Conheça a história de sítio centenário no CE que já foi engenho, casa de artista e virou bem tombado

Residência foi o primeiro ateliê do artista plástico Sérvulo Esmeraldo, falecido em 2017

Escrito por Nícolas Paulino , nicolas.paulino@svm.com.br
Legenda: Sítio tem quase 150 anos e é retrato do ciclo do açúcar no Ceará
Foto: Antonio Rodrigues/SVM

O Sítio Bebida Nova, localizado na cidade do Crato, Ceará, teve o tombamento definitivo assinado pelo governador Elmano de Freitas, no último dia 15 de abril, dois anos após ser aprovado pelo Conselho Estadual de Preservação do Patrimônio Cultural do Estado do Ceará (Coepa). A decisão também foi publicada no Diário Oficial do Estado (DOE-CE).

Casa do artista plástico cearense Sérvulo Esmeraldo, falecido em 2017, o Sítio Bebida Nova se enquadra na história dos engenhos do Nordeste do Brasil. Com vista privilegiada do Crato, a localidade abriga o Casarão da Bebida Nova ou Casarão dos Esmeraldo, na área rural do município, na região do Cariri.  

O decreto assinado pelo governador afirma que o Sítio “constitui um dos poucos marcos sobreviventes do período açucareiro do Ceará, representando modos de vida e produção que atualmente não existem da mesma forma, bem como representando o desenvolvimento da área do Cariri cearense, tornando-se um polo de troca entre diferentes culturas e povos”.

Conforme a instrução de tombamento, por lá circularam importantes figuras políticas da cultura e da economia. Além de uma grande faixa de terra, o empreendimento demandava cursos d’água próximos ao núcleo produtivo. Por esses elementos, em dezembro de 2021, o tombo definitivo já havia sido aprovado em reunião extraordinária do Coepa.

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Alexandre Veras, arquiteto da Secult, afirma que um tombamento depende de várias motivações conectadas. No caso do Bebida Nova, pesou tanto ser a primeira “faísca criativa” de Sérvulo quanto um registro construído do momento econômico do Estado, no início do século XX, embora seus moendas e moinhos não existam mais.

Além do casarão em si, o tombamento garante o resguardo de áreas do entorno para não se impactar negativamente a paisagem onde a construção está inserida. “Como o prédio está num aclive, lá da via, da estrada, você veria qualquer outra construção”, afirma o arquiteto.

Fundadora do Instituto Sérvulo Esmeraldo e uma das solicitantes do pedido de tombamento, Dodora Guimarães Esmeraldo considera o tombamento definitivo um “prêmio” não só para a memória de Sérvulo, mas para toda a família Esmeraldo - especialmente da sogra, Zaira Cordeiro Esmeraldo.

“Foi ela a pessoa que mais transmitiu para mim a importância da Bebida Nova na vida deles. Ela nunca esqueceu. Essa conquista devemos muito a ela, pela persistência da memória, da exigência dela de que fizéssemos alguma coisa pelo Sítio”, conta.

Quanto a Sérvulo, a viúva lembra que ele nasceu na sede do Crato, mas viveu toda a infância e início da juventude na Bebida Nova. O sótão do casarão, inclusive, foi seu primeiro ateliê.

“Por onde ele andou, ele aprendeu técnicas, mas a linguagem foi aprendida no Crato, a partir das janelas da Bebida Nova, de onde via todo o horizonte delineado pela Chapada do Araripe, e tirava a inspiração para o trabalho”, rememora.

Projeto pendente

Quando o tombamento foi aprovado pelo Coepa, em 2021, houve uma discussão para a elaboração de um plano de salvaguarda do bem, que implicaria em uma parceria entre Governo Estadual e Prefeitura Municipal do Crato.

Segundo Dodora, a proposta inicial do acordo era de que a Prefeitura adquirisse e gerisse o imóvel, enquanto o Estado responderia pelo restauro e adequação do prédio aos usos memorialístico e turístico. “Pensamos num projeto conceitual, mas até hoje não chegamos a uma definição”, explica ela. 

O arquiteto Alexandre Veras, porém, afirma que ainda não há uma destinação fechada porque o imóvel é particular e, atualmente, é utilizado como residência. Portanto, cabe aos proprietários definir que uso querem dar ao espaço. “A gente não impõe uso ao bem tombado, o instrumento é para garantir a preservação da sua forma”, ressalta.

O Diário do Nordeste procurou a Prefeitura do Crato para saber se foi construído algum plano municipal para beneficiar a região do Sítio. Em nota, o secretário de Cultura do Crato, Amadeu de Freitas, afirmou que "o tombamento é uma importante conquista para a política de preservação do patrimônio do município do Estado e do Município do Crato".

De acordo com ele, está planejado para o local a instalação de um memorial das obras de Sérvulo Esmeraldo na parte interna e ao ar livre e também um espaço de gastronomia. A proposta, informa, "é de ser realizada em parceria com o Instituto Sérvulo Esmeraldo e o Governo do Ceará".

Para Dodora, todo o entorno deveria ser restaurado. “O Sítio tem um legado cultural e histórico, e adicionamos a proposta de preservar o meio ambiente, porque o Sérvulo se preocupava com isso. É uma paisagem muito bonita que deve ser preservada”, pontua 

História do Sítio Bebida Nova

O Casarão dos Esmeraldo, ou Casarão da Bebida Nova, foi construído por ordem de Antonio Esmeraldo da Silva, entre as décadas de 1870 e 1880. Um dos herdeiros foi o pai de Sérvulo, Álvaro Esmeraldo, que tocou o engenho por muito tempo.

Quando o esposo faleceu, Zaira Cordeiro Esmeraldo continuou guiando as atividades produtivas no local. Lá a cana de açúcar era moída para a fabricação de rapadura e aguardente. Com o tempo, devido a problemas de saúde, Zaira precisou se mudar para Fortaleza.

A origem do nome do sítio permanece um mistério. Segundo Dodora, Sérvulo contava que, antigamente, ele era chamado de “Boa Vista” ou “Bela Vista”, por se localizar numa área de maior altitude, mas foi rebatizado por causa da produção de cachaça no engenho. Porém, eles também já escutaram que, por ficar em uma região com muitas nascentes de água, teria sido uma homenagem aos recursos naturais.

Quem foi Sérvulo Esmeraldo?

Sérvulo nasceu em 27 de fevereiro de 1929, no Crato, e desde cedo demonstrou aptidão para as artes. No fim dos anos 1940, após se mudar para Fortaleza, frequentou a Sociedade Cearense de Artes Plásticas.

Na década de 1950, foi a São Paulo para estudar arquitetura. No entanto, também despertou seu olhar para múltiplas artes; nesse período, fundou o Museu da Gravura, em sua cidade natal, e realizou sua primeira exposição individual no Museu de Arte Moderna (MAM).

Por seu talento, ganhou uma bolsa do Governo da França, onde iniciou seus estudos nas técnicas de gravura em metal e xilogravura. Esmeraldo ganhou destaque pela capacidade de misturar formas geométricas abstratas com elementos orgânicos, frequentemente combinando linhas e curvas para criar uma sensação de movimento e equilíbrio.

Em 1978, retornou ao Brasil e realizou diversos projetos de arte pública, incluindo esculturas monumentais na paisagem urbana de Fortaleza - como os "Quadrados" (1987), instalados no campus do Pici da Universidade Federal do Ceará (UFC). Faleceu em 1º de fevereiro de 2017, em Fortaleza, aos 87 anos.

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