O que está por trás da venda da termelétrica do Pecém para a Diamante Energia?

Administradora do principal complexo termelétrico movido a carvão da América do Sul passa a controlar usina no Ceará

Escrito por
Luciano Rodrigues luciano.rodrigues@svm.com.br
(Atualizado às 11:54, em 16 de Junho de 2025)
Foto que contém usina termelétrica Energia Pecém
Legenda: EDP se desfaz de participação acionária restante da Energia Pecém; foco agora é hidrogênio verde
Foto: Energia Pecém/Divulgação

A empresa EDP vendeu os 20% restantes da termelétrica Energia Pecém para a Diamante Geração de Energia. O negócio foi celebrado no fim de maio por R$ 200 milhões.

A mesma Diamante comprou ainda os 80% da usina que pertenciam à Mercurio Assetjoint venture entre a Mercurio Partners e a Horto Capital, em valores não revelados. Essa negociação muda a configuração societária da usina movida a carvão no Complexo Industrial e Portuário do Pecém (Cipp).

Desde o fim de 2023 a EDP vinha se desfazendo do controle da Energia Pecém. Naquela ocasião, a empresa negociou 80% das ações da termelétrica com a Mercurio Asset, que permanece ainda como a controladora do empreendimento.

Atualização às 11h53 de segunda-feira (16): a informação inicialmente divulgada pela Diamante Geração de Energia sobre a aquisição da Energia Pecém estava incompleta. Nesta segunda-feira, a empresa procurou a reportagem para esclarecer a compra da participação acionária da termelétrica cearense. Ao contrário do publicado no último sábado (14), de que a Diamante Energia havia comprado somente a participação de 20% da EDP, a empresa brasileira na verdade adquiriu tanto a participação da companhia portuguesa quanto da Mercurio Asset, passando a deter 100% da Energia Pecém. A negociação ainda depende de aprovação no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). A reportagem foi atualizada mediante informações atualizadas repassadas pela Diamante Energia via assessoria de imprensa.

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A EDP pontuou que "a venda de 20% em Pecém, ainda sujeita às verificações regulatórias e outras condições habituais em operações desta natureza, representa também mais um passo decisivo da EDP no caminho da descarbonização". 

"A empresa continua a desenvolver planos de reconversão energética em vários espaços onde detém centrais — não apenas no Brasil, mas também em Portugal e Espanha — e a investir no desenvolvimento de soluções de energia inovadoras e sustentáveis, como é o caso do hidrogênio verde", acrescentou.

Por meio da assessoria de imprensa, a Diamante Geração de Energia confirmou a aquisição da usina no Ceará. A empresa tem sede em Capivari de Baixo, no sul de Santa Catarina, e é dona do Complexo Termelétrico Jorge Lacerda (CTJL), o maior movido a carvão mineral da América do Sul. 

"Trata-se de uma etapa relevante, mas ainda em andamento, que requer o cumprimento de trâmites regulatórios e negociais típicos de uma operação dessa natureza e porte. Outras informações serão divulgadas oportunamente, à medida que os processos avançarem", disse a companhia.

Após ter vendido os 80% que controlava da usina termelétrica do Pecém, a Mercurio Asset foi procurada pela reportagem. Também por meio da assessoria de imprensa, a empresa afirmou que "ainda não vai comentar sobre esse processo", pois "algumas etapas ainda estão sendo definidas".

Como fica a Energia Pecém?

De acordo com informações disponibilizadas pela empresa, a termelétrica cearense opera comercialmente desde dezembro de 2012. A segunda unidade da usina entrou em funcionamento meses depois, em maio de 2013. Ao todo, o investimento para a construção do empreendimento foi de R$ 3 bilhões.

Cada uma delas pode produzir até 360 megawatts (MW) de eletricidade com a queima do carvão mineral. A Energia Pecém diz que os 720 MW da termelétrica no Cipp correspondem "aproximadamente à metade da capacidade geradora de energia do Ceará, evidenciando a importância estratégica da usina no fornecimento de energia elétrica segura e confiável".

Com uma capacidade máxima de geração de 5.500 gigawatts-hora (GWh), a usina é capaz de abastecer uma cidade de cerca de 5,6 milhões de habitantes, contribuindo significativamente para o aumento da produção de energia do estado, reforçando a posição do Ceará no cenário energético brasileiro.
Energia Pecém
Sobre a capacidade das usinas termelétricas no Cipp

Foto que contém exploração de carvão mineral no Brasil
Legenda: Carvão mineral é a base de geração de eletricidade da Energia Pecém
Foto: Juca Varella/EBC

O fornecimento de eletricidade para o Sistema Interligado Nacional (SIN) acontece sob demanda. No atual contrato, a Energia Pecém pode produzir energia para ser disponibilizada na rede do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) até julho de 2027, e está autorizada a geração até janeiro de 2044.

A matéria-prima é o carvão mineral, importado de países como Colômbia, Estados Unidos e Japão. Os produtos chegam ao Porto do Pecém e são levados até as usinas para a queima. No contrato com o ONS, é estabelecido ainda um tempo mínimo para o funcionamento dos empreendimentos, em geral, pouco acima de uma semana.

As usinas termelétricas têm como principais desvantagens o custo mais elevado de produção em relação às fontes renováveis, como hidrelétricas — maior base energética do Brasil — eólicas e fotovoltaicas, além de serem bem mais poluentes. Em contrapartida, a geração de eletricidade é praticamente imediata, suprindo rapidamente a necessidade pelo fornecimento de energia.

"É importante manter esse tipo de usina ainda em funcionamento, trazendo investimentos e uma nova expertise de operação. Apesar dos malefícios ambientais que tem uma termelétrica, ela é importante para a estabilidade do sistema elétrico, é aquele mal necessário que precisa funcionar", explicou Raphael Amaral, professor do departamento de Engenharia Elétrica da Universidade Federal do Ceará (UFC).

O que significa a saída da EDP da termelétrica?

Conforme anunciado pela empresa há alguns anos, a EDP está focada em um momento de descarbonização, fazendo a transição de fontes fósseis para outras renováveis, como o hidrogênio verde (H₂V), como expôs Raphael Amaral.

"Isso mostra a intenção da EDP de encerrar as suas fontes de combustíveis fósseis, procurando trabalhar mais com energias renováveis, a transição energética e também o hidrogênio verde. Também tem a questão do custo, já que é uma termelétrica a carvão não está sendo muito atrativa no momento", definiu o especialista.

Já para o diretor de regulação do Sindienergia-CE, Bernardo Viana, ainda "não dá para dizer sobre benefício ou malefício" com a venda da termelétrica para a Diamante Geração de Energia, e é preciso aguardar outros movimentos conjuntos da nova controladora da Energia Pecém.

Foto que contém um projeto piloto da usina de hidrogênio verde da EDP
Legenda: Foco da EDP passa a ser a produção de hidrogênio verde no Ceará
Foto: Thiago Gaspar/Governo do Ceará

"Até porque era só um percentual pequeno de 20% e já meio que estava anunciado que a EDP ia sair do negócio. Não consigo dizer nenhum benefício ou malefício. Mas assim: as informações que a gente tem é de que vai continuar crescendo e investindo em ativos de geração termelétrica", considerou.

"Como a planta é a carvão, a estrutura e a estratégia global é de que a empresa vá se desfazendo de ativos poluentes. Eles venderam essa participação na termelétrica aqui não é por nenhuma questão macroeconômica do Ceará. A partir de 2030, a EDP também vai focar só em renováveis", completou o diretor do Sindienergia-CE.

Mudança de gestão pode trazer "protagonismo local" para Energia Pecém, vislumbra especialista

Segundo Raphael Amaral, a experiência da Diamante Geração de Energia no CTJL pode ajudar a desenvolver ainda mais as usinas termelétricas do Pecém. O complexo em Santa Catarina opera há mais de 60 anos na queima de carvão mineral para a geração de eletricidade.

A entrada da Diamante pode trazer um protagonismo local, já que é uma empresa do Brasil, para a usina termelétrica do Pecém, trazendo também expertise operacional de outras termelétricas que ela possui. Isso pode ser passos que estão sendo dados com essa aquisição.
Raphael Amaral
Professor do departamento de Engenharia Elétrica da UFC

Em um contexto de uma menor emissão de poluentes e da transição energética, já anunciados pela Energia Pecém em 2024, Raphael Amaral projetou que pode estar no radar a transição da termelétrica, da queima de carvão para o beneficiamento do gás natural.

"(A chegada da Diamante) traz investimentos inclusive para uma possível transição de carvão para gás natural, que diminui inclusive a emissão de poluentes, já que o gás natural emite a metade do que o carvão emite em poluentes, trazendo agilidade para que cada vez mais ela seja acionada para a estabilidade do sistema elétrico, já que uma transição dessa, de carvão para gás natural, seria bem mais vantajosa para a usina do Pecém", evidenciou.

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