“Eu não conseguia parar de sorrir. Eu achava que não seria possível, por questão de renda e entrada. Eu fiquei sem acreditar até o último momento, até assinar o contrato no banco”. Essa foi a sensação de Camila da Silva Tavares, operadora de caixa em um supermercado, quando recebeu as chaves de sua casa própria em um condomínio em Aquiraz.

Devido aos preços elevados, Camila decidiu sair de Fortaleza para realizar o sonho do imóvel próprio na Região Metropolitana. Ela utilizou subsídio do programa Minha Casa, Minha Vida para baixa renda e mora com a filha na casa há quatro meses. 

“Tô muito feliz. Aqui é muito calmo, tranquilo, minha filha tinha problema de asma e até melhorou um pouco. As casas em Fortaleza são muito mais caras. E eu também já queria sair de lá desde que me divorciei porque é muito corrido, a questão da segurança não está em todos os lugares”, celebra a operadora.

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Camila comenta que ainda tem dificuldades no transporte, principalmente quando precisa de um serviço da Capital, e tem como meta comprar um carro para facilitar a rotina. Atrativas também para o mercado imobiliário de luxo, as cidades próximas de Fortaleza têm uma grande quantidade de terrenos utilizada para construção de empreendimentos populares.

Maracanaú, Caucaia e Itaitinga são as cidades próximas com maior predominância de empreendimentos de faixa econômica, de até R$ 350 mil, que podem ser financiados pelo Minha Casa, Minha Vida. Em Maracanaú, todas as unidades residenciais verticais vendidas em 2023 são dessa faixa, segundo dados do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Ceará (Sinduscon-CE).

A incorporação de empreendimentos de classe média e média-baixa é facilitada pela disponibilidade de terra urbanizável a preços mais baixos e legislação municipal flexível nessas cidades, explica Wagner Amorim, coordenador do Laboratório de Estudos Urbanos e Geografia da Uece (LEURC).

O especialista aponta que há um movimento de 'relativa fuga' de investimentos de base imobiliária da Capital por condicionantes mais favoráveis em outras cidades. Ele aponta que a concentração dos vetores populares em Caucaia, Maracanaú e Itaitinga, enquanto Aquiraz e Eusébio concentram moradias de luxo, tem raízes históricas.  

Entre os motivos, está a grande presença de mão de obra empregada nos polos industriais dessas cidades e a distância da praia, o que torna as áreas preteridas para o mercado de segmentos elitizados. O especialista também destaca a concentração do antigo Banco Nacional da Habitação e agora do atual MCMV nessa divisão. 

“Podemos compreender que há um evidente processo de segregação socioespacial a partir do local da moradia, segundo o qual algumas classes têm condições de escolher onde morar, enquanto outras não. E este processo está totalmente atrelado aos investimentos públicos e privados nas chamadas 'amenidades socioambientais', tanto aquelas criadas pela natureza como sociedade, como investimentos e infraestrutura, meios de consumo e equipamentos urbanos”. 

O pesquisador ressalta que os trabalhadores nem sempre tomam a decisão de forma 'natural', pois se veem obrigados a morar 'onde cabe no bolso', se submetendo a deslocamentos custosos e demorados. “Os agentes que operam no mercado imobiliário tomam decisões estratégicas que podem direcionar as escolhas residenciais da demanda, ao selecionarem áreas que somente atenderão um perfil de renda mais elitizado”, explica. 

Caucaia é a segunda cidade da RMF com mais empreendimentos contratados pelo Minha Casa, Minha Vida entre 2014 e 2024 no Ceará na Faixa 1, voltada para subsídio de moradia a famílias de baixa renda. Foram 12 empreendimentos, com 713 unidades habitacionais, atrás apenas de Fortaleza (14 empreendimentos, com 4.739 unidades). 

Em seguida, estão Pacatuba (2 empreendimentos, com 544 unidades), Trairi (6 empreendimentos, com 524 unidades), Maracanaú (1 empreendimento, com 288 unidades) e Maranguape (1 empreendimento, com 240 unidades). 

Na modalidade de financiamentos pelo Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), Caucaia também ocupa a segundo lugar em unidades habitacionais (12.201), superada por Fortaleza (22.258 unidades). Também se destacam Itaitinga (11.055 unidades), Maracanaú (6.445), Horizonte (6.148) e Pacatuba (4.724).

RETOMADA DO SONHO DA CASA PRÓPRIA

Cansado de pagar aluguel, o taxista e guia de turismo Frank Fonteles também realizou o sonho de se livrar do pagamento de aluguel fora de Fortaleza. Ele aproveitou uma campanha de descontos do Minha Casa, Minha Vida e financia o imóvel em 360 meses com descontos na entrada.

“O terreno tem 150 m². Apartamentos na mesma média de valor em Fortaleza tem 40 m², 45 m² no máximo. Esse sonho da casa própria só é possível na Região Metropolitana, a não ser que a pessoa tenha um bom dinheiro na conta”, opina. Ele se enquadrou da Faixa 2 do programa habitacional. 

Frank se desloca diariamente para Fortaleza para assistir aulas no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE). Mesmo com a distância, que aponta como a grande vilã, ele considera que sua qualidade de vida aumentou

Frank Fonteles
Legenda: Frank Fonteles aponta que sua qualidade de vida melhorou ao morar em um condomínios de casas na Região Metropolitana de Fortaleza
Foto: Kid Jr

Tem muita tranquilidade, a segurança ainda é muito boa. Consegui resgatar aquela tranquilidade de quando era criança de ficar na rua jogando bola ou até mesmo conversando na calçada de casa. Tenho mais espaço por ser em casa. Para mim, foi uma grande vantagem"
Frank Fonteles
Taxista e guia de turismo

A avaliação do economista Marcelo Miranda de Melo, professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) é que, com a redução da taxa de juros e a recomposição da renda dos trabalhadores, o sonho da casa própria está se fortalecendo

O especialista ressalta que, com terrenos mais baratos, as construtoras conseguem ofertar imóveis mais baratos nas cidades próximas da metrópole, chamadas de 'satélite'. “Em Maracanaú, por exemplo, tem a Cidade Industrial. O setor imobiliário foi atraído para lá porque tem uma população com determinada renda. O trabalhador da indústria não tem uma poupança grande ou fundo de garantia, mas pode comprovar uma renda, fácil para financiamento”, explica. 

O especialista comenta que a economia desses municípios é incrementada pelo aumento de arrecadação. Marcelo ressalta que o crescimento dos empreendimentos exige a ampliação da coleta de lixo, pavimentação, assim como reforço do policiamento.

“Os serviços vão ter que migrar para dar o suporte e a tendência é essas regiões ficarem praticamente independentes da capital. As prefeituras vão ser exigidas para ter um planejamento estratégico”, explica.

O especialista pondera, entretanto, que o setor imobiliário de alto padrão realiza mais pressão para a adaptação da infraestrutura de áreas de empreendimentos de luxo.

CRESCIMENTO ALÉM DA METRÓPOLE

Fortaleza é a capital com maior densidade demográfica do País, segundo dados do Censo 2022, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). São mais de 7 mil habitantes por quilômetro quadrado. O ritmo é acompanhado pelas cidades da Região Metropolitana de Fortaleza, que concentra 44,4% da população do Ceará.

Dos 19 municípios da Grande Fortaleza, 16 registraram aumento de população na comparação com o Censo de 2010. Entre as que registraram maiores ganhos de moradores, estão Caucaia (+30.238) e Itaitinga (+28.831). Já Fortaleza (-23.507) e Maracanaú (-8.468) perderam população. 

Wagner Amorim ressalta que a perda de população da Capital é comum no processo de periurbanização, em que a metrópole cresce 'pelas bordas'. O cenário também acontece em outras cidades brasileiras.

A tendência é claramente demonstrada pelo que já podemos constatar no presente, seja do ponto de vista do crescimento demográfico ou do ponto de vista do número de novos domicílios, pois proporcionalmente os municípios do entorno metropolitano 'crescem' mais que o município polo de uma Região Metropolitana
Wagner Amorim
Coordenador do Laboratório de Estudos Urbanos e Geografia da Uece

Esse fenômeno foi atestado pelo Censo 2022, a partir da evolução percentual do número de domicílios permanentes de 2010 para 2022. O crescimento com superior nas redes da RMF:  Itaitinga (109,9%), Eusébio (97,5%), Aquiraz (41%), Maracanaú (37,6%), Caucaia (35,3%) e Fortaleza (21,1%).

O geógrafo observa que, apesar do crescimento além do limite, Fortaleza dispõe de vazios urbanos, grandes lotes vazio que ainda não foram viabilizados para incorporação por construtoras. As cidades próximas apresentam uma legislação municipal mais favorável, em relação às normas urbanísticas de incorporação, e acabam atraindo mais construtoras. 

O setor da construção civil espera que os próximos anos continuem com ritmo acelerado de expansão dos empreendimentos na Grande Fortaleza, segundo Emanuel Capistrano, presidente da Cooperativa da Construção Civil do Estado do Ceará (Coopercon-CE).

“A RMF atrai o morador que quer sair do trânsito mais conturbado do centro de Fortaleza. Ele começa a sair da região mais nobre devido à qualidade de vida. Ao mesmo tempo, o governo está tentando investir muito nas unidades populares do Minha Casa, Minha vida, que vão ter contratações em abril”, projeta o presidente.