Entenda quem paga o transporte público de Fortaleza
Serviço demanda cerca de R$ 50 milhões todo mês, mas reajuste tem sido alvo de crítica por usuários
O aumento da passagem inteira nos ônibus de Fortaleza em 15%, anunciado no último dia 7 e válido desde o dia 19 desse mês, gerou reclamações nos usuários e foi pano de fundo de trocas de declarações entre o prefeito José Sarto (PDT) e o governador Elmano de Freitas (PT) sobre o subsídio do transporte público.
O assunto teve repercussão dentro e fora dos coletivos: afinal, quem paga pelo transporte público na cidade?
Os deslocamentos na capital cearense exigem um valor mensal de quase R$ 50 milhões, com base nos registros do último ano, e não conseguem ser financiados apenas pelas passagens. Por isso, o Município e o Estado contribuem para essa equação – em 2022, as duas divisões do governo arcaram juntas com R$ 6 milhões.
Esses dados foram repassados pelo Sindicato das Empresas de Transporte do Ceará (Sindiônibus) em janeiro deste ano. Naquele momento, o debate era sobre a possibilidade apontada pelo prefeito de Fortaleza de tarifa zero aos estudantes.
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Não existe um cálculo padrão de quanto cada governo e a população devem pagar para o funcionamento da frota. A legislação aponta que o papel das prefeituras é de “prestar, direta, indiretamente ou por gestão associada, os serviços de transporte público coletivo urbano, que têm caráter essencial”.
O detalhamento está na Política Nacional de Mobilidade Urbana, instituída na Lei Nº 12.587 de 2012, que determina ao Poder Público o reajuste e a revisão da tarifa pública cobrada ao usuário.
Em dezembro, Sarto disse trabalhar para “não haver reajuste do transporte público de Fortaleza, mantendo assim a tarifa atual”, mas, dois meses depois, o valor subiu de R$ 3,90 para R$ 4,50. A meia teve uma queda de R$ 1,80 para R$ 1,50.
Dimas Barreira, presidente do Sindiônibus, explica que o contrato é feito diretamente com a Prefeitura de Fortaleza, mas o Governo do Estado auxiliou no último ano. "Teve o congelamento da tarifa em 2021 por uma sensibilidade na pandemia, tinha muitas sequelas financeiras", detalha.
É feito todo um trabalho técnico de quanto custa o sistema e qual seria a tarifa de equilíbrio se fosse sustentada apenas por quem paga passagem. A partir daí, há decisão para saber o valor da tarifa
Dimas explica que o Governo do Estado dá um desconto no valor do combustível, que no caso é o óleo diesel, e isso contribui para o financiamento do transporte intermunicipal e de Fortaleza.
"O problema que a gente tem no momento é que a Prefeitura entendeu que o limite (da passagem) seria de R$ R$ 4,50, mas entendeu também que não tem recurso suficiente para atender a diferença, que seria de R$ 120 milhões por ano", completa.
No dia 8, novos 36 ônibus passaram integrar à frota. Esse reforço chegou a 50 veículos no dia 9 para atender as linhas mais críticas. "Vamos chegar a 181 veículos de ampliação nessa oferta para poder adequar, porque realmente estava abaixo, numa situação atípica", completa Dimas.
Política pública de mobilidade
Fortaleza tem quase 2,6 milhões de habitantes, segundo a prévia do Censo 2022, divulgada pelo IBGE. Em média, 600 mil passageiros são transportados diariamente na cidade – dos quais 60 mil são estudantes, como informou o Sindiônibus em janeiro.
A Política Nacional de Mobilidade Urbana também aponta que a melhoria no planejamento, na gestão e no monitoramento dos serviços de transporte urbano deve ser um objetivo permanente dos órgãos gestores.
Esse trabalho, conforme o documento, deve ter o objetivo de atingir um alto padrão de mobilidade com um adequado atendimento à população. Confira a competência de cada esfera de governo:
- União: capacitar os municípios e disponibilização de um sistema nacional de informações
- Estado: prestar serviço de transporte intermunicipal e incentivar financeiramente as cidades
- Município: planejar e executar a política de mobilidade urbana
Como são as prefeituras que operacionalizam o transporte público municipal na prática, cabe a elas pactuar como é o pagamento do serviço.
No Ceará, algumas prefeituras custeiam todo o sistema, como são os casos de Caucaia e Eusébio - ou seja, a população não paga nada. Já em Maracanaú, segundo dados da gestão municipal, mais de 70% dos deslocamentos são feitos com o Passe Livre.
Outras fontes de recursos
Contudo, apenas o incentivo governamental pode não ser suficiente. Um estudo realizado em 2019 pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) indica que é possível criar outras fontes de recursos para subsidiar os gastos da população com ônibus, trem e metrô.
Dentre as alternativas, o levantamento sugere que o transporte público seja incentivado por fontes extratarifárias, como taxações sobre o setor produtivo e sobre o transporte individual motorizado de passageiros. Essa é uma maneira de desestimular o uso de veículos individuais, tornando o transporte público mais competitivo.
A Empresa de Transporte Urbano de Fortaleza (Etufor) foi procurada pela reportagem no dia 8 de março para detalhar o número de usuários mensais que pagam inteira, meia ou possuem gratuidade. Além disso, foi solicitada a quantidade de ônibus na frota, para saber se houve aumento ou diminuição.
A Etufor, contudo, não disponibilizou as informações ou entrevista com representante até esta publicação.
Aumento desagrada usuários
O aumento da passagem inteira em Fortaleza também deve pesar no orçamento dos usuários. Com base no novo valor, um trabalhador que realiza o trajeto de ida e volta por 22 dias (excluindo quatro fins de semana) gastaria, por mês, R$ 198,00. Isso representa 15% de um salário mínimo, que hoje está em R$ 1.302,00.
A preocupação já está na cabeça da doméstica Mara Rodrigues, que pretende conversar com a patroa sobre o reajuste. Ela pega quatro ônibus diariamente, consegue abater duas passagens com a integração, mas critica a prestação do serviço.
“Hoje é péssimo, muito quente!”, reclama, mesmo sem utilizar o ônibus em horários de pico. “Muita gente vai achar caro”.
“Benefício nenhum, é lotado”, já percebe Luzinete Soares, recém-chegada a Fortaleza. Na antiga cidade, Guarulhos (SP), a passagem custava R$ 3,80. “Deveria ter mais ônibus na linha, já esperei 1h30 no terminal para ir pra casa”.
Ela conta que usaria o VLT, mas a estação mais próxima do local onde faz estágio é muito distante para ir a pé. “Vai aumentar, mas vai melhorar? Deveria não aumentar pelo menos até o ar-condicionado voltar”, opina.
O prefeito de Fortaleza já anunciou que o uso do ar-condicionado nos ônibus de Fortaleza, interrompido há quase 3 anos, desde o início da pandemia, deve retornar em toda a frota até o início de agosto.