Parada há 10 anos, expansão bilionária do Golf Ville vira alvo de guerra judicial
Construtora Colmeia, responsável por erguer o empreendimento, e Brisa Empreendimentos Imobiliários, dona do terreno, travam disputa sobre o resort residencial, cujas obras de expansão estão paradas há 10 anos. Entenda o impasse.
O condomínio Golf Ville Resort Residence, no Porto das Dunas, em Aquiraz, está no epicentro de uma guerra judicial multimilionária entre a construtora Colmeia e a Brisa Empreendimentos Imobiliários.
As duas empresas foram parceiras de um consórcio na construção das primeiras etapas do condomínio, mas romperam relações e agora travam uma acalorada batalha que envolve cifras vultosas.
Etapas seguintes valem mais de R$ 1 bilhão
Um dos mais famosos empreendimentos imobiliários do litoral cearense, o Golf Ville estacionou na metade do projeto original. Há 10 anos, as etapas de expansão do resort residencial estão paradas por conta do impasse entre as duas partes.
Inicialmente, o projeto contemplava 207 mil metros quadrados de área de vendas, dos quais apenas 102 mil m² foram entregues. Os 105 mil m² restantes, praticamente a segunda metade, valeriam em torno de R$ 1,2 bilhão.
No acordo firmado, a Colmeia, responsável pela construção, ficaria com dois terços das receitas do empreendimento e a Brisa, detentora do terreno, com o terço restante.
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Dívida de R$ 11 milhões gerou impasse
O imbróglio começou durante a crise econômica do Governo Dilma Rousseff, que atingiu em cheio diversas construtoras brasileiras. Em meio à conclusão das fases que hoje estão erguidas, a Colmeia se viu descapitalizada e então recorreu à Brisa para captar dinheiro.
"Nós precisamos de recursos para concluir o empreendimento, então, foi proposto ao Hermenegildo (Florêncio, dono da Brisa) que investisse R$ 11 milhões", conta o presidente da Colmeia, Otacílio Valente.
O montante foi concedido à Colmeia em três parcelas (duas de R$ 5 milhões e uma última de R$ 1 milhão). Segundo a Brisa, os valores nunca foram restituídos.
Essa dívida marcou o nascedouro de um embaraço que já dura uma década.
"O advogado (da Brisa) dividiu o terreno em seis módulos. Cada módulo seguinte seria autorizado depois que o anterior fosse concluído, para que a terra não fosse transmitida toda para nós de uma vez só, pois isso aumentaria o risco para eles", detalha Valente.
Segundo ele, a Brisa interrompeu a transferência desses terrenos e, assim, inviabilizou a sequência das obras de expansão.
Já os representantes da Brisa defendem que os repasses das terras cessaram porque a Colmeia estava inadimplente com as etapas anteriores. Nesse caso, o contrato previa a interrupção até que as pendências fossem sanadas.
Atrito é levado à Justiça; Colmeia vence 1ª batalha
Após anos de imbróglio, o assunto foi levado à Justiça. Tramita na Câmara Arbitral da Fiesp (Federação das Indústrias de São Paulo) o processo que definirá os termos a serem seguidos por cada uma das partes, devendo por fim ao litígio. Detalhes da ação não podem ser divulgados em virtude de uma cláusula de sigilo.
Em outro capítulo da guerra judicial, a Brisa ingressou com ação de pedido de falência da Colmeia, em junho deste ano, na 3ª Vara Empresarial, de Recuperação de Empresas e Falências do Estado do Ceará. O objeto do pedido era uma dívida alegada de R$ 38 milhões.
Na última quarta-feira (23), a ação foi julgada improcedente pelo juiz Daniel Carvalho Carneiro, configurando uma vitória para a Colmeia.
Os executivos da Colmeia afirmam que o pedido de falência foi uma "irresponsabilidade e aventura" da Brisa, que estaria, de acordo com a construtora, usando a ação puramente para macular a imagem da Colmeia e alarmar a opinião pública. A Brisa nega.
Em nota, a Colmeia reforça que "possuiu créditos com a Brisa em valores três vezes maiores do que os pedidos na Ação de Falência".
"O juízo da 3ª Vara considerou não haver pressupostos necessários para a ação iniciada pela Brisa Empreendimentos Imobiliários Ltda. Além da extinção do processo, o magistrado da Vara de Falência determinou que a Brisa deve pagar custas processuais e honorários sucumbenciais no valor de R$ 3,8 milhões", destaca a Colmeia. Leia ao fim da matéria a nota da Colmeia na íntegra.
Versões dissonantes
Por sua vez, a Brisa, no processo que tramita em São Paulo, cita pontos nos quais a Colmeia e a Favo (nome de outra empresa do grupo) estariam supostamente inadimplentes.
"Em uma reunião em 2018, a Colmeia fez mea-culpa e assumiu estar inadimplente às questões e prometeu apresentar as soluções, mas não o fez", diz Gabriel Garcia de Carvalho, advogado da Brisa e integrante da família detentora do terreno.
Entre esses pontos elencados pela Brisa, estão a não entrega de unidades para clientes e para a própria Brisa; o montante de R$ 3,8 milhões do consórcio que não foram repassados à Brisa; e o fato de não terem sido baixadas as hipotecas dos clientes, o que, segundo a Brisa, motivou 120 ações judiciais de compradores.
Já a Colmeia afirma ter sido prejudicada, pois depositava nas fases restantes do condomínio a maior parte de sua expectativa de faturamento, podendo totalizar até R$ 300 milhões de lucro, considerando que o projeto total hoje teria um VGV superior a R$ 2 bilhões.
A construtora também argumenta que foi lesada, pois arcou com os custos das áreas comuns, que foram entregues juntamente às fases iniciais do Golf Ville, incluindo campo de golfe, piscina, club house, quadras e infraestrutura geral.
"As duas primeiras etapas equivalem à metade do empreendimento, mas nós construímos 100% da área de lazer. Não tem meio campo de golfe, meia portaria. Então, o lucro que a gente deveria ter tido nas duas primeiras etapas, nós empregamos lá dentro, com a promessa de que tiraríamos no lançamento das etapas seguintes. E ficou uma situação complicada, porque a gente quer lançar as próximas etapas, porque era o negócio original. Então, quem vai nos pagar pela metade do campo de golfe, dos clubes, restaurantes, piscinas e toda a estrutura?", questiona Ronaldo Barbosa, diretor financeiro da Colmeia.
Segundo os executivos da construtora, a Brisa teria "tomado gosto" pelo negócio da incorporação, motivo pelo qual, sustentam eles, estaria "cozinhando" a Colmeia ao não repassar os terrenos seguintes.
As teses são refutadas pela Brisa, segundo a qual Colmeia/Favo faturaram mais de R$ 400 milhões e construíram as áreas comuns, pois isso se tratava de uma mera uma obrigação contratual. "Pergunte a qualquer morador do Golf Ville se a piscina existente é suficiente, se o Club House é suficiente, se a portaria é suficiente", provoca Gabriel.
"A Brisa nunca quis ser incorporadora do Golf Ville. Nós fizemos esse contrato com o intento de ter uma parceira. Veja o tamanho da Colmeia e o tamanho da Brisa. Compare. A Brisa nunca quis que a Colmeia saísse do negócio. A briga não é porque a Brisa tomou gosto pelo negócio e sim por inadimplência. A cada dia, a Brisa fica no prejuízo. Todo mês nós perdemos milhões", reclama o advogado.
Apartamentos da Brisa valem R$ 90 milhões
Segundo Victor Florêncio, diretor da Brisa, a empresa está "refém" da Colmeia, pois, além de não receber dívidas atrasadas, não consegue vender suas 74 unidades do Golf Ville, porque, diz ele, "a Favo não assina o compromisso de compra e venda com o cliente".
Tais apartamentos valem em torno de R$ 90 milhões, mas, conforme as regras estabelecidas no contrato do consórcio, as vendas só podem ser concluídas mediante assinatura da Favo e, segundo a Brisa, a outra parte se recusa a fazê-lo.
Os representantes da Colmeia/Favo negam.
Futuro do Golf Ville
Segundo Gabriel e Victor, o objetivo da Brisa é "ficar livre" para seguir o projeto do Golf Ville.
"A Brisa quer continuar a obra. Nós estamos, dia após dia, na angústia de não poder continuar o nosso principal negócio que é o Golf Ville. Ainda faltam quatro etapas. Meu tio Hermenegildo, que pessoalmente comprou esse terreno em 1973, é um senhor idoso. Infelizmente, a marcha do tempo é implacável. Meu sonho, como familiar, é que ele possa ver o Golf Ville tendo sua obra continuada no seu tempo de vida", desabafa Gabriel.
A Colmeia também manifesta o desejo de prosseguir com a construção e concluir o projeto previsto originalmente no contrato.
O destino do Golf Ville deverá ser definido nos próximos meses com a decisão da Câmara Arbitral.
Leia nota da Colmeia na íntegra
"A 3ª Vara Empresarial de Recuperação de Empresas e de Falências do Estado do Ceará, julgou extinto o processo de falência no qual a empresa Brisa Empreendimentos Imobiliários Ltda, requereu a decretação da falência da Construtora Colmeia.
Inicialmente, no ano de 2021, a empresa Brisa entrou com o pedido de execução judicial na 20ª Vara Cível de Fortaleza afirmando ser credora de valores provenientes do descumprimento de três contratos firmados com a construtora, mas que, na realidade, foram firmados com a Favo S/A Empreendimentos e Participações, tendo a Construtora Colmeia figurado no contrato como garantidora e responsável subsidiária. Tais contratos são referentes a empréstimo realizado para a construção da 1ª etapa do empreendimento Golf Ville, no Porto das Dunas. Por sua vez, a Favo alega que não efetuou o pagamento dos valores diante da cobrança de juros extorsivos e ilegais.
Acolhendo a tese da Favo, o juízo da 20ª Vara Cível de Fortaleza proferiu sentença afastando a aplicação do CDI dos três contratos, fazendo com que os juros abusivos respeitassem o patamar legal. A Brisa apelou da decisão e o processo segue aguardando julgamento no Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE).
Inconformada com a decisão no processo de Execução, a Brisa ajuizou pedido de Falência contra a Construtora Colmeia, que figura nos contratos como garantidora-fiadora da Favo. A ação foi distribuída para a 3ª Vara de Falência.
A Colmeia apresentou defesa e, no dia 23 de outubro deste ano, o processo foi julgado improcedente, e o pedido de Falência foi extinto. O juízo da 3ª Vara considerou não haver pressupostos necessários para o a ação iniciada pela Brisa Empreendimentos Imobiliários Ltda. Além da extinção do processo, o magistrado da Vara de Falência determinou que a Brisa deve pagar custas processuais e honorários sucumbenciais no valor de R$3,8 milhões.
As ações judiciais iniciadas pela empresa visam causar danos à imagem da Colmeia, uma vez que a construtora possuiu créditos com a Brisa em valores três vezes maiores do que os pedidos na Ação de Falência."