Construtora de parque solar acusa multinacional por demissão em massa de funcionários no Ceará

Motrice afirma que projeto não foi concluído conforme previsto em contrato com a Lightsource bp. Multinacional diz estar "em dia com todas as obrigações contratuais com os seus fornecedores, parceiros e contratantes"

O imbróglio envolvendo a demissão de trabalhadores sem o pagamento de direitos trabalhistas do Complexo Solar Milagres, em Abaiara, no Cariri cearense, ganhou novo episódio. Dessa vez, o centro do problema abrange a Motrice, construtora brasileira responsável pelas obras do complexo, e a Lightsource bp, multinacional britânica proprietária do empreendimento. 

Segundo a Motrice, o projeto não foi concluído conforme previsto em contrato assinado com a Lightsource bp. Além disso, a construtora afirma que a multinacional não indenizou a empresa brasileira pelos prejuízos na implantação do projeto. 

"Passados mais de 7 meses desde o início da operação comercial do parque solar, a proprietária não indenizou a construtora pelos prejuízos incorridos na implantação do Projeto Milagres. Tal fato, comprometeu o fluxo financeiro de implementação do Projeto Milagres e inviabilizou a permanência da construtora", esclarece a Motrice.

Após longa e frustrada negociação, em 9 de julho de 2024, a construtora comunicou a rescisão do contrato de implantação do Complexo Solar Milagres por culpa da dona da obra, momento em que, naturalmente, iniciou o procedimento de desmobilização nos termos do contrato. Pelas regras contratuais, as despesas com a desmobilização, inclusive com relação aos colaboradores, são de responsabilidade da dona do empreendimento, já que foi ela que deu causa à rescisão do contrato de construção". 
Motrice

Questionada pela reportagem do Diário do Nordeste sobre as informações apresentadas pela Motrice, a Lightsource bp limitou-se a repetir informação já veiculada anteriormente, em que desmente a brasileira e pontua estar "em dia com todas as obrigações contratuais com os seus fornecedores, parceiros e contratantes".

Embora seja dona da Usina Solar Milagres, não foi a Lightsource bp quem executou as obras para início da operação do parque fotovoltaico. Para isso, a multinacional contratou a brasileira Motrice. Em 2022, foi revelada a construção do empreendimento no Cariri, com investimento total de R$ 800 milhões e geração de 800 empregos.

Parque solar em operação

Ainda em nota, a Motrice afirma que o parque solar está em plena operação comercial, com licença de utilização liberada a partir de dezembro do ano passado. O projeto prevê potência total instalada de 214 megawatts (MW).

"Há aproximadamente 8 meses, a proprietária do Projeto Milagres assumiu a posse e o controle do empreendimento, e passou, sem interrupções, a auferir receita com a venda da energia gerada pelo parque solar", explica a empresa.

Ainda segundo a companhia brasileira, os trabalhadores estavam mobilizados "apenas para finalização de atividades de acabamento e sem impacto na operação". O objetivo era entrar em acordo com a Lightsource bp "quanto aos custos adicionais que a Motrice suportou durante a construção" do parque solar.

Mesmo após a denúncia, a construtora brasileira expõe que "a proprietária não informou a respeito do pagamento dos custos de desmobilização". A Motrice, não entanto, não explicou como ficará a situação dos funcionários demitidos sem receberem as verbas rescisórias.

"O Complexo Solar Milagres figura entre os parques com melhor performance de geração de energia nos rankings do setor fotovoltaico. É o que se verifica (…) em canais institucionais da própria dona do empreendimento. A própria dona do empreendimento (…) demonstra que o Complexo Solar Milagres está em operação comercial, o que demonstra que a Motrice jamais abandonou as obras", destaca. 

No site da Lightsource bp, o Complexo Solar Milagres consta no estágio de "construção". O local, quando estiver em plena operação, deverá contar com cinco usinas fotovoltaicas e "vai gerar aproximadamente 460 mil megawatts-hora (MWh) por ano".

Entenda o caso

No fim de julho, cinco funcionários da Motrice relataram à colunista do Diário do Nordeste Ingrid Coelho que a empresa abandonou a obra e demitiu 126 trabalhadores sem o pagamento de salários e verbas rescisórias, como indenização de aviso prévio, multa de 40%, 13º proporcional e férias.

Segundo informações repassadas à reportagem, os trabalhadores relataram dívidas entre R$ 10 mil e R$ 24 mil. Como muitos dos demitidos estavam contratados entre um a dois anos, com carteira assinada, estima-se que a dívida da Motrice com os funcionários pode passar de R$ 1 milhão.

Na ocasião, a Lightsource bp disse estar "avaliando a extensão das obrigações deixadas pendentes pela Motrice para definir os próximos passos" após ser questionada se outra empresa assumiria as obras.

“Para além dos prejuízos que a Motrice causou diretamente à usina, a mesma também foi recentemente informada do não cumprimento de obrigações salariais da construtora para com seus colaboradores. A empresa informa que está buscando contato com a Motrice para mais esclarecimentos e exigindo que a construtora regularize a situação de pagamento dos colaboradores”, acrescentou a multinacional britânica.

O coordenador de fiscalização do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção de Estradas, Pavimentação e Obras de Terraplanagem em Geral no Estado do Ceará (Sintepav-CE), Archimedes Fortes, ponderou que foi protocolado junto ao Ministério Público do Trabalho no Ceará (MPT-CE) um pedido de mediação entre as empresas e os funcionários afetados.