O que está por trás da não entrega do Hard Rock Hotel Fortaleza na Praia de Lagoinha?

Obra se arrasta há oito anos, no litoral oeste, e deixa marca desgastada entre consumidores do Ceará

Um grande resort de luxo, com piscinas, spa, espaço kids, lojas e a chancela de uma marca reconhecida internacionalmente. Essas são as principais características do Hard Rock Hotel Fortaleza, na Praia de Lagoinha, no município de Paraipaba, a 108 quilômetros (km) da Capital. 

Apesar de suntuoso, o empreendimento nunca saiu do papel e até hoje segue com obras atrasadas, frustrando milhares de compradores de cotas de multipropriedade e moradores locais, que viram na notícia de um hotel de bandeira internacional uma oportunidade de emprego e renda. 

O Hard Rock em Lagoinha se tornou um 'elefante branco', à medida que as obras se arrastam desde 2016, quando o empreendimento foi lançado. O contrato para a construção do Hard Rock Fortaleza foi assinado em 2014.

No início deste ano, a empresa Residence Club assumiu a construção e comercialização do empreendimento.

O fato ocorreu em meio a um processo do Programa Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor (Decon) do Ministério Público do Ceará, que multou a VCI - responsável pelo empreendimento - em R$ 12 milhões.

O motivo seria o descumprimento do Código de Defesa do Consumidor, em que é possível se pedir o distrato por não entrega do bem.

No último mês de setembro, uma nova construtora foi anunciada pela nova investidora. A escolhida é a WR Engenharia, que possui no currículo obras no Ceará e em outros estados do Nordeste, incluindo empreendimentos residenciais e comerciais.

Contudo, nenhuma nova data de entrega foi apresentada até o momento.

Quando tudo começou

Anunciado no fim de 2017 em matéria no Diário do Nordeste Hard Rock: R$ 181 mi em hotel e restaurante”, o empreendimento teria o investimento de R$ 170 milhões.

Naquela época, os outros R$ 11 milhões seriam usados para montagem de um restaurante, o Hard Rock Café, em um shopping de Fortaleza.

A obra do café estava prevista para julho de 2018 e acabou sendo inaugurada em março de 2019. Ou seja, também teve atraso, mas nada comparado ao que ocorre com o hotel.

Na sua concepção, o resort com a bandeira internacional usaria a estrutura existente do Lagoinha Suítes Resort, que pertencia ao grupo Fortal Lisboa, cujas obras estavam embargadas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

Porém, ao ser adquirido, o que era apenas um “esqueletão” abandonado na beira da praia teria “os documentos já regularizados para tocar a obra”.

Com isso, a inauguração do Hard Rock estava prevista para dezembro de 2020 e o início da venda das unidades para julho de 2018.

De todas as datas prometidas na época, a única cumprida foi a das vendas. Aliás, vale ressaltar que no site da incorporadora ainda há setor de vendas ativo, mesmo com a empresa sendo contestada na justiça por centenas de consumidores que se sentem lesados e enganados, já que a obra ainda não foi entregue.

Além disso, até o fechamento do Hard Rock Café, no shopping RioMar, ocorrido no último dia 30 de setembro, os consumidores que passavam pelo local costumavam ser abordados para ganhar uma refeição e ouvir a proposta de ser “proprietário de um imóvel e poder usufruir da rede de hotéis em todo o mundo”.

O empreendimento sempre foi pensando em ser multipropriedade, regime onde o comprador vira dono de uma pequena fração do imóvel.

Isso garantia o direito vitalício a uso do espaço por duas semanas ao ano, sem precisar pagar pela estadia.

O proprietário também tem a opção de alugar a unidade durante o seu período. Essa modalidade era uma aposta de captação rápida de recursos para, então, finalizar a construção.

As unidades compartilhadas custavam, em média, a partir de R$ 63 mil e o Valor Geral de Vendas (VGV) girava em torno de R$ 700 milhões.

Atrasos repetitivos e obra que pouco avança

Desde a sua concepção até o início deste ano, o empreendimento hoteleiro em Lagoinha pertencia a Venture Capital Participações e Investimentos (VCI).

O que foi explicado, também no lançamento do projeto, é que a VCI controlaria os investimentos, mas toda a operação da marca no Brasil ficaria diretamente a cargo da rede norte-americana.

Com pouco menos de três meses desde o lançamento do projeto, a empresa já noticiava que 65% da estrutura e 42% da alvenaria, já estariam concluídas.

Além disso, as obras de acabamentos internos do empreendimento estavam em 3%, instalações (1,5%), fachada (5,5%) e infraestrutura (22%).

Os prazos de entrega foram se esticando e, de 2020, passaram para 2021, depois 2022, fim de 2023 e, agora em 2024, não há previsão de quando ocorrerá, visto as imagens da obra, com prédio, casas e outras estruturas inacabadas.

Atualmente, imagens de drones disponíveis no YouTube mostram um novo pórtico construído no local.

As quadras poliesportivas parecem acabadas, assim como uma pista de skate e o que seria um vestiário da área de esportes.

A guitarra símbolo da marca norte-americana também foi instalada próximo de um dos muros do empreendimento, dando ideia de retomada.

Terreno estava em litígio em 2021

Com a notícia do primeiro atraso na entrega, quem havia adquirido uma fração de imóvel no empreendimento também foi surpreendido com um imbróglio com relação ao terreno.

De um lado estava uma imobiliária, antiga proprietária da área, alegando não ter recebido, desde agosto de 2018, parte das parcelas previstas pela venda do imóvel, totalizando, segundo ela, um saldo devedor de R$ 61 milhões.

Do outro, a empresa que investia no hotel da famosa franquia afirmava não haver pendências e que o pagamento está assegurado por um acordo entre as duas partes e um banco de garantias.

O assunto também foi noticiado pelo Diário do Nordeste à época.

O que pode estar por trás da não entrega do empreendimento

Uma fonte familiarizada ao assunto que não quis se identificar apontou em documento enviado à reportagem do Diário do Nordeste dois principais motivos para que a obra não tenha sido concluída até agora.

A primeira seria a pandemia, uma vez que o Ceará decretou lockdown completo, afetando os trabalhos no canteiro de obras.

O rigor do governo à época, segundo a fonte, teria feito, inclusive, que o empreendimento da bandeira no Paraná passasse na frente do projeto de Fortaleza - com previsão de entrega no começo de 2025.

Isso porque no Paraná não havia lockdown como no Ceará. 

"Isso elevou os custos e esses não puderam ser repassados aos co-proprietários. Também houve a necessidade de demitir e recontratar mais de 800 pessoas", informou a fonte. 

Em paralelo, a marca Hard Rock Internacional teria feito dezenas de exigências que foram deixando o relacionamento entre o grupo investidor brasileiro e o grupo norte-americano muito desgastado, segundo a fonte ouvida pela reportagem.

Um exemplo disso seria a negativa para a utilização de fornecedores brasileiros. "Eles batiam o pé para comprar produtos importados, o que atrasava ainda mais as obras e encarecia os custos. Numa época onde havia restrições de rotas e contêineres, essa logística para gerenciar a compra de mais de 40 mil itens ficou complicada".

A marca também teria exigido a contratação de uma equipe externa de monitoramento da obra. Pessoas teriam vindo de outros países, como México e República Dominicana.

Porém, esses mesmos profissionais não teriam autonomia para resolver as questões. Segundo levantamento da construtora contratada na época, a paulista Bueno Netto (BN), foram mais de 180 modificações solicitadas pelos norte-americanos, após o projeto já estar com status de aprovado. 

"A BN não aguentou as infinitas discussões causadas pelas exigências da Hard Rock, o que culminou em aditivos contratuais e um desgaste enorme. Por essa razão a BN desistiu da obra e a WR (Engenharia) assumiu".
Fonte familiarizada com o assunto
pediu para não ser identificada

O que diz a Residence Club sobre a obra e os atrasos

Em nota, a nova empresa administradora da obra em Lagoinha, a Residence Club, afirma que desde que assumiu, há 9 meses, o comando da empresa, iniciou o processo de reestruturação do negócio.

“Com apoio dos investidores, nós efetuamos uma análise profunda dos projetos vigentes e traçamos um plano para os empreendimentos atuais. Para o Residence Club at the Hard Rock Hotel Fortaleza, apesar das obras não terem sido interrompidas, nós contratamos recentemente a WR Engenharia, que está formatando o seu cronograma de obras para apresentação aos nossos clientes”. 

Contudo, a reportagem também questionou se há um novo prazo para o empreendimento ser entregue e se o empreendimento chegou a vender todas as cotas previstas para viabilizar a obra.

Além disso, também foi perguntado quantos contratos de aquisição firmados continuam em vigor e como a empresa avalia o processo de desgaste da marca no Ceará.

Até a publicação desta matéria, a empresa não respondeu. O espaço segue aberto para novos esclarecimentos. 

O que diz a Hard Rock Internacional

Procurada por meio de sua assessoria no Brasil, a marca Hard Rock Internacional se manifestou.  

Hard Rock International tem acompanhado de perto a situação da obra da propriedade em construção pela Residence Club S/A na Praia da Lagoinha, no Ceará. Nossa expectativa é de que a empresa possa oferecer o mais rápido possível um novo cronograma dos trabalhos para a própria Hard Rock International e demais envolvidos".
Hard Rock Internacional

No fim do mês de setembro, para a coluna de Victor Ximenes, a marca esclareceu que sua atuação na propriedade da Praia de Lagoinha começará "após a conclusão das obras e com foco na operação do hotel".

Segundo a empresa, a construção e a comercialização do imóvel, no modelo multipropriedade, "são de responsabilidade da Residence Club S/A".