Pacientes com febre oropouche no Ceará relatam ‘dores muito fortes’ e outros efeitos da doença

Arbovirose semelhante à dengue já infectou mais de 120 pessoas, todas no Maciço do Baturité

Escrito por Theyse Viana , theyse.viana@svm.com.br
Mulher com dor de cabeça
Legenda: Dor de cabeça forte é o sintoma mais frequente entre os cearenses que testaram positivo para febre oropouche
Foto: Reprodução/Freepik

Dor de cabeça intensa, dores “no corpo todo” e febre alta. Os três sintomas são unânimes entre os pacientes que contraíram a febre oropouche no Ceará, doença semelhante à dengue e que já soma 122 casos, de acordo com a Secretaria Estadual da Saúde (Sesa).

Transmitida pelo mosquito maruim, também conhecido como mosquito-pólvora ou polvinha, a arbovirose já atinge as populações de pelo menos seis municípios, todos na região do Maciço de Baturité. Não há registro de casos graves nem óbitos.

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Um dos cearenses que entraram para as estatísticas de testes positivos para o vírus oropouche (OROV) foi Antônio José, pai da técnica de enfermagem Jamile Gomes, 24. A família vive no distrito de Lameirão, na zona rural do município de Mulungu, e pelo menos quatro membros contraíram a doença.

A própria Jamile, apesar de não ter feito exame laboratorial, teve todos os sintomas da doença. “Comecei a sentir uns calafrios e, na madrugada, começou a febre bem forte e uma dor de cabeça muito, muito forte”, relata a profissional de saúde.

“Já estava amanhecendo quando começou uma dor nos ossos muito forte, doía quando eu andava e me mexia”, acrescenta a jovem.

Jamile conta que não chegou a procurar atendimento médico, e tratou as manifestações apenas com medicação para dor. A técnica de enfermagem foi uma das primeiras da comunidade a ter os sintomas da oropouche – que, depois, atingiria o pai, o esposo e a mãe.

“Meu pai teve vômito, dor de cabeça, no corpo, nos olhos, aí melhorou uns dias. Com 3 dias, convulsionou, foi pro hospital, começou a ter febre e dor de cabeça de novo. Fez exame e deu positivo”, descreve, alertando que a doença foi mais “prolongada” nos homens da família.

A mulunguense diz que o “polvinha” já é conhecido dos moradores da região, e tem presença marcada próximo às casas entre 15h e 17h, todos os dias. “Desde que me entendo por gente que sempre existiu. Agora, estamos usando repelente e roupa longa.”

‘Nem me mexia na cama’

O diagnóstico de febre oropouche chegou como um susto para a funcionária pública Luciana Sousa, 27, que vive no município de Pacoti, a 90 km de Fortaleza. Ao contrário de outros moradores da região, ela nunca tinha ouvido falar no mosquito maruim.

“Quando dei entrada no pronto socorro, a suspeita foi dengue. Eu estava com muita dor no corpo e, nos momentos de febre alta, tive dor atrás dos olhos. Eu não tive vômitos, mas também não tinha nenhum apetite”, detalha.

As dores agudas causadas pelo OROV chegaram a ser confundidas por Luciana, que já convive com dor no nervo ciático. Porém, após tomar a medicação de sempre, não houve melhora: o quadro se espalhou pelo corpo todo.

“Em 40 minutos, eu piorei muito. Praticamente nem me mexia na cama, porque estava doendo tudo. E a febre contribui muito pra essa dor, era em torno de 40°C”, completa.

Já no hospital, a funcionária pública fez testes para as principais arboviroses que circulam no Ceará: dengue, zika e chikungunya. Com os três negativos, restou identificar a oropouche – que chegou a atingir o fígado da jovem.

“Fiz todo o acompanhamento, todos os procedimentos e fiquei bem. Foi em torno de 9 dias nesse processo doloroso”, conclui.

‘Sinto dor nas costas até hoje’

Há cerca de um mês, ainda em julho, a dor no corpo e a “moleza” repentinas indicaram para Jady Vasconcelos, 22, que alguma virose estava se instalando. Dois dias depois, com a intensificação dos sintomas, a confirmação viria: era mais uma paciente com febre oropouche em Mulungu.

A jovem relata que a dor de cabeça chegou a ser alucinante. “A dor no corpo aumentou, não conseguia nem fechar minhas mãos, movimentar minhas pernas. Dor atrás dos olhos e uma dor de cabeça muito forte, grande mesmo, tinha hora que eu pedia pra morrer”, lembra.

A febre alta, que não baixou com antitérmicos, motivou a ida ao hospital, onde ela fez o teste para a doença. Além de Jady, outras seis pessoas da família manifestaram os mesmos sintomas, mas nenhuma fez exame para confirmar a infecção pelo OROV.

“Meu pai, de 55 anos, teve pior ainda. Ele tem diabetes, ficou com umas manchas vermelhas, a gente pensou até que era dengue. E a dor nas articulações era maior ainda que a dor de cabeça”, descreve.

Já para ela, as consequências da oropouche incomodam mesmo um mês depois. “Já tava com uma semana mais ou menos que eu tinha ficado boa, aí voltei a sentir uma dor de cabeça e uma dor nas costas. Sinto até hoje.”

O “polvinha”, então, conhecido por várias gerações, passou a ser temido. “A gente já sabia que tinha, mas nos tempos passados não tinha causado alguma doença. E se causou, ninguém nunca acusou ele”, brinca.

Emmanuella Carvalho, secretária de Saúde de Redenção, outro município do Maciço com circulação do vírus oropouche, lembra que “em meados de maio e junho foram notificados casos suspeitos de dengue, mas depois confirmados para febre oropouche”.

A gestora afirma que, desde então, os quadros têm durado entre 4 e 7 dias e cursado “de forma leve, sem sinais de gravidade”. Apesar disso, todos são acompanhados com rigor, para frear a disseminação.

“Todas as equipes estão sendo orientadas quanto ao surgimento do novo agravo, mesmo sabendo que os casos estão concentrados nas regiões de serra, ambiente favorável ao desenvolvimento do vetor”, frisa.

Ela ressalta a importância de esclarecer a população sobre as formas de prevenção individual da doença, a fim de conter o avanço dos casos.

Casos de oropouche no Ceará

A febre oropouche apresenta um quadro muito similar ao da dengue, e pode gerar desde complicações neurológicas até o interrompimento da gravidez. No Ceará, situações como essas não foram notificadas até o momento.

“São principalmente 3 sintomas: febre, dor de cabeça muito intensa – o paciente segura a cabeça com dor – e uma dor no corpo, o paciente não consegue levantar. É como a dor da dengue”, detalha Antônio Silva Lima Neto, secretário executivo de Vigilância em Saúde da Sesa.

15
dias é o tempo médio que os pacientes com oropouche permanecem com os efeitos da doença, segundo o secretário.

Assim como a dengue, a oropouche “não tem antiviral específico”, como frisa o secretário. “O que faz é tratar clinicamente. O paciente com dengue desidrata, precisa repor líquido, inicialmente oral, mas se necessário por soro na veia. É provável que a oropouche também cause isso.”

De todo modo, Antonio Lima destaca a importância de realizar os diagnósticos corretamente, para fortalecer a vigilância da arbovirose causada pelo OROV.

“Se aumentar a dengue agora em alguma região, temos que suspeitar que pode não ser dengue. Posso confirmar um caso de dengue sem exame laboratorial, só por sintomas que se enquadram. Mas no caso do oropouche, só confirmamos com o exame.”

SINTOMAS DA FEBRE OROPOUCHE

  • Febre de início súbito
  • Dor de cabeça
  • Dor muscular
  • Dor articular
  • Tontura
  • Dor atrás do olhos
  • Calafrios
  • Fotofobia (sensibilidade à luz)
  • Náuseas
  • Vômitos
  • Meningoencefalite (inflamação no sistema nervoso), em casos graves
  • Manifestações hemorrágicas, em casos graves.

COMO PREVENIR A FEBRE OROPOUCHE

Apesar de causar sintomas parecidos com a dengue, as formas de prevenção são diferentes. A chave da proteção contra a oropouche não é o combate ao mosquito maruim, diferentemente do que ocorre em relação ao Aedes aegypti.

A melhor forma de prevenção é evitar o contato com o vetor, por meio de medidas individuais e coletivas, como:

  • Evitar o contato com áreas de ocorrência e/ou minimizar a exposição às picadas dos vetores (mosquitos);
  • Usar roupas que cubram a maior parte do corpo, como mangas compridas, calças e sapatos fechados; 
  • Aplicar repelente nas áreas expostas da pele;
  • Limpar terrenos e locais de criação de animais;
  • Recolher folhas e frutos que caem no solo;
  • Usar telas de malha fina em portas e janelas.
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