Morre o artista plástico Sérvulo Esmeraldo
Foi na Biblioteca Pública do município do Crato que Sérvulo manteve seu primeiro contato com as artes plásticas
Um dos principais expoentes das artes plásticas no Ceará, o escultor, gravador e desenhista Sérvulo Esmeraldo faleceu ontem, aos 87 anos. Ele estava hospitalizado desde o último dia 17 de janeiro e acabou morrendo vítima de falência múltipla de órgãos. O artista estava internado em função de um Acidente Vascular Cerebral (AVC), do qual tentava se recuperar. O velório acontece hoje, a partir das 8h, no Palácio da Abolição, no Meireles, sede do Governo do Estado.
Do horizonte, nos tempos de criança, pinçou a linha. A Chapada do Araripe, ao poente; a Serra de São Pedro, ao nascente. Da janela do sótão da casa primeira, o sítio Bebida Nova, no Crato, pinçou a luz. Da feira do Juazeiro, aos sábados - burburinho, calor, rabecas -, colheu a xilogravura e os livros de cordel. Dos ciganos, que acampavam à beira do sítio, soube do metal. De Dodora, a companheira alicerce, conheceu o amor. Da vida apreendeu a arte - cujo insumo é, de fato, subjetivo, mas o trato, não. É preciso, exato.
Para Sérvulo Esmeraldo (1929-2017), as artes deveriam ser consideradas um braço das ciências exatas. A sensibilidade de seus trabalhos esteve sempre atrelada a cálculos, equações e estudos, desde as rodas d'água construídas no sítio cratense às esculturas monumentais como os "Quadrados" (1987), ainda instalado no Campus do Pici da Universidade Federal do Ceará, a se equilibrar em acuradas fileiras, gestando com o passar das horas a verdadeira obra de arte: as sombras projetadas no chão. Linha e luz.
Caminhos
Na Biblioteca Pública do Crato manteve seu primeiro contato com as artes plásticas, através dos poucos livros sobre o tema. Queria aprender, dizia. "Sabia que o fazer passava pelo aprender a fazer. Parece tão evidente", escreveu em "A Linha e a Luz", derradeiro livro sobre o escultor, sua vida e obra.
Esta ânsia justificaria os caminhos tomados posteriormente. Primeiro, Fortaleza. Iniciou-se profissionalmente no fim da década de 1940, frequentando o ateliê da Sociedade Cearense de Artes Plásticas (Scap), onde conhece Zenon Barreto, Inimá de Paula (1918-1999), Antonio Bandeira (1922-1967) e Aldemir Martins (1922-2006). Nesse período, tem aulas de pintura com Jean-Pierre Chabloz (1910-1984). Em 1951, muda-se para São Paulo, onde participa da montagem da I Bienal de Artes. Reside na capital paulista e atua como ilustrador e crítico de arte no Correio Paulistano, de 1953 a 1957, quando se muda para a França, como bolsista do governo francês.
Em Paris, estuda litografia na École Nationale Supérieure des Beaux-Arts (Escola Nacional Superior de Belas Artes). Com orientação de Johnny Friedlaender (1912-1992), inicia seu trabalho de gravura em metal. Os primeiros anos na Europa foram dedicados a museus, galerias e exposições. Bebeu do contato com seus pares. Via com frequência Bandeira, Arthur Luiz Piza, Flavio-Shiró e outros artistas da América Latina.
Mesmo estando na França, Sérvulo acreditava ter se inserido nas lutas a favor da liberdade, inflamadas na década de 1960. Participou de intervenções artísticas de cunho político, como a sediada no Pavilhão Internacional da Cidade Universitária, na qual expuseram as torturas ocorridas no Brasil e em outros países sul-americanos. "Era nossa contrarrevolução, pacífica, porém perigosa para eles - os armados contra os desarmados. Tínhamos fé na democracia. Há arma mais poderosa?".
Fortaleza
O retorno ao Brasil ocorre ao final da década de 1970. Faz morada em Fortaleza e se dedica à arte pública. O "Monumento ao Saneamento Básico de Fortaleza" (1977), ainda de pé, é um dos muitos trabalhos do escultor e gravurista espalhados pela capital cearense.
Idealizou, em Fortaleza, a Exposição Internacional de Esculturas Efêmeras, da qual foi curador em 1986 e 1991. No mesmo ano, foi contemplado com o Troféu Sereia de Ouro, do Sistema Verdes Mares, por sua imponderável contribuição às artes.
Nem mesmo o avançar da idade foi suficiente para frear um artista cuja sina sempre fora o movimento.
Recentemente, em 2016, realizou um sonho antigo: voltar a expor no Crato. A mostra "Sérvulo Esmeraldo: a linha, a luz, o Crato" foi aberta 65 anos depois da primeira exposição do artista na terra natal e no mesmo lugar da primeira - hoje Universidade Regional do Cariri (Urca).
Em novembro do ano passado, 80 obras do cearense foram expostas em Basileia, na Suíça, reunidas sob o tema "Os anos europeus de Sérvulo Esmeraldo: 1957-1975". Enquanto isso, um mês depois, em Fortaleza, a escultura "Monumento ao Jangadeiro" voltava ao seu lugar costumeiro, o calçadão da beira-mar, após reforma do espaço e restauração da obra. Em suma: finda a vida do artista, permanecem os trabalhos. Estão em galerias e museus pelo mundo ou mesmo em ruas e prédios da capital cearense, resistindo, a fim de que Sérvulo viva - nunca chegue ao fim da linha, nunca sofra o apagar das luzes.
O QUE ELES PENSAM
Referência nas artes plásticas
"Ao longo de sua trajetória, Sérvulo saiu do Ceará, foi para São Paulo e, em seguida, alçou voos mais altos, indo para a Europa e se tornando um artista de renome internacional, o que é algo extraordinário. Nós só temos a lamentar e lembrar o ciclo da vida. Infelizmente, os bons amigos vão, mas a obra permanece, de uma forma bastante consolidada"
Max Perlingeiro
Diretor da Galeria Multiarte
"O povo brasileiro, em especial o povo cearense, chora a partida desse artista referencial, sabendo, porém, que Sérvulo Esmeraldo permanece vivo em suas obras pela cidade, em seu desejo de aproximação entre arte, arquitetura e experimentação social. Um grande artista integrante da memória das artes do Ceará, do Brasil, do mundo"
Fabiano dos Santos Piúba
Secretário Estadual da Cultura