Como uma pesquisa cearense com chá de ayahuasca pode contribuir no combate à depressão grave

Estudo atesta os efeitos da substância na reversão de sintomas do transtorno mental

Escrito por Theyse Viana , theyse.viana@svm.com.br
Substâncias presentes no chá de ayahuasca, como a DMT, contribuíram para reverter sintomas depressivos durante testes em animais
Legenda: Substâncias presentes no chá de ayahuasca, como a DMT, contribuíram para reverter sintomas depressivos durante testes em animais
Foto: Shutterstock

Bebida utilizada em rituais religiosos, o chá de ayahuasca pode contribuir para avanços no tratamento da depressão grave. Um estudo da Universidade Federal do Ceará (UFC) mostrou que doses da substância são capazes de reverter os sintomas do transtorno mental.

O trabalho foi feito pelo pesquisador Cid Pinto, doutorando do Programa de Pós-Graduação em Farmacologia da UFC; com orientação e coorientação dos professores David de Lucena e Danielle Macêdo.

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No chamado teste pré-clínico, etapa de estudo que antecede os testes em humanos, Cid e a equipe induziram em camundongos os “fenótipos depressivos”, ou seja, os comportamentos típicos da doença. O processo foi feito com aplicação da corticosterona (o “hormônio do estresse”) nos animais.

Após isso, os camundongos foram divididos em grupos e submetidos a testes para analisar o “potencial de luta pela vida”, os níveis de corticosterona no sangue, a quantidade de BDNF (molécula-chave para sobrevivência dos neurônios) no cérebro, a memória, entre outros fatores.

“Com uma única dose do chá de ayahuasca, conseguimos reverter os sintomas. Fizemos essa avaliação 4 horas depois (da indução dos sintomas depressivos). Agora, queremos ver se com o passar do tempo esse efeito positivo é mantido”, explica Cid.

A pesquisa foi iniciada em 2018 e publicada em 2021, e não tem o objetivo de alcançar a fórmula de um novo medicamento, como frisa o pesquisador. “Por ser um chá utilizado com fins religiosos, não podemos a partir daí criar um fármaco. A legislação não permite e não é o intuito”, destaca.

Os pesquisadores receberam o chá de ayahuasca da União do Vegetal, religião que faz uso ritualístico da bebida. Cid cita que a infusão foi enviada a São Paulo para análises sobre a composição.

“Como é um chá, não existe só uma substância específica, que é o DMT (chamada de “molécula do espírito”). Há outras três substâncias grandes. Vamos estudar os efeitos potenciais delas isoladas e em conjunto”, projeta o pesquisador.

Efeito mais rápido

O doutorando em Farmacologia frisa que o objetivo central da pesquisa “é entender um pouco mais sobre a fisiopatologia da depressão, como ela funciona”, bem como desvendar por que o chá de ayahuasca consegue ter efeito mais rápido na reversão de sintomas do que os antidepressivos.

“Esse trabalho lança mais perguntas do que respostas, pra ver se existem outros mecanismos além dos que já existem em fármacos usuais, que levam muito tempo pra ter efeito”, menciona Cid sobre a contribuição do trabalho cearense no combate ao transtorno.

Será que a partir daí conseguimos criar um fármaco que diminui a inflamação neuronal? Será que isso faz melhorar a depressão? É um trabalho que lança várias perguntas de como tratar a doença do século, que está, infelizmente, em ascensão.
Cid Pinto
Pesquisador da UFC

Os efeitos antidepressivos da DMT, a “molécula do espírito” presente no chá de ayahuasca, são investigados em outras pesquisas da UFC, como uma conduzida pela professora Danielle Macêdo, do Programa de Pós-Graduação em Medicina Translacional.

Em 2024, a cientista deve realizar uma nova pesquisa, testando os possíveis efeitos do chá de ayahuasca em pacientes com borderline, um transtorno de personalidade. A ideia, segundo a UFC, é comparar os efeitos da substância com os de medicamentos utilizados no tratamento da doença.

Depressão em Fortaleza

Descrita como “a doença do século”, a depressão escala de forma preocupante na sociedade atual. Em Fortaleza, a estimativa é de que mais de 320 mil pessoas* tenham o diagnóstico da doença.

Isso corresponde a 13,2% da população, superando a incidência de patologias como a diabetes, por exemplo, que afeta cerca de 11,6% da população fortalezense.

Os dados são da pesquisa Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel) 2023, que entrevistou 21.690 pessoas adultas entre dezembro de 2022 e abril de 2023. Em Fortaleza, foram 800 entrevistados.

320.585
é o número estimado de pessoas que afirmaram ter diagnóstico de depressão em Fortaleza, conforme a Vigitel 2023.

A predominância da doença – ou, pelo menos, de diagnóstico formal – é maior entre mulheres: 15,6% das fortalezenses são diagnosticadas com o transtorno mental. Entre os homens da capital, 10,4% informaram ter a doença.

A Vigitel é realizada pelo Ministério da Saúde, e visa mensurar dados sobre tabagismo, obesidade, consumo alimentar e outros aspectos ligados à saúde da população, incluindo os fatores mentais.

(*) Para chegar ao número aproximado de pessoas com depressão em Fortaleza (pouco mais de 320,5 mil), o Diário do Nordeste calculou 13,2% dos 2.428.678 habitantes da cidade contabilizados pelo Censo Demográfico 2022, do IBGE.

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