Fortaleza subterrânea abriga, no Centro, de cripta a estação de metrô embaixo da terra; veja imagens
O Diário do Nordeste percorreu locais no Centro que ficam embaixo da terra e apresenta 5 estruturas, os usos e as curiosidades
O Centro de Fortaleza, durante o dia, reflete a típica agitação do bairro que, apesar dos desgastes, ainda mistura múltiplos usos. Trabalhadores, moradores e visitantes percorrem as ruas seja no cumprimento das obrigações diárias ou em percursos despretensiosos. E nesse movimento, caminham ou trafegam sobre vias e logradouros sem se dar conta, muitas vezes, de que embaixo daquele solo, sob os próprios pés, pode haver “lugares escondidos”.
Abaixo de uma conhecida praça. No subsolo de uma igreja. No porão de um prédio tombado. Fortaleza também existe debaixo da terra. Nos subterrâneos do Centro, há estruturas grandes e pequenas com histórias e usos diversificados.
Em alguns a profundidade é grande. Outros estão em áreas mais rasas. O acesso em alguns casos é liberado e frequente. Mas há também aqueles cuja circulação é restrita. O Diário do Nordeste percorreu locais e apresenta 5 estruturas (e suas curiosidades) no Centro que ficam embaixo da terra e têm algum uso.
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Porão da Casa Barão de Camocim
Uma estrutura que a princípio escapa aos olhos dos visitantes é um porão situado abaixo da parte frontal na Casa Barão de Camocim, localizada na Rua General Sampaio, 1632, no Centro. A Casa é uma edificação construída no final do século XIX, com arquitetura eclética foi desapropriada em 2006 e tombada pela Prefeitura de Fortaleza em 2007.
O imóvel tem dois pavimentos e, segundo a Secretaria Municipal da Cultura, historicamente chamava a atenção da aristocracia fortalezense por ser a única residência a possuir um elevador, na época em que foi construída.
A edificação, diz a Secultfor, tem características da arquitetura colonial. E esse fato gera debates na atualidade, sobretudo, por conta da estrutura que fica em uma espécie de subsolo: o porão.
A Casa Barão de Camocim tem o primeiro pavimento elevado e que olha o imóvel de frente perceber pequenas frestas abaixo das janelas que evidenciam esse “cômodo”, uma espécie de “porão alto”, que conforme o coordenador do Patrimônio Histórico-Cultural da Secultfor, Diego Zaranza, é semelhante a de outras construção do período em Fortaleza.
O porão cuja altura é cerca de 1,75 m, com pouca iluminação e ventilação, devido a restrição da saída e entrada de ar, é acessado por meio de uma escada dentro da casa.
O cômodo é uma espécie de “espaço extra”, e, segundo a Secultfor, “poderia servir de depósito ou ter outras finalidades”. Mas há também a hipótese que tal espaço possa ter servido como uma espécie de senzala abrigando pessoas negras em condições precárias.
Diego explica que apesar dessa conjectura, “não há fontes precisas que indiquem quem seriam esses trabalhadores que atuavam no local”. A Secultfor diz que “não há indícios de que o Barão de Camocim tenha sido um escravocrata”, mas também é preciso considerar que a estrutura do porão “se assemelha fortemente aos padrões das senzalas coloniais”.
"Nesta casa, o porão guardava escravos? Tem uma suspeita, mas não temos como afirmar isso dizendo que sim. Mas geralmente os usos de porão alto eram como depósito ou como abrigo precários de pessoas escravizadas”.
Em outubro de 2021, a Casa Barão de Camocim recebeu uma exposição artística, chamada “Pra ficar claro, escureci”, no porão. À época, artistas responsáveis disseram que o local foi escolhido por ser uma antiga senzala. Dentre outras sensações, a exposição no local causava desconforto devido às características já mencionadas do local: tamanho, altura, baixa circulação de ar e pouca luz.
Hoje, a Casa é aberta à visitação, mas o espaço do porão não é. Pois, segundo Diego: “não temos uma altura mínima adequada para circulação, ele é muito baixo o ambiente. Quem for um pouco mais alto, tem que andar meio curvado. Não conseguimos fazer uma exposição, por exemplo”.
O espaço é utilizado como depósito do material de exposição feitas na Casa e também de objetos históricos que são guardados para restauro. “Não tem um projeto de utilização para ter esse acesso público. Existe a pendência de um estudo mais aprofundado sobre formas de gerar esse acesso”, completa Diego.
Reservatório de água embaixo de uma praça
A Praça Clóvis Beviláqua, também chamada de Praça da Bandeira, tem na estrutura o visível Obelisco do Ceará, monumento erguido em homenagem aos combatentes da Força Expedicionária Brasileira que lutaram na Segunda Guerra Mundial, mas guarda “um segredo” sob seu solo: um grande reservatório de água tratada.
Localizado no subterrâneo da Praça entre as Ruas General Sampaio, Senador Pompeu, Meton de Alencar e General Clarindo de Queiróz, o reservatório, conforme a Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece) foi construído na década de 1980 e tem capacidade para armazenamento de 40.000m³, sendo um dos maiores reservatórios da Companhia.
O local para armazenamento de água mede aproximadamente 90 x 90 metros, segundo a Cagece.
O motivo para funcionar no subsolo, de acordo com a Cagece, tem relação com a concepção dos projetos na época (composto por reservatório enterrado, reservatório elevado e uma casa de bombas).
A intenção, explica a Cagece, à época da construção era “proporcionar área livre com ocupações mínimas dos espaços onde os mesmos estão inseridos”.
Atualmente, o reservatório, de acordo com a Cagece, faz parte de um complexo de grandes dimensões de armazenamento de água para abastecimento da população de Fortaleza.
Na Praça, o reservatório funciona como “reserva estratégica que funciona como contingência na disponibilidade de água oriunda do Reservatório Ancuri, abastecendo os bairros do Centro da cidade e adjacências”.
Mas, o acesso a entrada dessa estrutura é restrito a funcionários da Cagece das equipes de manutenção, conservação e limpeza. Para entrar em uma área próxima ao reservatório, trabalhadores usam as caixas de concreto instaladas próximos à calçada da praça, explica a Companhia.
No local, há 4 profissionais trabalhando.Porém, eles não acessam o interior dos reservatórios São responsáveis pela operação local da unidade.
Celebrações de missas e corpos enterrados abaixo da Catedral
Na Catedral de Fortaleza onde são recebidos diariamente diversos frequentadores e visitantes circulam no interior do templo religioso que comporta 5 mil pessoas, abaixo da estrutura principal há uma cripta inaugurada em 1962 que abriga duas capelas.
Uma das capelas é a dos Santos Adolescentes que homenageia seis santos que morreram jovens: Tarcísio, Domingos Sávio, Pancrácio, Luzia, Inês e Goretti.
No espaço há uma imagem de Jesus adolescente no centro do altar. Nesse espaço, há missa todos os sábados às 12 horas. O local também é bastante utilizado para celebrações de casamentos, batizados e de sétimo dia.
No subsolo da Catedral também há a Capela da Ressurreição, onde estão sepultados alguns arcebispos, bispos e monsenhores da Igreja Católica. No local, dentre outros, estão partes dos restos mortais de Dom Aloísio Lorscheider, falecido em 2007. O religioso foi bispo de Fortaleza por 22 anos.
A Cripta da Catedral pode ser visitada no horário comercial de 8h às 12h e 13h às 17h. Na Capela da Ressurreição só há uma missa no ano que é celebrada no Dia de Finados.
Estações a mais de 9 metros de profundidade
Outros espaços subterrâneos no Centro conhecidos e utilizados por centenas de pessoas diariamente são as estações da Linha Sul do metrô. O bairro concentra 3 das 4 estações que são subterrâneas na linha, cujo trecho por baixo da terra tem cerca de 4km.
- Estação Chico da Silva: 10,42 metros de profundidade
- Estação José de Alencar: 9,92 metros de profundidade
- Estação São Benedito: 11,27 metros de profundidade
Nas estações, o total de passageiros no mês de fevereiro superou os 160 mil. A mais movimentada de todas é a José de Alencar, com 114.513 passageiros no mês de fevereiro.
Além das estações, outras estruturas que integram o funcionamento da Linha Sul também estão no subterrâneo do Centro, como:
- O setor de Achados e Perdidos do metrô;
- 4 subestações auxiliares de energia (unidades geradoras de energia elétrica que abastecem as estações subterrâneas e os túneis que as interligam)
- Ponto de apoio de manutenção dos trens e;
- Uma sala que abriga profissionais e equipamentos para limpeza e sanitização dos trens e estações.
Containers de lixo ‘enterrados’ em praças
Nas praças José de Alencar, do Ferreira e Murilo Borges, no Centro de Fortaleza, ‘compartimentos’ instalados no subterrâneo desde 2012 armazenam lixo e reduzem o acúmulo de resíduos nas proximidades dos três logradouros.
Chamados de bigtainers, os equipamentos ficam 2 metros abaixo do solo e são caixas de compactação subterrâneas com capacidade para 16 mil litros. “São caixas mais largas do que profundas", diz o coordenador de Limpeza Urbana da Secretaria de Conservação e Serviços Públicos (SCSP), Thiago Mafra.
Neles são depositados os resíduos coletados por garis durante a varrição das vias do Centro. Por serem subterrâneos, a vantagem dos equipamentos, conforme a gestão, é não interferir no uso do espaço urbano e ainda reduzir os odores e os aspectos de sujeira provocados pelo acúmulo de resíduos a céu aberto.
“Eles são colocados em pontos onde se identifica que tem uma demanda maior de resíduos comuns”, explica Thiago.
Como os equipamentos são grandes, explica Thiago, há um monitoramento e quando a capacidade é atingida, há uma emissão de sinal e um caminhão da Ecofor (empresa responsável pela coleta) faz a retirada.
Nesse procedimento, os contêineres que ficam enterrados são elevados e ficam visíveis. A operação tanto de armazenamento de lixo nas estruturas, como a de retirada, é feita exclusivamente por profissionais da Ecofor. Geralmente, a retirada, afirma Thiago, é feita à noite quando há menor fluxo de pessoas no Centro.