Cabos de internet na Praia do Futuro estão em ‘situação crítica’, avalia Anatel
O presidente da agência, Carlos Baigorri, falou sobre os riscos de um possível comprometimento da internet na América do Sul, em decorrência de eventuais danos ao hub de fibra óptica em Fortaleza
Após a polêmica envolvendo a usina de dessalinização, o presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), Carlos Baigorri, voltou a falar sobre os riscos de um possível comprometimento da internet na América do Sul, em decorrência de eventuais danos ao hub de fibra óptica em Fortaleza. Para ele, ainda é necessária a criação de uma área de proteção para os equipamentos.
“Hoje, a infraestrutura crítica mais importante no setor de telecomunicações é os cabos submarinos que chegam todos à Praia do Futuro”, disse, em entrevista ao site Convergência Digital. A declaração foi feita durante o evento Cyber.Gov, em Brasília, no dia 22 de outubro.
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Anteriormente, contudo, o conselheiro da Anatel, Vicente Aquino, e o governador Elmano de Freitas (PT) haviam afirmado que a questão já estava resolvida com a mudança da usina de dessalinização.
O governo, inclusive, anunciou planos para criar uma Zona de Processamento de Exportação (ZPE) na região para atrair mais empresas de tecnologia. Essas falas foram pronunciadas em um evento que marcou o início da construção do segundo data center da empresa V.tal na região, em 17 de outubro.
Diante desse cenário, tanto a Anatel quanto o Ministério das Comunicações foram contatados, mas até o momento não tivemos nenhuma resposta. Aguardamos um posicionamento para atualizar esta matéria.
Já Aquino, quando questionado sobre suposta divergência de suas opiniões com as do presidente da Anatel, afirmou, em nota, que suas falas complementavam o posicionamento do órgão.
“Os riscos que envolviam a construção da usina de dessalinização foram, de fato, afastados, graças à hábil solução política encontrada pelo governador do Ceará, Elmano de Freitas”, informou.
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Segundo o texto, a declaração de Baigorri foi “no sentido de ressaltar a importância dos cabos para as telecomunicações, assim como apontar a necessidade de essa infraestrutura estar adequadamente protegida. Isso porque eventual rompimento ou destruição desses cabos pode causar sério impacto social, econômico e político”.
No entanto, acrescentou, "essa solução não afasta a natureza de infraestrutura crítica que os cabos detêm para conectividade do Brasil e da América do Sul'.
Presidente da Anatel reafirma que infraestrutura da Praia do Futuro é crítica
Durante entrevista mencionada no início desta reportagem, Baigorri afirmou ser importante haver conhecimento sobre a "infraestrutura crítica" da Praia do Futuro para protegê-la.
“Tivemos um debate ao longo dos últimos anos que chegou em um resultado de proteção dessas infraestruturas com o estado do Ceará e a prefeitura de Fortaleza. Chegamos a um bom termo, mas precisamos garantir a proteção dessa infraestrutura crítica para garantir que ela não seja prejudicada ou danificada, e que possa continuar atendendo à sociedade brasileira”, avaliou.
“No caso concreto da praia do Futuro, parece mais uma decisão de ir lá proteger, colocar uma grade, alguma proteção militar, alguma medida de proteção mesmo. Mas aí é uma decisão executiva para proteger aquela infraestrutura", completou.
O Diário do Nordeste entrou em contato com o Governo do Ceará para obter informações sobre o diálogo com a Anatel, mas não recebeu resposta até o momento da publicação.
A Conexis, entidade que reúne as principais empresas de telecomunicações e de conectividade, também foi procurada, sem sucesso. Quando as respostas forem enviadas, esta matéria será atualizada.
Quais são os riscos de apagão da internet
O especialista em telecomunicações e presidente da consultoria Teleco, Eduardo Tude, apontou haver uma grande concentração de fiação submarina, mas destacou ser necessário avaliar os possíveis impactos com mais cautela.
“Salvo um cataclismo, eventos na Praia do Futuro dificilmente afetariam todos os cabos submarinos. Existe a necessidade de cuidado, claro, mas não é que o Brasil ficaria sem internet”, ponderou, dizendo que um problema em São Paulo, por exemplo, seria mais crítico para a conectividade na América do Sul.
Conforme o vice-Presidente de Relações Institucionais da Claro, Fabio Andrade, a discussão principal é sobre isolar a estrutura para evitar danos. "Tem de ser uma área com certo cuidado, onde não possa chegar uma pessoa e fazer uma barraca, outra e fazer um bar, construir um prédio, pois expõe toda a infraestrutura de internet do País", disse.
“Não precisa colocar grade, mas deve ser denominada como área militar para qualquer tipo de intervenção e projeto urbanístico que passar por lá seja submetido a essa visão estratégica militar de proteção”, reforçou.
Entretanto, para o professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) e doutor em Ciência da Computação, João Henrique Corrêa, é fundamental encontrar um equilíbrio para a convivência entre ocupação urbana e desenvolvimento tecnológico.
“Os cabos estão lá desde o início da internet brasileira, com toda a parte da cidade. A Praia do Futuro não está começando a receber infraestrutura agora”, observou.
"Não podemos esquecer que as empresas escolheram esse ponto estratégico devido à mão de obra qualificada e próxima, bem como à infraestrutura urbana necessária. Portanto, pensar em separar isso é uma grande discussão que deve avaliar todos os pontos para se chegar a uma solução, sem deixar de lado a parte urbana e humana", frisou.
Entenda o impasse da usina de dessalinização
No ano passado, a escolha do local para a construção da usina de dessalinização gerou controvérsia devido à possibilidade de impactos no principal hub de cabos de fibra óptica da região. Segundo as empresas de telecomunicações, havia o risco de comprometimento da conectividade com a África, Europa, América do Norte, Central e do Sul.
À época, a Anatel considerou insuficiente o afastamento inicial de 500 metros proposto pela Cagece, alegando o risco de "erosão e perturbação da sedimentação marinha em decorrência da instalação das tubulações do emissário e da captação".
Em outubro do ano passado, quando a discussão sobre a mudança da usina estava mais intensa, o presidente da Companhia de Água e Esgoto (Cagece), Neuri Freitas, afirmou que mudá-la de lugar custaria até R$ 201,5 milhões a mais aos cofres do Ceará.
Em junho deste ano, após essa longa disputa, o Governo do Ceará decidiu mudar a usina para uma localização próxima à anterior, mas longe o suficiente para evitar os impactos aos cabos.
Veja proposta da Anatel para a segurança dos cabos
No fim do ano passado, no contexto das discussões acerca da usina de dessalinização, conselheiros da Anatel publicaram um artigo sobre a política de segurança para a infraestrutura de cabos submarinos. Dentre os pontos sugeridos, estão:
- Vigilância e Patrulha Marítima: reforçar a vigilância marítima para detectar e prevenir potenciais ameaças aos cabos submarinos;
- Cooperação Internacional: promover a colaboração com outras nações e operadoras de cabo para compartilhar informações e recursos na proteção de cabos submarinos;
- Parcerias Público-Privadas: envolver-se com empresas privadas que operam cabos submarinos para promover práticas de segurança e investir em tecnologias avançadas de monitoramento, aprimorando a qualidade das informações sobre capacidade e quantidade de dados trafegados nos cabos submarinos no Brasil;
- Auditorias de segurança e monitoramento contínuo: realizar auditorias regulares para avaliar a eficácia das medidas de segurança e identificar áreas que precisam de maior atenção, além de estabelecer sistemas de monitoramento contínuo para identificar e responder rapidamente a ameaças potenciais;
- Medidas de segurança cibernética: implementar medidas robustas de segurança cibernética para proteger contra ataques cibernéticos que comprometam a integridade dos cabos;
- Criptografia de dados: garantir criptografia robusta para proteger os dados transmitidos por cabos, propiciando uma comunicação segura;
- Firewalls e proteção contra malware: utilizar firewalls e software para proteger os sistemas contra ameaças cibernéticas;
- Estudos de resiliência: fundamental para garantir a segurança e a estabilidade da infraestrutura crítica de comunicações no Brasil, salvaguardando a integridade dos serviços essenciais e contribuindo para o desenvolvimento sustentável do país;
- Diversificação e redundância de rotas: investir em rotas alternativas e em redundâncias para minimizar o impacto das interrupções de cabos;
- Isolamento de rede: segmentar as redes para limitar o acesso, evitando que o comprometimento de uma parte afete todo o sistema;
- Resposta rápida a incidentes: desenvolver protocolos de resposta rápida a incidentes para prontamente mitigar danos ou interrupções;
- Educação e conscientização: promover a conscientização sobre a importância estratégica dos cabos submarinos tanto para o público em geral como para o corpo técnico envolvido em sua operação;
- Revisão da Legislação: atualizar e fortalecer regularmente a legislação relacionada à proteção de cabos submarinos, impondo penalidades rigorosas para atividades ilícitas, sem prejuízos de outras medidas não sancionatórias de cunho responsivo;
- Indústria nacional: avaliar a viabilidade em se estimular a entrada do Brasil no mercado de cabos submarinos de longa distância.