De mosquito maruim a caramujo: como acontece o monitoramento de vetores de doenças no Ceará
Estado teve ampliação de equipamentos para análise dos transmissores de vírus e bactérias, por exemplo
Sob lentes de microscópios são analisados mosquitos, insetos barbeiros, caramujos, aranhas e escorpiões, por exemplo, que possam ameaçar a saúde pública no Ceará. Ainda que não seja conhecido, o trabalho articulado em todas as regiões do Estado contribui para antecipar surtos de doenças e criar estratégias de enfrentamento.
Isso acontece na Célula de Vigilância Entomológica e Controle de Vetores da Secretaria da Saúde do Estado (Sesa). Por lá, a análise mais recente é com o mosquito maruim, transmissor da febre oropouche, confirmada pela primeira vez no Estado neste ano.
Com esse contexto, foram adquiridos 29 microscópios bacteriológicos e 29 estereomicroscópios (Lupas Entomológicas) para laboratórios distribuídos no Estado, nessa terça-feira (27). Os equipamentos foram entregues durante o 2º Simpósio de Zoonoses, Entomologia e Controle de Vetores com Foco em Uma Só Saúde.
Confira alguns dos vetores analisados
- Aedes sp (arboviroses como dengue, zika e chikungunya)
- Anofelinos sp (malária)
- Haemagogus sp (febre amarela)
- Sabethes sp (febre amarela)
- Flebotomíneos sp (leishmanioses, conhecida como “calazar”)
- Culicoides sp (febre oropouche)
“Nós precisamos de um monitoramento sistemático, cotidiano, das populações de vetores em todo o Estado. Isso não é possível com concentração em Fortaleza, precisamos de laboratórios bem equipados em todo o Estado”, explica o secretário executivo de Vigilância em Saúde da Sesa, Antônio Silva Lima Neto.
Na prática, após a coleta dos insetos, é feita uma análise sobre as características da espécie com a possibilidade de verificar se os vetores carregam os vírus, bactérias e parasitas, por exemplo, causadores das doenças.
“A febre maculosa é uma ameaça e a transmissão é pelo carrapato, nós podemos identificar eles por todo o Nordeste. A questão das capivaras, onde ficam os carrapatos, praticamente não existia aqui, mas elas estão surgindo em algumas áreas”, detalha.
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Esse monitoramento a longo prazo é importante para acompanhar a evolução das doenças, como o caso da conhecida popularmente como calazar. Por uma adaptação do vetor, mais pessoas começaram a ser contaminadas.
“A leishmaniose visceral era uma doença exclusivamente silvestre, acontecia no Maciço de Baturité e em outras áreas de serra, mas nos últimos 30 anos ela urbanizou. Existem casos em praticamente todos os bairros de Fortaleza”, acrescenta.
Como funciona o monitoramento
O Ceará possui 17 áreas descentralizadas de saúde e, a maioria, possui laboratórios entomológicos, além do laboratório central, em Fortaleza. A entomologia, inclusive, é a área da ciência que estuda os insetos. No Ceará, são feitas coletas e identificações dos vetores.
As amostras são colhidas com o uso de “armadilhas” para capturar mosquitos, por exemplo, em áreas de mata. Isso é feito por agentes de endemias em todos os municípios cearenses, que enviam o material para os laboratórios.
Luiz Osvaldo Rodrigues da Silva, orientador da célula de vigilância entomológica e controle de vetores, explica que esse trabalho é feito em ações do cotidiano de atuação dos agentes e também em ações específicas, como o que acontece em relação à febre oropouche.
“Algumas atividades são de rotina, como no caso de infestação de dengue. Todos os municípios realizam a coleta de formas imaturas (do mosquito) para fazermos os índices de infestação”, exemplifica. Mas as estratégias são diferentes de acordo com a localidade.
“Conforme a região, algumas doenças são mais prevalentes, como a leishmaniose tegumentar. Temos regiões mapeadas, principalmente em serras, com mais importância. A (leishmaniose) visceral já ocorre mais na área litorânea e no sertão”, detalha.
Além das doenças tidas como uma ameaça à saúde pública, os especialistas também monitoram a possibilidade de introdução de outras patologias. “No caso da malária, nós não temos a doença, mas temos o vetor e por isso é preciso fazer a vigilância”, destaca Luiz.
Para lidar com essas doenças é preciso conhecer os vetores, fazer coletas e identificação para pensar em medidas de controle e avaliar isso. Esses equipamentos, têm a finalidade de fortalecer as equipes para que elas possam rapidamente propor ações
Por isso, o orientador defende a ampliação dos microscópios e das equipes de entomologistas para acelerar as investigações e respostas sobre o avanço de doenças no Estado.
“Quando temos equipamentos e pessoas qualificadas para fazer essa identificação, a resposta é bem mais rápida do que depender do nível central, por exemplo. Ter isso na região, faz com que a gente ganhe oportunidade de rapidez”, frisa.
Ao chegar nos laboratórios, é feita a identificação e catalogação das espécies, como acrescenta Roberta Oliveira, coordenadora de vigilância ambiental e saúde do trabalhador.
“Esses laboratórios funcionam como satélites e os municípios têm a possibilidade de mandar insetos para serem identificados. Se temos casos de leishmaniose tegumentar, colocamos armadilhas, coletamos os insetos e o laboratório identifica os mosquitos”, pontua.
A partir daí é possível definir estratégias de controle, como o uso de borrifação costal, e distribuição de repelentes, como o Estado avalia para enfrentar a situação da febre oropouche no Maciço de Baturité
Para avaliar os vírus e bactérias presentes nesses vetores, as amostras precisam ser enviadas para o Laboratório Central de Saúde Pública do Ceará (Lacen), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro, e o Instituto Evandro Chagas (IEC), no Pará.