Conae: entenda o que é a conferência que pode definir metas de educação da próxima década no Brasil

Em entrevista ao Diário do Nordeste, o coordenador do Fórum Nacional da Educação, Heleno Manoel, explica quais são os temas urgentes e o que será a base do novo Plano Nacional de Educação

Escrito por Thatiany Nascimento , thatiany.nascimento@svm.com.br
Legenda: A Conae segue até esta terça-feira (30), quando um documento final será produzido para nortear no novo Plano Nacional de Educação
Foto: José Cruz/Agência Brasil

Financiamento da educação, universalização das matrículas em creches, no ensino fundamental e no médio e o aumento de vagas na educação profissional, são alguns dos temas debatidos na Conferência Nacional de Educação (Conae) 2024 que ocorre, em Brasília, desde domingo (28) e se encerra nesta terça-feira (30). O encontro reúne professores, conselheiros, gestores, governantes, alunos, mães e pais do Brasil inteiro.

O Ceará tem 62 representantes formais, dentre os 1.500 delegados. Da Conae deverá sair a base para o novo Plano Nacional de Educação (PNE) que valerá de 2024 a 2034. No atual PNE (Lei 13.005, de 2014), que possui 20 metas, a maior parte delas não foi alcançada, e a realidade, no cenário nacional, ainda está aquém da idealizada há 10 anos, quando o plano foi aprovado.

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Na prática, o PNE é a lei a ser seguida pelo poder público para definir as ações que serão tomadas em prol da educação e trata do ensino infantil ao superior. O plano tem metas específicas a serem cumpridas em 10 anos e elas vão desde as taxas de alfabetização até a verba destinada à educação, por exemplo. 

Em entrevista ao Diário do Nordeste, o coordenador do Fórum Nacional da Educação (FNE), entidade responsável pela coordenação da Conae, Heleno Manoel Araújo Filho, explica quais são os destaques da conferência, os temas urgentes, os trâmites para a validação do plano após a Conae e os assuntos que envolvem maiores disputas para a aprovação. 

Legenda: Coordenador do Fórum Nacional da Educação (FNE), entidade responsável pela coordenação da Conae, Heleno Manoel Araújo Filho
Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

A Conae sempre é precedida por conferências municipais e estaduais de educação, que devem garantir ao máximo a participação popular. No ciclo atual, elas ocorreram em 2023 nas cidades e estados. Agora, ao final da Conae, um documento com as proposições para todas as etapas de ensino, bem como a valorização de professores e o financiamento da educação, será produzido pelo FNE. 

Após a Conae, o FNE envia o documento ao Ministério da Educação (MEC) para que o órgão elabore o projeto de lei do PNE e o envie ao Congresso. Há uma grande expectativa de que o Governo siga à risca o texto final da Conae na formulação da lei. Para vigorar, o novo PNE precisa ser aprovado nas casas legislativas. A projeção é que o trâmite no legislativo comece até março. O atual PNE tem validade até junho de 2024. 

1. Na Conae anterior, que resultou no Plano Nacional de Educação em vigor, a construção do PNE foi um momento bastante disputado. Naquela altura o financiamento da Educação, com até 10% do PIB para a área, era um grande embate. No atual cenário, quais os pontos centrais em disputa e que são indispensáveis na formulação do novo plano e por quê?

Essa edição extraordinária da Conae 2024 tem o objetivo de avaliar o atual Plano Nacional de Educação e apresentar propostas para o futuro plano.

O que acontece é que o atual plano não foi implementado porque em 2016 a emenda constitucional 95 (conhecida como Teto de Gastos) atacou o financiamento, os recursos necessários, para a implementação das políticas. Em 2017, o Ministério da Educação com a portaria 577 atacou a participação popular no monitoramento e avaliação da implementação dessas metas. 

Legenda: Abertura da Conae, no domingo, 28 de janeiro, em Brasília
Foto: José Cruz/Agência Brasil

O que estamos fazendo agora é um debate que, além de retomar o que não foi implementado nos últimos 10 anos, que é o direito de acesso à educação, políticas de valorização profissional, gestão democrática, também vamos discutir o futuro. 

Em termos de conteúdo, nós estamos voltando o que era antes porque não saiu do papel e em termos de perspectiva é tentar garantir recursos e fazer uma pressão social mais forte para tirar o plano do papel e colocar a implementação no dia a dia das escolas e dos sistemas de ensino. 

2. Os balanços relacionados ao PNE atual dão conta que boa parte das metas não foi cumprida no tempo previsto. O que isso sinaliza e o que precisa ser feito para que o novo plano seja mais adequado nesse sentido?

Pensar um plano onde tenha algum mecanismo de indução das políticas nos municípios e nos estados. Vamos pegar um exemplo, o PNE de 2014 vai colocar a exigência do concurso público para atuar nas escolas públicas. Então, temos que pensar no plano mecanismo que vincule a questão da política, que é o concurso público, com a questão financeira. 

Então, no Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) existe um percentual de recurso de 2,5% que vai ser repassado para estados e municípios de acordo com alguns critérios.

Então, podemos colocar nos critérios que o município que queira solicitar mais recursos da União terá que garantir que, no mínimo, 70% do seu quadro de pessoal seja concursado. Você induz a política para que o financiamento seja feito de forma eficiente para implementar a meta. 

3. Apesar das críticas, o atual PNE teve pontos positivos. O que pode ser destacado deste plano e que precisa ser assegurado no próximo?

Infelizmente, teremos boa parte de repetições devido à não implementação no último decênio. Agora, essas repetições precisam vir aprimoradas e contextualizadas com a situação que estamos vivendo. Temos que fazer ajustes. Preparar ações e estratégias de modo a atender o contexto que temos em 2024, que não é o mesmo clima que tínhamos em 2024. 

Em 2014, nós usamos 6% do PIB para investir em educação, a meta 20 do PNE disse que para 2024 deveria gastar 10%. Começamos o ano de 2022 investindo 5% na educação. Essa meta tem que pensar, ajustar, reestruturar. Tem que colocar por etapas. 

4. O Ensino Médio tem sido foco de muitas iniciativas e discussões nos últimos anos, muito em decorrência da proposta de NEM. Nesse sentido, como a produção do novo PNE atravessa esse debate? 

Já começou quente a conferência. Domingo o grande coro da conferência foi “Revoga o NEM (Novo Ensino Médio)”. Esse é um debate permanente. O foco que queremos dar é o foco numa visão sistêmica da educação. A educação tem que ser pensada da creche até a pós-graduação e o Ensino Médio não pode ser tratado de forma isolada. Tem que estar dentro do conjunto. 

Temos que ter estratégia políticas para ampliar o atendimento à creche e temos que pensar a questão do ensino fundamental e médio com foco no acesso, na permanência e na qualidade. É necessário revogar a lei do ensino médio e pensar em um estrutura na qual se tenha a escola integral desde fundamental, com um política de formação integral para que cheguem no ensino médio com mais conhecimento. 

E pensar o ensino médio vinculado com a educação profissional e também possibilite ele pensar a continuidade dos seus estudos na educação superior. Não podemos pensar de forma compartimentada para conseguir avançar. 

5. Você mencionou um tema que é bem sensível, o das matrículas em creches. Essa é uma das áreas mais delicadas e complexas?

Esse é um ponto muito forte dentro do documento base. Temos no texto e nas emendas que foram coordenadas pelo movimento interfóruns de Educação Infantil e temos propostas boas e concretas para apresentar no documento final ao Ministério da Educação pensando nessas políticas. 

Legenda: Participantes da Conae 2024
Foto: José Cruz/Agência Brasil

É um tema recorrente que além de cuidar da política, das propostas, ainda temos moções que serão apresentadas ao final da Conae na perspectiva de fortalecimento da educação infantil no país. 

6. Alguns setores do parlamento, organizados em bancadas mais conservadoras, têm questionado a legitimidade do FNE como organizador da Conae e também a própria validade da Conae. Como está o clima e qual tem sido a participação desses grupos?

O clima está tranquilo de muito debate de conteúdo, sem tumulto e sem complicações. Tivemos a presença e participação de representantes das ideias conservadoras, apresentaram propostas no regimento para desmontar a conferência. Foi apresentada uma proposta de anular o documento base e colocamos em debate na plenária de regimento (que deu início aos trabalhos da conferência no domingo) e perderam. 

Foram derrotadas na perspectiva de anular a etapa nacional da conferência de educação. Tivemos debate e tivemos decisão do plenário da conferência e com isso estamos conduzindo os trabalhos. 

7. O que o novo PNE pode ter de extremamente diferente do plano em vigor?

Vai ter um aprimoramento sim (do plano anterior) a partir do documento final que vamos entregar para o Ministério da Educação, mas é importante lembrar que temos ainda dois processos pela frente. A própria elaboração do projeto de lei por parte do MEC, mesmo o ministro (Camilo Santana) falando que vai ser a base de construção, mas o governo é um governo de frente ampla.

O governo não tem só o segmento. Tem partidos do centro, da direita, que compõem o governo federal e com certeza vão querer influenciar o projeto de lei. 

Poderá sair dessa elaboração do Ministério algumas novidades. Algo diferente do que nós desejamos e pela movimentação dos conservadores sobre a conferência, isso dá um sinal de que eles vão atuar no Congresso Nacional. Vão apresentar emendas. Vão fazer pressão.  Poderá apresentar metas e estratégias conservadoras. 

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