De Teatro à Estação de Trem: saiba quais prédios históricos de Fortaleza foram locais de votação
Organização das primeiras eleições pela Justiça Eleitoral trazia pontos que permanecem longevos na memória da cidade
Apenas duas zonas eleitorais, com 36 seções, foram suficientes para a primeira eleição municipal organizada pela Justiça Eleitoral em Fortaleza, em 1936, quando os eleitores iam depositar os votos em prédios históricos como Teatro José de Alencar e Estação de Trem João Felipe. O Diário do Nordeste reúne os primeiros locais de votação entre espaços ainda ativos ou que deixaram de existir.
Quase 90 anos depois, neste domingo (2), serão 652 locais de votação que abrangem 5.360 seções eleitorais, de acordo com o Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE). O contexto da época, com apuração lenta e uma realidade de apenas 9 mil eleitores, está registrado nos arquivos do Centro de Memória da Justiça Eleitoral do Ceará.
A Justiça Eleitoral, incluindo o TRE-CE, foi instituída em 1932 com o objetivo de coibir fraudes. Um ano depois, ocorreu a primeira eleição da Assembleia Nacional Constituinte, seguida, em 1934, pela escolha dos deputados à Câmara Federal e à Assembleia Estadual Constituinte.
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Somente em 1936 ocorreram as primeiras eleições municipais, trazendo modificações importantes: a divisão da 1ª Zona Eleitoral em 19 seções e, da 2ª Zona, em mais 17 seções.
Eleitores estão aptos para votar em Fortaleza, neste ano.
Dentre os locais listados, há alguns que permanecem ativos até hoje. Outros perderam o uso ou mesmo deixaram de existir ao longo do tempo.
Confira os pontos de votação:
1ª Zona
- 1ª Seção: Central da Rede de Viação Cearense
- 2ª Seção: Beneficente da Estrada de Ferro
- 3ª Seção: Corte de Apelação
- 4ª Seção: Diretoria da Instrução Pública
- 5ª Seção: Teatro José de Alencar
- 6ª Seção: Saúde Pública
- 7ª Seção: Phenix Caixeiral
- 8ª Seção: Grupo José de Alencar
- 9ª Seção: Tribunal Eleitoral
- 10ª Seção: Grupo Rodolpho Teóphilo
- 11ª Seção: Lyceu
- 12ª Seção: Grupo Escolar Fernandes Vieira
- 13ª Seção: Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas
- 14ª Seção: Porangaba – Estação da Estrada de Ferro
- 15ª Seção: Porangaba – Grupo Escolar
- 16ª Seção: Escola de Agronomia
- 17ª Seção: Serviço da Febre Amarela
- 18ª Seção: Beneficente da Estrada de Ferro (altos)
- 19ª Seção: Ferroviária da Rede Viação Cearense (Caixa de Aposentadoria e P.)
2ª Zona
- 1ª Seção: Faculdade de Direito
- 2ª Seção: Biblioteca Pública
- 3ª Seção: Secretaria do Interior e Justiça
- 4ª Seção: Tribunal de Contas do Estado
- 5ª Seção: Fórum (Sala das Audiências)
- 6ª Seção: Inspetoria Agrícola
- 7ª Seção: Edifício da Saúde do Porto
- 8ª Seção: Gabinete de Identificação
- 9ª Seção: Correios e Telégrafos
- 10ª Seção: Arquivo Público
- 11ª Seção: Delegacia Fiscal
- 12ª Seção: Associação dos Funcionários Públicos
- 13ª Seção: Circunscrição do Recrutamento Militar
- 14ª Seção: Recebedoria do Estado
- 15ª Seção: Prefeitura Municipal
- 16ª Seção: Escola de Farmácia e Odontologia
- 17ª Seção: Junta Comercial do Estado
A Junta Apuradora do 1º Círculo Eleitoral, na época, enviou comunicado aos presidentes de seção para que, encerrados os trabalhos, as urnas de madeira fossem entregues no prédio do Tribunal do Jury, na Praça do Ferreira. A apuração do pleito foi marcada às 13 horas do dia 30 de março.
Locais mais famosos
O Liceu do Ceará iniciou suas atividades em 1845, mas só ganhou sede própria em 1894. O prédio que recebeu as eleições de 1936 ficava na Praça dos Voluntários, no Centro. A sede do bairro Jacarecanga, que é local de votação até hoje, foi inaugurada em 1937.
A sede do Grupo Escolar Rodolpho Teóphilo ficou pronta em 1923, no bairro Benfica. Depois de sucessivos usos, como o Museu Antropológico e o Instituto do Ceará, hoje o prédio abriga a Faculdade de Economia, Administração, Atuária e Contabilidade (Feaac), da Universidade Federal do Ceará (UFC) - outro ponto atual de votação.
Porém, alguns dos primeiros pontos já perderam o uso eleitoral. Um deles é a Estação João Felipe, datada de 1880, hoje revitalizada como Estação das Artes. Em 1936, o local era sede da Rede de Viação Cearense (RVC), empresa federal criada para administrar estradas de ferro.
A Escola de Agronomia do Ceará foi fundada em 1918 com foco no desenvolvimento agropecuário do Estado do Ceará e na mitigação dos efeitos da seca. Foi estadualizada em 1935, federalizada em 1950 e, finalmente, integrada à UFC em 1954. Embora o prédio esteja de pé, não é mais um local de votação.
O Teatro José de Alencar, aberto em 1910, e a Agência Central dos Correios e Telégrafos, inaugurada em 1934, ambos no Centro, também já sediaram seções eleitorais, mas hoje não recebem mais urnas de votação.
Outros pontos nem existem mais. Instituição sociocultural, educacional, beneficente e filantrópica criada em Fortaleza, a Sociedade Fênix Caixeiral funcionou de 1891 a 1979. Teve diversas sedes, sendo a maior e mais famosa localizada no cruzamento das Ruas 24 de Maio e Guilherme Rocha, no Centro, inaugurada em 1915. Foi demolida na década de 1980.
Apuração demorada
Naquele ano, as eleições aconteceram no dia 29 de março, mas o resultado foi homologado apenas no dia 7 de maio. Isso porque o TRE chegou à conclusão de houve engano de contagem ou outras irregularidades durante a apuração.
Raymundo de Alencar Araripe foi o prefeito eleito naquele pleito pelo Partido Republicano Progressista. O candidato levou 3.671 votos de um total de 9.446. No dia 12 de maio foi instalada a Câmara Municipal, sob a presidência do vereador Antônio Mendes, da Bancada do Partido Social Democrático.
Só homens, de qualquer profissão, e mulheres funcionárias públicas eram obrigados a votar com previsão de multa. A eleição de 1936 marcou a queda da idade mínima de quem podia votar de 21 para 18 anos. Eram excluídas do processo eleitoral pessoas analfabetas ou em situação de rua.
Até então, não havia previsão para eleição do prefeito de Fortaleza e isso gerava uma insatisfação à classe política e a população, como detalha o estudo “Primeiras Eleições e Acervo Documental” do TRE.
No interior, a situação era diferente: os municípios tinham aumento da violência para a conquista do poder político por antigas oligarquias. Isso preocupava o governo e a Justiça Eleitoral e, por isso, eram feitas recomendações para o alistamento eleitoral e garantia do livre exercício do voto.
Como funcionavam as eleições?
Os eleitores da época foram recomendados quanto às etapas para votar. Funcionava assim: o presidente da mesa entregava um envelope onde deveriam ser colocadas duas chapas – uma para prefeito e outra para vereador.
Após receber o envelope, a pessoa deveria entrar numa cabine reservada e colocar o nome dos dois candidatos escolhidos. Caso fosse colocada qualquer outra coisa dentro do pacote, o voto seria anulado.
E assim aconteceu no dia 29 de março, mas ao contrário do que acontece com as urnas eletrônicas – com resultado divulgado horas após o encerramento dos votos – o processo naquela época levou quase dois meses para ser concluído.
A primeira apuração das urnas de Fortaleza aconteceu no dia 14 de abril, mas juízes da época constataram que alguns votos deixaram de ser computados. Isso aconteceu no Tribunal Eleitoral, Porangaba – Grupo Escolar, Faculdade de Direito e na Delegacia Fiscal.
Por não entrarem na contagem, as urnas foram consideradas “congeladas”, mas o TRE chegou à conclusão de que houve engano de contagem ou irregularidades e os votos entraram para a contagem oficial.
No dia 7 de maio foi feita a homologação das eleições de Fortaleza. Só no dia 23 de maio o resultado oficial das eleições municipais no Estado foi divulgado.
Combate às fraudes
A contagem dos votos não foi a única preocupação dos juízes eleitorais na primeira eleição realizada no Ceará. Um comunicado foi divulgado na época alertando os eleitores que tivessem o seu título usado irregularmente.
Isso porque foram feitas constantes reclamações sobre tomada de títulos eleitorais por delegados, autoridades, ou mesmo pessoas comuns. Dessa forma, quem foi prejudicado podia fazer uma denúncia formal ao Tribunal Eleitoral.