Vítima de poliomielite em 1962, enfermeira cearense alerta para sequelas: 'só andei aos 2 anos'

Conceição Saraiva é exemplo vivo das sequelas deixadas por paralisia infantil há 60 anos

Escrito por Nícolas Paulino , nicolas.paulino@svm.com.br
Legenda: Profissional utiliza o próprio caso para conscientizar mães e pais sobre a necessidade da imunização
Foto: Arquivo pessoal

O último registro de poliomielite no Ceará foi em 1988, no município de Crateús. Antes disso, porém, a chamada paralisia infantil deixou sequelas em centenas de crianças, impondo toda uma vida de privações e preconceitos.

Uma delas foi a fortalezense Conceição Saraiva, 60 anos, hoje enfermeira do Hospital Infantil Albert Sabin (Hias), referência na rede estadual no atendimento a crianças. Para ela, não foi coincidência parar na unidade, mesmo tendo prestado concurso para outras áreas.

As seis décadas seguintes de vida tiveram o destino traçado logo aos cinco meses de idade, quando ela começou a apresentar os primeiros sinais de paralisia da perna direita. Com o tempo, o membro não se desenvolveu corretamente e atrofiou.

Fiquei com mobilidade reduzida e só vim andar aos dois anos, depois de muito esforço dos meus pais para que eu tivesse acompanhamento médico. Durante toda a minha infância até a adolescência, passei por tratamento, usando botas ortopédicas, fazendo correções por causa de fraturas.
Conceição Saraiva
Enfermeira

Desde jovem, ela percebeu que viveria diferente de uma criança saudável. Tirando piadinhas aqui e acolá, ela assumiu a própria deficiência e se orgulha de sempre ter recebido conforto e acolhimento da família.

“Eu me sentia capaz. Até considero que a minha sequela não foi tão grave quanto a de outras pessoas que já vi e ainda vejo. Na minha época, com certeza havia surtos ou uma epidemia, porque lembro de mais de uma criança com sequelas na minha infância. Na minha rua, até tive um vizinho que ficou em situação mais grave”, lembra.

A vacina contra a pólio só foi incluída no Programa Nacional de Imunização (PNI) em 1978 e, em 1980, por meio da Campanha Nacional de Vacinação contra a Poliomielite, passou a ser disponibilizada para todo o território nacional.

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Exemplo nas campanhas

Ter a doença não definiu sua opção pela área da saúde, pela qual sempre teve afinidade, garante. Porém, Conceição acredita que desta forma conseguiu contribuir para evitar novos casos ao longo de 31 anos de profissão - cuja trajetória iniciou na Estratégia Saúde da Família (ESF), em Quixadá, no Sertão Central cearense.

É na atenção primária onde a prevenção e a promoção da saúde vêm. Trabalhei muito em campanhas de vacina e eu estimulava as mães a manterem o cartão de vacina dos filhos em dias usando o meu caso, porque é uma doença prevenível com vacina. Eu não fui vacinada porque não havia campanhas como hoje temos, um acesso fácil e disponível.

É por enfrentar desafios ao longo de sua trajetória como cidadã e profissional, sobretudo os relacionados à acessibilidade em espaços físicos e integração ao mercado de trabalho, que Conceição se indigna diante da baixa cobertura vacinal contra a doença na atualidade.

Na campanha deste ano, por exemplo, Fortaleza vacinou menos de 50% do público de até 5 anos de idade, de acordo com o Ministério da Saúde. A meta é de 95%.

Para ela, falta consciência aos pais e responsáveis para entender a gravidade da doença, provavelmente “por não verem mais casos e acharem que não pode voltar a acontecer, mas pode sim. Acho que eles precisam ver pessoas que tiveram a doença e como convivem com as sequelas que ela deixou”, lamenta.

A enfermeira reforça que os serviços de saúde, tanto hospitais quanto postos, têm equipes de imunização e vigilância epidemiológica que se propõem a identificar e investigar, semanalmente, paralisias flácidas agudas (PFA) que podem estar relacionadas ao retorno da poliomielite.

“Se para você que não tem dificuldade de andar, a vida já é difícil, imagina para quem tem sequela. Gostaria que as mães com filhos saudáveis pensassem um pouco e não deixassem as vacinas atrasadas. Isso evitaria muitos problemas. Criança é pra viver saudável, brincando, estudando”, completa.

Onde buscar a vacina

Em Fortaleza, crianças de 1 a 4 anos, 11 meses e 29 dias podem ser vacinadas de forma indiscriminada nos 116 postos de saúde da cidade, no horário das salas de vacinação, das 7h30 às 18h30, segundo a Secretaria Municipal da Saúde (SMS).

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