De Guaramiranga a Beberibe: conheça as 9 cidades do CE que foram extintas e depois recriadas
Os territórios sofreram alterações na lei e perderam o status de cidade por um período; Arneiroz, por exemplo, foi extinto 3 vezes até a década de 1940
Histórias de moradores costumam se confundir com o lugar onde vivem numa relação estreita. Mas, e se a cidade a qual você habita mudasse de status e fosse extinta? No Ceará, alguns municípios, incluindo “famosos” como Guaramiranga e Beberibe, no decorrer do percurso histórico, devido à dinâmica política, passaram exatamente por essas transformações inusitadas, sendo: criados, extintos e recriados.
O Diário do Nordeste conta quais são as 9 cidades que, até a década de 1940, vivenciaram esse processo singular e por quais motivos.
Essa movimentação foi publicada pelo jurista Clodoaldo Pinto na Revista do Instituto do Ceará. O estudo foi disponibilizado para a reportagem pelo Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece), além da pesquisa “Formação do Território e Evolução Político-Administrativa do Ceará”, que atualiza a situação de algumas cidades.
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Os territórios com destaque econômico e cultural passavam pelo processo de criação oficial do município por meio de leis isoladas, com a definição da cidade e do nome dado àquele lugar, considerando a economia. No entanto, vários municpipios foram rebaixadas ao status anterior e agregadas em espaços maiores.
Isso porque a criação de uma cidade também funcionava como estratégia para arrecadação de impostos federais, mas depois de formadas, não havia recurso suficiente para manter a população. No entanto, o cenário de urbanização e industrialização oscilava e o status desses territórios eram alterados novamente.
“Tudo isso vai acontecer por conta de uma decisão política, à nível de estado e de município. Nos distritos, vai se ter a importância financeira e cultural daqueles povoados, que atingem um destaque”, explica o geógrafo Carlos Farrapeira.
Municípios recriados no Ceará
Arneiroz: O município foi criado no dia 21 de novembro de 1864 e extinto quase 50 anos depois, em 1913. Os cidadãos de Arneiroz voltaram a ter o status de cidade no ano seguinte, em 1914, mas novamente perderam a posição em 1920.
O território voltou a ser considerado município em outubro de 1922, mas suprimido por um decreto em 1931. Naquela época, a circunscrição se tornou um distrito de Tauá.
O destino definitivo do lugar chegou no dia 14 de março de 1957, quando a Lei nº 3.554 criou o município novamente. Desde então, Arneiroz não perdeu mais o título de cidade.
Beberibe: O lugar foi reconhecido como uma cidade no dia 5 de julho de 1892. A "inauguração" de Beberibe aconteceu em setembro daquele ano, mas 28 anos depois foi extinto por lei, em 1920. Pouco tempo depois o destino do território foi alterado mais duas vezes.
Em 1926, Beberibe ganhou outra vez o status de cidade, mas perdeu em 1931. Com isso, passou a ser um distrito pertencente à Cascavel. Em 1951, Beberibe voltou para o quadro de divisões municipais do Estado.
Caridade: a cidade cearense foi criada no dia 4 de agosto de 1911, mas extinta pouco tempo depois, em 1920. Com a perda do status de município, Caridade se tornou um distrito de Canindé.
Mas o status de município foi devolvido à Caridade no dia 6 de agosto de 1958, quando a Lei nº 4.157 criou a cidade novamente.
Guaramiranga: Surgida em 1º de setembro de 1890, com "inauguração" celebrada em outubro daquele ano, a cidade já havia sido chamada Conceição. No entanto, o território perdeu o status em 1899.
O restauro da posição de município veio em outubro de 1921, mas a extinção veio 10 anos depois, quando passou a ser um distrito de Pacoti. A gestão de Guaramiranga aponta que recuperou o status de cidade em 11 de junho de 1957 pela Lei n° 3.679.
Iracema: o território deixou de ser chamado Caixassó tornando-se município no dia 30 de agosto de 1890 com o nome Iracema. Em 1920, contudo, foi extinto.
Uma nova lei recriou a cidade em 1926, mas Iracema voltou a ser extinta em 1931, quando passou a ser um distrito de Pereiro. Mas a definição veio no dia 22 de novembro de 1951 pela Lei nº 1.153, que devolveu a classificação de cidade.
Vale dizer que Iracema até voltou a ser modificada, mas para dar origem a uma nova cidade. Em 1987, o território de Potiretama foi desmembrado e ganhou independência.
Meruoca: o município nasceu no dia 13 de novembro de 1885, mas foi extinto em 1920, quando passou a ser um território de Sobral. No entanto, ganhou em definitivo o status de cidade no dia 13 de novembro de 1885.
A Meruoca sofreu uma nova alteração em 1957, quando o território de Alcântaras foi desmembrado dando origem a uma nova cidade.
Mulungu: criado no dia 23 de julho de 1890, o município foi extinto pouco tempo depois, em 1899, mas restaurado no ano seguinte por meio de uma lei.
Ainda assim, Mulungu foi extinto novamente em outubro de 1921 e recriado em 1929, mas esse vai e vem não acabou naquele ano. O território recuperou o status de cidade em 1929, mas foi extinto novamente em 1931 - momento em que agregou o espaço de Pacoti.
O resultado final veio em março de 1957, quando Mulungu foi elevado à categoria de município, conforme o IBGE.
Porteiras: já conhecido como Conceição do Cariri, o município de Porteiras foi criado no dia 17 de agosto de 1889. Em 1920, a cidade foi extinta e restaurada em 1922.
Só em 1931, um novo decreto extinguiu a cidade, que passou a ser distrito de Brejo Santo. Conforme o IBGE, Porteiras foi elevado à categoria de município no dia 22 de novembro de 1951.
Trairi: o território, anteriormente chamado de Nossa Senhora do Livramento, ganhou o status de cidade sob o nome de Trairi no dia 12 de novembro de 1863. A lei que deu origem ao local, no entanto, foi revogada no ano seguinte.
Em nova lei, em 1868, criou o município no núcleo de Parazinho, mas em 1874 transferiu a sede para Trairi. O estudo publicado pelo Instituto do Ceará indica que o município foi extinto e restaurado diversas vezes.
Em 1913, por exemplo, foi extinto. No ano seguinte, foi criado novamente. Em 1920 veio uma nova extinção do território no posto de cidade, mas restaurado dois anos depois.
Em 1931, Trairi perdeu novamente o status de cidade e passou a fazer parte do município de São Gonçalo. Já no dia 12 de novembro de 1963, Mundaú foi desmembrado e Trairí permaneceu como município, conforme o IBGE.
Como o Ceará foi ocupado?
Os territórios cearenses foram sendo ocupados, inicialmente, para a defesa do território - como são exemplos Aquiraz e Fortaleza -, mas, principalmente, pela proximidade com fontes de água doce. No interior do estado, a pecuária possibilitou a sobrevivência no campo.
Com isso, os aglomerados de pessoas foram desenvolvidos economicamente e o Estado passou de 16 cidades, no período colonial, para 184 municípios, na atual configuração. Na continuidade desse processo, algumas localidades e distritos ganharam porte de cidade.
Nessa dinâmica, a relação em que as cidades estabelecem entre si também modificam a relação das pessoas com o próprio ambiente e gera a necessidade de percorrer outros territórios.
“Você pode ter um pequeno povoado que, com o passar do tempo, tem um potencial econômico, instala-se uma indústria e acaba ganhando oportunidade e as pessoas daquela localidade vão ser absorvidas para trabalhar”, explica.
Esses municípios que acabam deixando de ser municípios ou distritos, desaparecem e aparecem no mapa como um desequilíbrio ao longo da história, mostram muito as variações de importância que eles tiveram frente às atividades econômicas, sociais e culturais
Além disso, há uma questão de estratégia política na criação ou extinção de municípios. Muitas localidades do Ceará nasceram para a arrecadação de impostos ou como forma de homenagear personalidades.
“Muitos distritos têm influência e não conseguem ganhar destaque, porque o medo das sedes municipais de perder aquele concentração de impostos não permite outros trechos do território se desenvolverem como deveriam”, analisa Carlos.
Relação com o lugar
Deixar de ser um distrito ou localidade ligada à sede para se tornar uma cidade acontece num processo que leva gerações, como analisa Alexandre Pereira, geógrafo e professor na Universidade Federal do Ceará (UFC).
“A emancipação dá aquele território características de vínculo federativo, com tudo o que se imagina para um município - do executivo, legislativo e judiciário. Para a população há uma construção (da cidade)”
Você passa a se definir a partir da história daquele conjunto territorial, das pessoas que ali moram, dos monumentos, dos fatos históricos que aconteceram, dos personagens ilustres. Essa é uma construção pensada
São criados, então, símbolos de afeto ao lugar como “nossos rios, montanhas, praias” ou “o pescador, o sertanejo, o artesão”, que se tornam representantes de um lugar. Esse processo também passa por interesses ligados ao poder.
“Há uma tentativa, sobretudo de um grupo local, de constituir um conjunto de símbolos, fatos e eventos para criar uma coesão social e uma identidade para que todos naquele território passem a se sentir pertencentes”, completa. Com isso, se instala a gestão municipal.