras ouvidas, temendo represálias, ele não quis se identificar na matéria. 

Cada vez uma desculpa diferente

Para o representante comercial que comprou o imóvel, a primeira desculpa de não poder ver a obra foi a parada por conta do período de chuvas. Depois de muitos contatos, meses depois, sua esposa descobriu as reclamações na internet. 

“Mandei um e-mail para um comprador que achamos lá, ele me adicionou no grupo de WhatsApp e então fui descobrir que a obra estava parada há anos. A construtora tinha muitas dívidas e com isso não conseguia, também, financiamento com bancos para dar sequência. Ou seja, me venderam uma coisa que sabiam que não iriam entregar.”

O homem que teve seu patrimônio dilapidado ainda desabafa que entregou a situação a Deus. “Espero que Ele possa resolver para mim e que justiça seja feita”.

Como é possível evitar essa situação

Especialista no setor imobiliário, o arquiteto, corretor e colunista do Diário do Nordeste, Paulo Angelim, explica que na hora da compra, é preciso ter atenção para a condição jurídica da obra. Um dos pontos elencados como importantes é saber se a obra é uma incorporação imobiliária - construção com unidades autônomas, com a finalidade de alienação, isto é, a sua venda ainda na planta ou em um processo construtivo para uma ou mais pessoas.

Outro elemento apontado por Angelim é se informar se há uma Sociedade de Propósito específico (SPE) aberta especificamente para o empreendimento, o que dá maior segurança nos investimentos.

“Além disso, visite obras anteriores, já entregues, consulte a situação econômico-financeira da construtora, e, muito importante, registre o contrato de compra e venda na matrícula mãe do empreendimento, para assegurar seus direitos sobre a fração ideal correspondente à sua unidade”.

O que dizem os envolvidos

A reportagem procurou Eduardo Coutinho, apontado como o representante da Construtora Lira Coutinho no momento das vendas, por todos os compradores lesados. Filho do proprietário da construtora, ele afirma que nunca foi sócio, apenas funcionário do setor de vendas da empresa do pai.

A primeira coisa que Eduardo diz é que não tira a razão dos clientes e que até onde sabe, a construtora ainda busca uma solução para que essa obra seja entregue. “Não tenho mais ligação ou contato com a construtora, mas sei que estão buscando investidores e outras construtoras para retomar. O empreendimento é saudável em relação ao resultado financeiro. O que tem já investido é maior do que foi pago. Por isso, acredito que alguma outra construtora possa dar continuidade.”

Ele lembra que a Lira Coutinho tem mais de 32 anos de fundação e que antes da crise financeira milhares de imóveis foram entregues sem problemas. “Desde 2015 a construtora iniciou com um problema financeiro muito grande, que na pandemia se agravou ainda mais. A primeira fase do Benvida foi entregue com muita dificuldade e a segunda fase não foi entregue por problema de fluxo de caixa”.

Eduardo comenta que a segunda fase previa 50 casas e que cerca de 40 foram comercializadas, na sua grande maioria, com o pagamento apenas da entrada. 

Por conta dos problemas financeiros da construtora e por precisar manter sua família, Eduardo se desligou dos negócios do pai e abriu uma imobiliária. “Essa é a minha profissão, é a coisa que sei fazer e com minha imobiliária, que não tem nem sede própria, não fiz nenhuma venda deste empreendimento. Entendo que todos os compradores têm razão em buscar os seus direitos e que uma solução será dada ao caso.”

Procurado, o advogado Henrique Oliveira, representante jurídico da Construtora Lira Coutinho, disse que só se manifestaria pontualmente sobre ações judiciais específicas de cada cliente e não sobre a situação do obra e o que está sendo feito para resolver o caso.

 

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