Escavações para procurar mina de urânio no CE ocorreram há quase 50 anos em programa nuclear do Brasil

Jazida de Itataia em Santa Quitéria é a quinta maior reserva de urânio do mundo

Escrito por
Nícolas Paulino nicolas.paulino@svm.com.br
(Atualizado às 11:24)
Maquete ilustrativa de centro industrial em mina de Santa Quitéria, em paisagem árida com alguns morros
Legenda: Ilustração de como será a mina, caso seja aprovada por órgãos de licenciamento
Foto: RIMA/Projeto Santa Quitéria

A discussão sobre uma mina de urânio nos municípios de Santa Quitéria e Itatira, no Ceará, ainda pendente de licenciamento, não é nova. Há quase 50 anos, quando foram encontrados os primeiros indícios do material no sertão do estado, foram abertas três galerias subterrâneas para sua prospecção. 

À época, as pesquisas foram conduzidas por empresas que hoje equivalem às Indústrias Nucleares do Brasil (INB), ligadas ao Governo Federal. Atualmente, integram o Consórcio Santa Quitéria, ao lado da Fosnor Fosfatados do Nordeste S.A., detentora da marca Galvani Fertilizantes. Ambas buscam a exploração de fosfato e urânio na região.

Conforme o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) do Projeto Santa Quitéria (PSQ), a INB é detentora dos direitos minerários da Jazida de Itataia, descoberta na década de 1970 no Ceará e localizada nos domínios da Fazenda de mesmo nome. Ela é a quinta maior reserva de urânio do mundo.

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As primeiras pesquisas voltadas aos recursos energéticos radioativos no Brasil foram realizadas em 1930, mas somente após a Segunda Guerra Mundial, com a explosão das bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki, no Japão, o Governo Federal brasileiro demonstrou real interesse no setor nuclear.

Na década de 1950, foi criada a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), com a  responsabilidade de pesquisar urânio. Décadas depois, percebeu-se a necessidade de o país dominar a tecnologia de produção. Assim, em 1971, foi criada a Companhia Brasileira de Tecnologia Nuclear (CBTN), transformada três anos depois na Nuclebrás.

Fac-símile de uma reportagem do jornal Diário do Nordeste anunciando, em 1984, um projeto de usina de urânio em Itataia (Santa Quitéria–CE), com visita do então ministro César Cals e diretores da Nuclebrás ao local da mina.
Legenda: Reportagem do Diário do Nordeste já mostrava, em 1984, planos para uma usina de urânio em Itataia
Foto: Arquivo Diário do Nordeste

Após a criação da Nuclebrás, os estudos das reservas brasileiras de urânio passaram  a ser objetivos do Programa Nuclear Brasileiro, que destinou grandes investimentos à prospecção, pesquisa e lavra de jazidas de urânio no país, resultando na descoberta das jazidas de Itataia, no Ceará, em 1976, e Lagoa Real, na Bahia, em 1977.

Em 1998, a Nuclebrás se transformou em INB. Atualmente, ela administra a mina baiana de Caetité, única mineração de urânio em atividade no país, já que a mina localizada em Poços de Caldas (MG) está em processo de descomissionamento (encerramento de operações).

Como a mina de Itataia foi descoberta?

Em 1976, a antiga proprietária da Fazenda Itataia, Prudenciana Sabóia, requereu uma área de 174 hectares para pesquisa de calcário, junto ao Departamento Nacional de  Produção Mineral (DNPM), hoje Agência Nacional de Mineração (ANM). No mesmo ano, a Nuclebrás requereu outras quatro áreas, de 5 mil hectares cada, para prospecção de urânio. 

Posteriormente, a Nuclebrás adquiriu a Fazenda Itataia, com 4.042 hectares, e seus direitos minerários. Depois, a INB se tornou titular dos processos; os alvarás de pesquisa foram outorgados, e os relatórios finais de pesquisas foram aprovados pelo DNPM.

As pesquisas minerais foram executadas na década de 1990, cujo Relatório Final foi aprovado pelo DNPM e publicado no Diário Oficial da União (DOU), em 8 de dezembro de 1993. 

Uma vez aprovados os Relatórios Finais de Pesquisa, para as substâncias fosfato, urânio e calcário (incluindo rochas ornamentais), a INB protocolou, em dezembro de 1994, o requerimento de lavra (conjunto de métodos para exploração), incluindo o Plano Único de Aproveitamento Econômico (PAE), aceito em fevereiro de 2005.

O que o Consórcio quer fazer com o urânio?

Após os estudos que confirmaram a presença de recursos minerais no local, a INB buscou, na iniciativa privada, empresas da área de fertilizantes para formar parceria. Assim, em 2009, foi assinado o contrato com a Fosnor, formando o Consórcio Santa Quitéria.

A principal operação do grupo prevista para Itataia prevê:

  • Fosfato: será utilizado como matéria-prima para produção de fertilizantes para plantas e fosfato bicálcico (suplemento para ração animal), que devem ser distribuídos para agricultores e pecuaristas das regiões Nordeste e Norte do Brasil;
  • Urânio: será concentrado para ser utilizado como matéria-prima na produção de combustível nuclear a ser utilizado no complexo de Angra dos Reis (RJ).

Nesse processo produtivo, o urânio será extraído do minério de fosfato a partir de uma rota tecnológica desenvolvida pelo próprio Consórcio e já aprovada pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN). 

O concentrado de urânio deve ser embalado em tambores metálicos e entregue à INB, que fará o transporte rodoviário até o Complexo Portuário do Pecém, em São Gonçalo do Amarante. 

Fora do país, inicia-se o processo de enriquecimento do concentrado de urânio, que retornará ao Brasil para ser finalizado na Fábrica de Combustível Nuclear (FCN), unidade da INB localizada no município de Resende, no Rio de Janeiro. 

O que foi feito com as antigas galerias?

Diário do Nordeste questionou o Consórcio sobre as movimentações que existiram no local. Segundo a INB, as galerias na área do futuro empreendimento de Itataia foram construídas exclusivamente para pesquisa mineral, conforme previsto no Plano de Pesquisa de 1990. 

Desde a conclusão dos estudos, aponta a empresa, as três galerias “permanecem permanentemente lacradas”. A exceção foi uma breve intervenção em 2021, quando houve coleta de material para estudos complementares da rota de beneficiamento. 

A INB reforça que o local “é monitorado e não há acesso permitido”.

Sobre o material extraído das galerias, a empresa defende que foi fundamental para dois objetivos:

  • Regularização: cumprimento das exigências do Relatório Final de Pesquisa Mineral, documento obrigatório para obtenção da concessão de lavra junto à ANM;
  • Inovação: desenvolvimento da rota tecnológica de beneficiamento.

“Foram realizadas análises detalhadas, incluindo caracterizações físico-químicas das rochas, com foco em teores de urânio e fosfato, sempre em conformidade com as normas técnicas aplicáveis”, detalha.

Foto de estrada de terra cercada por vegetação seca e portão metálico simples branco delimitando o acesso à área da mina.
Legenda: Consórcio diz que não há atividades no local e que condições são seguras
Foto: Kid Jr.

Houve retirada de urânio do local?

Ainda segundo a INB, os resíduos gerados durante a abertura das galerias são compostos por material estéril (rocha encaixante sem interesse mineralógico ou radioativo). Após a conclusão dos trabalhos, ele foi “adequadamente reinserido nas próprias galerias, conforme melhores práticas de gestão de resíduos”. 

Já o minério de interesse (colofanito, mineral que agrega fosfato e urânio) “foi integralmente utilizado em ensaios tecnológicos para desenvolvimento do projeto”.

A instalação da mina ainda aguarda novos estudos solicitados pelo Ibama ao Consórcio Santa Quitéria, que prevê dar uma resposta em até quatro meses para obter a licença prévia do empreendimento até o fim de 2025.

Contudo, Rafael Dias observa esse futuro com preocupação. “Em Santa Quitéria, ainda não se iniciou essa fase de exploração, mas ela guarda esse histórico de que, na fase de sondagem, uma exposição completamente fora das normas de proteção radiológica ocorreu entre os trabalhadores e seus familiares”, entende.

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