Data Center de Caucaia deve usar 30 mil litros de água por dia e ser abastecido por poços profundos
Estrutura precisa de refrigeração 24 horas para evitar aquecimento de computadores

O abastecimento de água no futuro Data Center Pecém, que será construído em área do Complexo Industrial e Portuário do Pecém em Caucaia, na Região Metropolitana de Fortaleza, deve ocorrer através de poços artesianos instalados no distrito de Catuana. Ao todo, a megaestrutura deve utilizar cerca de 30 mil litros de água por dia, contando consumo de funcionários, irrigação e refrigeração de supercomputadores.
O projeto do empreendimento prevê a construção de um galpão de serviços técnicos para fornecer serviços de processamento, armazenamento e gerenciamento de dados, abrangendo cerca de 68 hectares – cerca de 95 campos de futebol – na Zona de Processamento de Exportação (ZPE) do Porto do Pecém.
Os detalhes da operação foram obtidos pelo Diário do Nordeste com base nos documentos anexados ao processo de licenciamento, promovido pela empresa Casa dos Ventos junto à Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace). Ao todo, são quase 1.300 páginas.
Segundo o documento, o Data Center da Casa dos Ventos será abastecido por dois poços artesianos. Esse é um tipo de poço tubular profundo, que é escavado e busca água nos aquíferos do subsolo.
A empresa explica que eles serão empregados para as instalações sanitárias, irrigação, combate a incêndios e ar-condicionado, além de tratamento de esgoto. Para a instalação dos poços artesianos, será necessário realizar um teste de vazão e coletar uma amostra de água para definir onde ficará a estação de tratamento de água.
“Para o funcionamento contínuo dos poços artesianos, será instalada uma bomba submersível capaz de elevar a água até a estação de tratamento e, posteriormente, até o reservatório. Após reservada, a água será bombeada até os pontos de consumo finais”, afirma o projeto.
Pela legislação cearense, todo usuário que utiliza a água bruta de rios, lagoas, açudes, canais, adutoras, poços e nascentes, para qualquer processo produtivo, precisa solicitar uma autorização especial ao Governo do Estado.
No caso do Data Center Pecém, a construção dos poços com finalidade “industrial” foi autorizada no dia 17 de abril deste ano, pela Secretaria dos Recursos Hídricos (SRH). A outorga do direito de uso de recursos hídricos na área tem validade de 10 anos, se estendendo até 17 de abril de 2035.
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Detalhes do consumo
O volume outorgado pelo Estado foi de 26.280 m³/ano (cerca de 72m³/dia, acima dos 30 m³/dia informados pela empresa), com vazão de 0,83 litros por segundo. A operação se dará 24 horas, sete dias por semana, já que o sistema de computadores do local não pode ser desligado.
O consumo diário total estimado é de 19.700 litros/dia, incluindo uso sanitário, irrigação e sistemas que envolvem Aquecimento, Ventilação e Ar Condicionado (HVAC).
O consumo de água potável foi calculado considerando 184 funcionários, com uso per capita de 50 litros por colaborador/dia, resultando em um consumo diário de 9.200 litros.
Para a área externa, destinada a jardins, há um consumo previsto de 1,5 litros/m²/dia, resultando em um consumo diário de 7.500 litros.
O consumo diário do sistema de ar-condicionado foi estimado em 3.000 litros por dia. Segundo a empresa, a operação em circuito fechado dentro de tubulações deve minimizar os gastos.
Já para a estação de tratamento de esgoto (ETE) do local, haverá um consumo diário de 10.000 litros.
Além disso, há previsão de uma reserva para combate a incêndio, considerando hidrantes, sprinklers e espuma, de 180.000 litros.
Para Francisco de Assis de Souza Filho, professor do Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental da Universidade Federal do Ceará (UFC) e Cientista-Chefe dos Recursos Hídricos do Ceará, o uso de 30 m³/dia é “muito pouco” quando comparado às demandas da indústria, irrigação e cidades do Ceará.
Segundo ele, o número representa menos de duas cisternas de 16 m³, modelo comum para captação de água da chuva em domicílios rurais do Nordeste.
Condicionantes do Governo
Embora tenha concedido a autorização, a SRH ressalta que a outorga do direito de uso dos recursos hídricos pode ser suspensa de forma total ou parcial, em definitivo ou por prazo determinado, sem qualquer direito de indenização ao usuário.
Segundo o decreto estadual Nº33.559/2020, entre as circunstâncias para isso, estão:
- descumprimento dos termos da outorga;
- necessidade de água para atender a situações de calamidade, inclusive as decorrentes de condições climáticas adversas;
- necessidade de se prevenir ou reverter grave degradação ambiental;
- necessidade de atendimento a usos prioritários, de interesse coletivo, para os quais não se disponha de fontes alternativas;
- superexploração de aquíferos.
“O outorgado responderá civil, penal e administrativamente, por danos causados à vida, à saúde, ao meio ambiente e pelo uso inadequado que vier a fazer da presente outorga”, menciona na autorização.
Além disso, a Semace informou, ao fornecer a licença prévia, a condicionante de que o empreendimento “deverá adotar todas as medidas possíveis para reduzir ao mínimo as interferências no leito e nas margens do rio, assim como nos aquíferos subterrâneos, bem como prezar e monitorar a qualidade da água destes recursos hídricos”.
Em resposta, a empresa declarou que “está ciente da referida condicionante e garante sua observância e atendimento”.
Monitoramento da qualidade da água
Obedecendo a legislações ambientais em vigor, a empresa ainda descreve o Plano de Monitoramento da Qualidade da Água Superficial e Subterrânea, voltado para avaliar determinados parâmetros na área de influência do Data Center.
A Casa dos Ventos entende que, durante as fases de implantação do empreendimento, há diversas atividades que são “potencialmente poluidoras” e podem impactar a qualidade das águas superficiais e subterrâneas, como:
- abastecimento, manutenção e operação de veículos e equipamentos
- circulação de veículos e equipamentos
- supressão de vegetação
- obras de terraplenagem
- escavação de fundações
- construção ou adequação de acessos
- implantação e recuperação de áreas de empréstimo e depósitos de material excedente
- instalação e operação de canteiros de obra
- funcionamento de instalações como refeitórios e sanitários
- operação dos sistemas de tratamento de efluentes
- operação do sistema de drenagem
- estocagem de materiais.
Com tantos fatores de atenção, serão definidos pontos de amostragem nos corpos hídricos capazes de serem afetados pelo empreendimento “para garantir um monitoramento eficaz”.
No caso da qualidade de águas subterrâneas, o monitoramento será realizado a partir de coleta nos poços instalados dentro do empreendimento. A avaliação deve ser contínua ao longo das fases de implantação e operação do Data Center.
As amostras coletadas devem passar por análises físico-químicas em conformidade com padrões ambientais estabelecidos em resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), incluindo parâmetros orgânicos e inorgânicos, cor e turbidez.
Caso haja desconformidades, a análise pode permitir “medidas corretivas e mitigatórias”.
Periodicidade das análises
A empresa estipula que o monitoramento será feito durante toda a fase de implantação do Data Center. A coleta de amostras e análise dos parâmetros circunstanciados terão periodicidade trimestral.
“Durante o período seco, poderá haver impossibilidade de coleta de água em recursos hídricos superficiais, em função das características regionais”, atenta.
Semestralmente, também será emitido um relatório parcial. Ao final da implantação, haverá um relatório conclusivo comparando todo o período amostrado e as amostragens completas, “permitindo avaliar possíveis alterações sofridas na qualidade das águas superficiais”.
“Adicionalmente, deverá ser apresentado um Relatório Anual e/ou com a frequência solicitada pelo órgão ambiental contendo os resultados das campanhas realizadas, fornecendo conclusões sobre o impacto das atividades na qualidade das águas”, compromete-se.
Transparência da reportagem
Após a empresa informar à reportagem que “todos os documentos” relacionados ao processo de licenciamento do Data Center estão disponíveis “mediante solicitação formal ao órgão ambiental”, o Diário do Nordeste enviou um pedido de informação à Semace.
A assessoria de comunicação do órgão declarou que o empreendimento não passou por processo de licenciamento via Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), mas sim por análise de Relatório Ambiental Simplificado (RAS).
Por esse motivo, o documento não estava disponível no site da Semace; era necessário fazer um requerimento diretamente junto ao Protocolo da Superintendência.
Em outro endereço eletrônico, a Gerência de Atendimento e Protocolo (Geapr) informou que, para solicitar a cópia do processo, deveria ser encaminhado um requerimento padrão preenchido junto a um documento de identificação do solicitante.
Após essa confirmação, a Gerência informou que a requisição da cópia do processo foi anexada ao processo. Só então o arquivo em formato PDF foi encaminhado via e-mail.