'Flexibilidade para mães': mulheres ganham a vida como motoristas de app para público feminino
Mulheres encontram na atividade uma forma de aliar a composição de renda à flexibilidade para criar filhos e priorizam aplicativos especializados para terem mais segurança
Seja pela dificuldade em arranjar um emprego formal ou pela possibilidade de construção de uma rotina mais flexível, os aplicativos de transporte se mostraram como uma opção para composição de renda para mulheres.
Diante dos riscos enfrentados por mulheres motoristas que transportam passageiros, aplicativos feitos por e para mulheres têm se difundido. No Ceará, os aplicativos Lady Driver e Táxi Girl são opções especializadas para o transporte feminino.
Veja também
A Uber e a 99 também criaram opções para possibilitar que as motoristas escolham apenas passageiras, o U-Elas e o 99 Mulheres.
Conforme a professora de economia da Universidade Federal do Ceará (UFC) Sobral, Alessandra Benevides, os aplicativos de transporte facilitam acesso à renda para as mulheres, que têm maior dificuldade de ingresso no mercado de trabalho. Apesar da maior facilidade, a atividade tem a desvantagem da precarização do trabalho.
Opções criadas para mulheres
Sócia-administradora do aplicativo Táxi Girl, Emanuela Aragão conta que decidiu criar a opção de transporte especializada após se decepcionar com a experiência em outros aplicativos como passageira.
A ideia surgiu há cerca de 1 ano, após passar por constrangimento em uma corrida por aplicativo, e ouvir tantos relatos de amigas que passaram por situações ainda piores e outras que abrem mão de compromissos pelo medo de sofrerem algum tipo de violência, seja verbal ou física nos seus deslocamentos".
O aplicativo entrou em operação no início de julho apenas em Fortaleza, mas há planos de expansão para a região metropolitana. Emanuela destaca que, além da segurança para as motoristas, a ferramenta se diferencia pela possibilidade de resgatar o dinheiro com liquidez imediata, taxas fixas sem variação e preço competitivos no mercado.
O aplicativo paulistano Lady Driver, também especializado, chegou a Fortaleza em novembro do ano passado, com 11 mil clientes, 700 motoristas cadastradas e 300 aprovadas para iniciar o serviço.
O Diário do Nordeste buscou contato com responsáveis pela plataforma, mas não conseguiu respostas.
Flexibilidade para mães
A motorista de aplicativo Lenice Rocha, de 42 anos, é uma das motoristas do aplicativo Táxi Girl. Ela começou a dirigir no transporte particular em outubro do ano passado, após ficar desempregada.
Ela começou no transporte misto e até hoje também transporta homens em outras plataformas, mesmo se sentindo mais segura transportando mulheres. Lenice considera que a rede de apoio de motoristas mulheres a ajuda a exercer a atividade.
Foi muito bom, porque existem mulheres no mercado e a gente tem muita dificuldade, uma delas é por exemplo, fazer xixi. Acontece às vezes de você chegar em um posto e, mesmo você comprando alguma coisa, não quererem dar a chave. Quando eu entrei, deram todo esse suporte de dicas de segurança, melhores lugares para parar".
A renda tirada dos aplicativos de transporte é importante para ela poder sustentar seus três filhos, de 16, 13 e 4 anos. Ela segue em busca de um emprego formal na área de administração, em que é formada, mas pretende continuar dirigindo para complementar renda mesmo após conseguir um emprego.
Para Lenice, a flexibilidade de fazer o próprio horário a ajuda a manter a rotina de cuidado com a casa e com os filhos sendo mãe-solo. Normalmente, ela tira as terças e quartas-feiras para folgar, já que são dias de menor movimento.
“Consigo parar para deixar as crianças na escola, almoçar com eles, deixar no médico. Esse é o lado bom, a flexibilidade para você que é mãe, consegue conciliar”, aponta.
Sobrecarga de trabalho
A motorista de aplicativo Daniele Moraes, de 39 anos, trabalha na atividade desde 2018 e optou por dirigir apenas para a Uber, não distinguindo passageiros homens e mulheres.
A atividade profissional foi a solução para que ela conseguisse uma forma de renda após seu ex-marido a deixar com duas filhas, de 10 e 8 anos, enquanto ela se recuperava de um câncer.
Hoje a família mora na casa dos pais de Daniele, mas todo o sustento das crianças vem completamente da renda do aplicativo. Para conseguir manter o padrão de vida da família, ela precisou aumentar a carga de trabalho.
Eu costumo fazer uso das 12 horas rodadas que o aplicativo me dá. Na maioria das vezes saio de casa 4h e costumo voltar para casa quando faço 12 horas rodadas, que em termos reais pode ser 15, 16 horas. Na terça e quarta eu rodo para cumprir tabela, são dias mais fracos".
Os longos períodos em trabalho acabaram afastando Daniele das filhas nos últimos dois anos. A motorista planeja diminuir o ritmo para poder ter mais tempo para as filhas e, no futuro, concluir a graduação em direito que foi deixada quando ela estava no 7º semestre.
Condições de trabalho
Alessandra Benevides destaca que as mulheres naturalmente têm maior dificuldade de entrar no mercado de trabalho. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), a taxa de desocupação no primeiro semestre foi de 13,7% para mulheres e de 9,1% para os homens.
Devido à facilidade de ingresso, o trabalho de transporte por aplicativo tem atraído mulheres.
“Dado que tem uma taxa de desocupação maior para mulheres que para homens e não há nenhum impedimento para que as mulheres entrem nesse mercado, isso leva que muitas mulheres tentem obter alguma renda para sua família dentro desse setor”, explica.
Ela ressalta que esse é um modelo de trabalho informal e que traz vulnerabilidades, apesar da vantagem da flexibilidade, sobretudo para mães.
“A principal vantagem é essa flexibilização, tem uma barreira para entrada muito baixa. Mas, como todo mercado informal, tem a precarização. Tem pessoas trabalhando mais de 40 horas semanais para obter um salário menor do que se obtinha há 3 anos, 5 anos”, pontua.