Vestibular do ITA: 1º lugar entre as mulheres aprovadas estudou no Ceará e passou após a quinta tentativa
Giovanna, de 22 anos, foi uma das três mulheres que se prepararam no Ceará para conseguir uma vaga na instituição

Qual a fórmula para conseguir aprovação em um dos vestibulares mais difíceis do Brasil? Existe uma? Giovanna Zanardi, 22, primeira colocada entre as oito mulheres aprovadas na seleção do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) para 2025, garante uma resposta: não é apenas estudar.
Além da disciplina e da persistência, já que passou no vestibular na quinta tentativa, a jovem elenca três pilares que precisou erguer para chegar ao resultado: os laços familiares, o lazer e, claro, os estudos.
O primeiro, aliás, foi dos mais desafiadores. Giovanna é natural da cidade de São Paulo, e se mudou sozinha para o Ceará, no ano passado, para ingressar no curso preparatório da Organização Farias Brito e se tornar uma das três alunas aprovadas no ITA que têm o rastro cearense no “passaporte”.
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“Foi um percurso que comecei com 18 anos. De cinco tentativas, recebi quatro ‘nãos’. Nesses quatro ‘nãos’, eu evoluí muito. Até a quarta vez, fiquei muito perto de passar, mas não passava. Tive que desenvolver novas estratégias pra fazer com que desse certo, e deu”, comemora, em entrevista ao Diário do Nordeste.
A mensagem comunicando a aprovação, esperada por anos, foi sucedida de choro copioso – deságue que aliviou o peito e provou cuidar de si em meio ao turbilhão de estudos “valeu a pena”.
“Dessa vez, foquei em três pilares: cuidar dos meus laços espirituais e familiares, porque são coisas que a gente negligencia; lazer, porque precisamos de tempo de descanso; e o estudo, com disciplina”, elenca.
Se estudar todo dia, o tempo todo, a cabeça surta. E desestabilizada não dá pra estudar. A palavra chave é se conhecer e respeitar seus limites. Não negligenciar coisas simples como família e amigos.”
Além das longas horas diárias entre os livros no colégio e em casa, Giovanna focou nos simulados das provas modelo ITA – não apenas para dominar as questões, mas para treinar a mente e enfrentar as mais de 20 horas de provas que compõem as duas primeiras fases do vestibular.
“A primeira fase é um dia de 5 horas, com questões objetivas. Na segunda, são quatro dias de quatro horas cada, pra matemática, química, física e redação com português. É cansativo física e mentalmente”, reconhece a jovem.
A terceira fase está em andamento: é entregar documentos, comprovar que está com vacinas em dias e realizar exames de saúde, como audiometria. Na próxima segunda-feira, então, Giovanna deve se tornar oficialmente aluna do ITA.
Saudade de casa
Na conta complexa que precisou resolver para equilibrar a rotina, entrava ainda outro número: os quase 3 mil quilômetros que separavam Giovanna da própria casa “e de qualquer pessoa que conhecesse”.
“Isso me pegou um pouco. Me senti só, mas passou rápido, porque fiz amigos. Foi assustador, mas foi uma experiência nova. Eu cresci”, orgulha-se a paulistana, que precisou se adaptar até ao nascer do sol cearense. “Em São Paulo, nasce 6h30. No Ceará, nasce 5h30 e muito forte!”, lembra.
Foi de casa, inclusive, que veio toda a inspiração para o sonho de ser engenheira aeronáutica no ITA. Giovanna cresceu ao lado do aeroporto de Guarulhos, em SP, vendo e ouvindo o vai e vem de aviões como parte da rotina – e em vez de se incomodar, se apaixonou.
“Pra mim, o avião é mágico, é uma das maiores invenções da humanidade e quero fazer parte disso, construir. Moro ao lado do aeroporto e, quando vinham visitas, a gente levava lá. Alguém que nasce e até os 20 anos vê que momento feliz é vivido no aeroporto”, relembra.
Não só contemplar, mas “entender como tudo funciona”, também é traço que vem do berço. “Eu gosto de construir coisas. Quando era mais nova, eu desmontava liquidificador, fone de ouvido e remontava. Meu sonho é construir um aeromodelo”, revela Giovanna.
Mais mulheres no ITA
O encanto que tem pela aviação, a ponto de escolher como profissão, torna mais difícil entender o por que de muitas mulheres ainda não terem interesse – ou enxergarem como possibilidade – ocupar espaços como o ITA ou outras instituições de engenharia.
O baixo número de mulheres aprovadas na seleção é proporcional às inscrições: no vestibular de 2024, por exemplo, três em cada quatro pessoas inscritas eram homens, de acordo com estatísticas divulgadas pelo ITA.
“Todas as meninas passaram por esse mesmo questionamento de tentar entender por que somos tão poucas. A conclusão a que eu cheguei é que tem poucas meninas interessadas em engenharias, e menos ainda no ITA”, lamenta.
Giovanna aponta que programas como o Stem for Girls, que tem como missão incentivar e promover o interesse de mulheres pelas ciências exatas e tecnologias, tentam atrair meninas e equilibrar os ambientes ainda majoritariamente masculinos.
“As garotas são tão capazes quanto, somos muito inteligentes. Mas são poucas as que se interessaram em fazer a prova. A ideia é tornar o ambiente mais igualitário. Nós, que estamos aqui, somos unidas. A gente sabe da dificuldade de conviver com vários homens”, reconhece, afirmando, porém, que “os meninos são proativos e abertos” a se aliarem à causa.