Mudança no rol da ANS vai deixar os planos de saúde mais caros? Entenda

Decisão judicial que desobrigou a cobertura de tratamentos fora do rol da ANS ocasionou duros efeitos econômicos para pacientes com doenças raras

Escrito por Bruna Damasceno , bruna.damasceno@svm.com.br
Personagens
Legenda: Família teme não conseguir custear o tratamento do filho após a decisão
Foto: Kid Jr / SVM

Agora que os planos de saúde não são mais obrigados a cobrir tratamentos que não constam na lista da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), clientes desses serviços devem ser obrigados a desembolsar valores maiores para suprir suas necessidades de atendimento médico. 

Isso porque pode ser necessário o pagamento opcional de cobertura ampliada ou aditivo de contrato para os procedimentos extras. Pessoas com doenças raras serão as mais impactadas.

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Na última quarta-feira (8), o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o rol da ANS deve ser taxativo. Isso significa que, em tese, as empresas estão amparadas pelo órgão para recusarem os pedidos fora da listagem.

Dessa forma, os recursos terapêuticos passam a ser pagos pelo próprio consumidor. Contudo, a decisão prevê três condições para tratamentos não contemplados no rol. São elas:

  • Não haver tratamento substituto para o paciente;
  • A comprovação de que o modelo é eficaz e tem respaldo científico;
  • As recomendações de órgãos técnicos de renome nacional e estrangeiro.  

A situação pesará no orçamento dos consumidores que já devem sentir reajuste de até 15,5% dos planos de saúde individuais neste ano, o maior em 22 anos.

Em alguns casos, os custos a mais são inviáveis economicamente para famílias que dependem de terapias para a sobrevivência, como a da fisioterapeuta Juliana Monteiro, de 30 anos. 

Ela e a esposa, a maquiadora Denilza Monteiro, de 30 anos, são mães do João Miguel, de um ano e sete meses, que nasceu com a síndrome rara de Fires. A criança tem encefalite autoimune e neutropenia congênita, necessitando do atendimento médico domiciliar e outras terapias. 

As mães encararam uma batalha judicial de dois meses, incluindo quatro liminares, até o STJ determinar que o plano de saúde pagasse o chamado ‘home care’.

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“Mesmo antes da votação, a operadora entrou com o pedido de anulação do 'home care' alegando o rol taxativo...Graças a Deus, a justiça foi feita pelo STJ”, relembra Juliana. 

“A gente acompanhou a votação e, a cada voto a favor desse absurdo que é o rol taxativo, era uma facada que recebíamos. Foi muito choro, muito desespero, muita dor”, relata. 
Juliana Monteiro
Fisioterapeuta e mãe do João Miguel

Agora, a família teme que a vitória judicial seja revertida e que outros procedimentos para a criança não possam ser cobertos pelo plano.

“O nosso maior desespero também foi saber que o meu filho precisa fazer um tratamento therasuit, que custa R$ 35 mil. Estávamos esperançosos de conseguir pela Justiça. Isso dói demais. Ou seja, o meu filho não perdeu 'home care' ainda, mas perdeu tratamentos”, lamenta. 

therasuit é voltado para a reabilitação motora, mas João também precisa de terapia visual e ocupacional. Além disso, é necessário o uso do quimioterápico mabthera (rituximabe), que não está no rol da ANS. Duas ampolas do medicamento custam R$ 4, 7 mil. Ele precisa de quatro.

“Não é só o meu filho com síndrome rara, as crianças com autismo, as pessoas com câncer, o Brasil inteiro perde com essa decisão, porque você não sabe o dia de amanhã. Se hoje eu descobrir que tenho um câncer, eu não tenho tratamento. Quantas pessoas vão morrer esperando?”, questiona. 
Juliana Monteiro
Fisioterapeuta e mãe do João Miguel

“O rol taxativo mata, é assassino. É um assassinato à saúde privada do Brasil. Atinge todos os brasileiros”, complementa. 

A mudança deixará os planos de saúde mais caros?

Na prática, a decisão não abre margem para alterações de valores, mas a cobrança desses serviços por fora elevará as despesas com saúde das famílias. As empresas afirmam que a medida pode, na verdade, aliviar os custos, segundo a Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge).

“Quanto ao aumento de valor, é exatamente o contrário, a decisão do STJ deverá trazer mais segurança para o conjunto de beneficiários, pois o acesso à saúde das pessoas será garantido com base em evidências científicas sólidas, seguras, eficazes e equilibradas”, afirmou, em nota.

Para o advogado Gerson Sanford, membro da Comissão de Defesa do Consumidor da Ordem dos Advogados do Brasil no Ceará (OAB-CE), apesar de as operadoras alegarem que essa previsibilidade deve diminuir o percentual de reajuste em 2023, não há garantias sobre isso. 

Ele exemplifica que o mesmo argumento foi utilizado pelas companhias aéreas para cobrar pelo despacho de malas, ainda em 2020, mas não se refletiu na diminuição do preço para o consumidor final, após dois anos da mudança. 

O Diário do Nordeste questionou à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) sobre como ficarão as fiscalizações sobre as cobranças de serviços extras. Em uma extensa nota, o órgão trouxe informações sobre a decisão, o que é o rol e a taxatividade e as exceções definidas no julgamento. Contudo, não respondeu ao questionamento.

"Importante ressaltar que a Agência vem aprimorando sistematicamente o processo de atualização do rol, tornando-o mais ágil e acessível, bem como garantindo extensa participação social e primando pela segurança dos procedimentos e eventos em saúde incorporados, com base no que há de mais moderno em ATS - avaliação de tecnologias em saúde, primando pela saúde baseada em evidências", afirmou a ANS no comunicado.

Todavia, por telefone, o órgão informou que as fiscalizações são papel da ANS e permanecem ocorrendo.

Por que os custos podem subir?

Os beneficiários que travam uma luta contra uma doença que não consta no rol terão de lidar com negativas frequentes do plano – que estarão resguardados pelo ANS para isso.

Portanto, haverá três opções: pagar do próprio bolso, recorrer ao Sistema Único de Saúde (Sus) ou ingressar com uma ação na Justiça. 

“Tende a elevar o preço porque, se precisar além, terá que comprar mais serviços…A mudança vai, na verdade, gerar uma maior judicialização e quantidade de negativas”, explica Gerson Sanford. 

Os consumidores ainda poderão entrar na Justiça para ter o tratamento pago pelo plano?

Sim. O advogado Gerson Sanford explica que as judicializações podem continuar ocorrendo, além das exceções. 

Ele orienta os seguintes procedimentos para o paciente que busca atendimento pelo plano para tratamentos fora do rol da ANS:

  • Primeiro, busque a operadora para um diálogo, pois a decisão de custear procedimentos fora do rol vai depender de cada uma;
  • Caso o plano de saúde negue o serviço, procure a ouvidoria da empresa de maneira formal e escrita;
  • Caso o problema persista, busque um advogado particular ou via defensoria pública para recorrer judicialmente. Neste caso, destaca, o relatório médico precisa estar "muito bem fundamentado, mostrando ter respaldo científico e que o tratamento é insubstituível";
  • Em casos mais urgentes, o processo judicial deve ser a primeira etapa, mas não impede que as demais sejam feitas paralelamente.

E como fazer quem não pode esperar pela reposta da Justiça?

Familiares e pacientes que têm recursos podem arcar com o tratamento para não esperar e depois solicitar o ressarcimento ao plano, sabendo da possibilidade de recusa ou perda da causa. 

Quais serão os impactos da mudança? 

Para Sanford, os consumidores serão duramente prejudicados, além da pressão para o Sistema Único de Saúde (SUS).  

"As operadoras vão se sentir mais à vontade para aumentar a negativa de tratamento. Outra coisa é que já há uma lentidão para chegarem os medicamentos para doenças raras no Brasil. Agora, vão demorar muito mais e essas terapias novas não são necessariamente mais caras. Outro ponto é que esses tratamentos que não serão cobertos vão onerar o SUS", enumera. 

Como o impacto chega ao Ceará?

O advogado Gerson Sanford, membro da Comissão de Defesa do Consumidor da Ordem dos Advogados do Brasil no Ceará (OAB-CE), acredita que o impacto será ainda maior por haver duas grandes operadoras que dominam o mercado local.  

"Os consumidores ficam sem muito opção. É mais fácil essas empresas sentarem numa mesa e decidirem como vão fazer, acordarem serem radicais e não fornecerem nada fora do rol. Há pouca concorrência", pondera. 

Atualmente, há 695 operadoras de planos de saúde médico-hospitalares com beneficiários, no Brasil, segundo a Abramge.

Como buscar atendimento jurídico gratuito? 

As famílias podem procurar a defensoria pública. Veja os contatos abaixo:

Núcleo de Defesa do Consumidor (Nudecon)

Núcleo de Defesa da Saúde (Nudesa) 

  • WhatsApp: (85) 98895-5436 (Demandas de saúde em geral)
  • WhatsApp: (85) 98433-0004 (Exclusivo para demandas de vaga em leito de UTI, transferência hospitalar e pacientes oncológicos).

 

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