"Não nasce mais uma pessoa como Rachel de Queiroz", diz amiga da autora, que a conheceu aos 9 anos
Próximo à fazenda Não Me Deixes, dona Alzenir Ferreira, de 77 anos, recorda convivência com a escritora e a construção da casa
Apenas uma cerca separa a propriedade de dona Alzenir Ferreira Lima e a Fazenda Não Me Deixes. É no alpendre da simpática senhora que um grupo de visitantes se reuniu, durante a última visita ao histórico refúgio de Rachel de Queiroz, para ouvir o que ela tinha a dizer sobre a convivência com a escritora, ainda na infância. Tinha nove anos quando visitava o local durante todas as tardes e, dali, ouvia um sem número de histórias arquitetadas pela literata em ritmo de tranquilidade.
Munido com meu bloquinho e gravador, ouvi dona Alzenir contar muito além das amenidades vivenciadas ali, na paisagem sertaneja tão abundante de fôlego. A memória da dona de casa de 77 anos de idade recorda ainda, de maneira infalível, dos primeiros tijolos colocados com vistas a erguer a Fazenda.
Tudo aqui era mato, sabe? Só existiam umas casinhas de moradores, que não é mais nenhuma dessas que tem aqui hoje. Aí, eu ia campear o gado à tarde, em outra fazenda, e passava aqui em frente, todo dia. Quando começaram a construção dessa casa, eu via tudinho. O pessoal cavando o alicerce, assentando tijolo, carregando pedra, fazendo aquele trabalho muito bem-feito. Tudo isso eu via. Quando foi de 1953 pra 1954, aconteceu a festa da inauguração da Fazenda. Festa grande. Isso aí a gente assistia tudo, porque a fazenda do meu pai era distante uns sete quilômetros daqui, e a gente vinha, a cavalo.
Dali para iniciar conversas com Rachel, foi um pulo. E elas trocaram muitas prosas, conforme rememora. "A dona Rachel era uma pessoa muito importante e bonita. Quando chegava gente na fazenda, todo mundo procurava por ela. E sabe por que gostavam de conversar com ela? Porque do jeito que ela recebia o pobre, recebia o rico. Ali tinha dia que tinha carro, cavalo, gente de todo jeito e de todo canto. Tudo cheio. Todos tinham que participar da merenda".
Desses momentos de convivência, o mais forte fica o balançar da rede no alpendre, dona Alzenir sentada no banquinho, Rachel perto, falando e ouvindo. Explicava minúcias: o porquê do nome da Fazenda, a trajetória dos antepassados, o que era do tempo de antes. Revelava também o apreço pela mata de sua propriedade, rica em espécies de árvores.
"Ela ficava quietinha ali, guardada. E dizia que, naquela terra, existiam muitas sementes dela, das coisas que nunca se acabam. Falava, 'vocês vão ver que, daqui pra frente, vai ser tudo verdade. E, quando virem, vão dizer: 'Bem que a dona Rachel disse'".
A bela conversa finaliza em tom de ânimo. "Não nasce mais uma pessoa como Rachel de Queiroz, não", acredita. E, como que chancelando o dizer, recita os versinhos que criou.
Não Me Deixes é um registro que não se acaba mais/ Gravado em outros tempos pela Rachel e seu pai/ Hoje eu volto a me lembrar da semente do passado/ Coisa que eu não consigo, mas que a Rachel me contava/ Hoje o presente é passado/ Eu escrevo na ciência/ E ainda hoje existe alguém que tem algo pra contar:/ Tem eu.