Bombons viram wafer para zerar imposto, mas comércio relata preços mais altos
Diário do Nordeste consultou os preços dos chocolates Sonho de Valsa, Ouro Branco e Serenata de Amor em pelo menos quatro bombonieres de Fortaleza. Comércio relata que, de 2019 para cá, preços subiram cerca de 25%. Empresas negam que a estratégia tenha finalidade tributária
As embalagens de alguns dos chocolates mais famosos do País sofreram algumas transformações a partir de 2019. Antes embrulhados em papel de bombom com as laterais torcidas, agora eles são vendidos em uma embalagem do tipo pacote. A mudança na imagem quase centenária dos chocolates parece ir além de uma questão de armazenamento ou estética, mas as empresas negam que a estratégia tenha qualquer finalidade tributária.
A transformação das embalagens possibilita a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) dos bombons de 5% para zero. Isso porque, com a nova apresentação, a classificação do item conforme a Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM), documento que norteia a aplicação da alíquota, passou de bombom para wafer.
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Enganou-se, porém, quem esperava que o alívio tributário se traduziria em queda nos preços dos chocolates no comércio. O Diário do Nordeste consultou os preços de alguns dos principais produtos que passaram pela mudança; Sonho de Valsa, Ouro Branco e Serenata de Amor em ao menos quatro bombonieres de Fortaleza. Os relatos convergem para o encarecimento ao longo dos últimos quatro anos. Em apenas um dos estabelecimentos pesquisados o preço se manteve.
Em geral, o Sonho de Valsa custa hoje cerca de R$ 1,25 a unidade, mas era vendido a R$ 1 nas mesmas lojas há quatro anos - quando a embalagem do produto mudou, em 2019, conforme relembram funcionários e proprietários dos estabelecimentos. O pacote de 1kg do bombom custa R$ 49,90.
Além disso, outro ponto relatado por um lojista que preferiu não se identificar é que os sacos estão vindo com uma quantidade menor de bombons. “Hoje é difícil achar um saco de Sonho de Valsa com 50 unidades. Normalmente vem 48, 49”, disse.
Procurada pela reportagem sobre o motivo da mudança, a Mondelez Brasil disse que a nova embalagem é para garantir "melhor conservação e crocância" do produto.
“A Mondelez International possui um portfólio de produtos com qualidade, diversidade de formatos, tamanhos e preços e atende os parâmetros estabelecidos pelas autoridades competentes”. Reforçou ainda que “o enquadramento de Sonho de Valsa e Ouro Branco é embasado na RDC da Anvisa, nº 263, de 22 de setembro de 2005”, diz a empresa.
A reportagem voltou a questionar a empresa sobre a relação entre a nova embalagem e os preços dos produtos e sobre a quantidade de bombons nos pacotes e espera posicionamento da Mondelez Brasil.
Serenata de Amor
A variação de preços é semelhante quando se trata do Serenata de Amor, que também custa R$ 1,25 a unidade e era vendido por R$ 1 há alguns anos. Uma das lojas disse que o preço do saco de 825g hoje custa R$ 36,90, mas já chegou a custar R$ 29,90.
A Nestlé foi questionada sobre a embalagem do Serenata de Amor, sobre o porquê da alteração e como se deu o processo, incluindo a estratégia de zerar o IPI e reajustes no preço. A compahia respondeu por nota, em nome da Chocolates Garoto, informando que a mudança "visa entregar ainda mais qualidade e durabilidade dos seus produtos para os consumidores".
A empresa afirmou ainda que "a nova embalagem é produzida com menos insumo e com o uso de material reciclável. A marca ainda reforça que a embalagem segue todas as normas estabelecidas pela legislação brasileira para indústria alimentícia". Contudo, não houve resposta às perguntas sobre o IPI e o preço.
Imposto sobre Produtos Industrializados
O advogado tributarista Anderson Julião explica que a prática de mudança na embalagem para zerar o IPI é legítima e se chama planejamento tributário. “Para tributos como o IPI e também no caso do ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços), há uma lista de produtos mais ou menos específica que define a sua alíquota. No caso do bombom, a incidência de IPI é de 5%. Do wafer é zero”, explica.
“E aí nós temos um caso bem conhecido de planejamento tributário hoje, que é o chocolate, que deixou de ser bombom para se tornar wafer na classificação NCM. Como a legislação tributária é muito complexa, ela deixa brechas para as práticas de planejamento tributário e isso foi feito. Não se trata de algo ilícito”, pontua o advogado.
Anderson Julião pontua que seria ilícito se as empresas estivessem, na verdade, criando uma situação fictícia para obter vantagem tributária. “Um exemplo é criar uma empresa de fachada para direcionar o faturamento. Isso seria uma situação fictícia para reduzir carga tributária”, acrescenta o advogado tributarista.
Percepção do consumidor
A mudança de embalagem de um produto consolidado pode gerar reações negativas do consumidor, mas na avaliação do presidente do Business, Marketing and Networking Institute (BMNI), não foi o que aconteceu com os produtos em questão. Ele explica que além da manutenção do sabor do produto, as marcas buscaram manter as principais características do pacote anterior.
“O que é a embalagem para o produto? Nada mais é do que a vitrine. A embalagem sofreu mudanças, mas não foi algo que chegou a fazer grande diferença na percepção do consumidor. Para quem compra, só houve uma mudança de embalagem e essa mudança não impacta”, detalha.
Para que uma empresa obtenha o mesmo sucesso ao decidir mudar a embalagem de um produto, sobretudo mais consolidado no mercado, é preciso que a marca reflita se ela não vai gerar uma mudança de valor. “Há produtos que se mostram através da própria embalagem. A forma como a embalagem é desenvolvida pode ajudar muito na venda do produto”, diz o presidente do BMNI.
Ele exemplifica que algumas embalagens passaram por mudanças nos últimos anos, com a redução na quantidade de produto, o que de fato gera uma percepção negativa entre os consumidores. “Se reduz o tamanho e o preço permanece, isso gera uma reação negativa”.