Como funciona novo ‘supercomputador’ da Funceme que vai melhorar a qualidade de previsões climáticas

Estimativa do volume de água que chegará aos reservatórios é útil para o processo de alocação numa região e na operação de sistemas de distribuição

Escrito por Nícolas Paulino , nicolas.paulino@svm.com.br
Agricultor no interior do Ceará espera chuva para plantação com céu nublado
Legenda: Com a novidade, Funceme deve quadruplicar volume de dados produzidos sobre o clima
Foto: Honório Barbosa

As mudanças climáticas aceleradas desafiam cada vez mais a elaboração de previsões acertadas sobre o tempo. Afinal, quando vai chover? E com qual intensidade? Para qualificar os estudos, a Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme) adquiriu um “supercomputador” capaz de acelerar as análises e fornecer informações relevantes à gestão das reservas de água no Estado.

Trata-se de um cluster, solução integrada de Computação de Alto Desempenho (HPC, na sigla em inglês), para modernização do Sistema de Previsão Climática e afluências aos principais reservatórios cearenses. A expectativa é que os resultados produzidos por ele já comecem a ser utilizados na quadra chuvosa de 2025.

O projeto foi detalhado pelo doutor em Meteorologia e pesquisador da Funceme, Francisco Vasconcelos Júnior, em entrevista exclusiva ao Diário do Nordeste durante o encontro em comemoração aos 10 Anos do Monitor de Secas, que ocorreu na última semana, em Fortaleza.

Segundo ele, o cluster já foi instalado na sede da Fundação e está sendo calibrado, ou seja, “aprendendo” e armazenando dados. Ao longo de oito meses, ele deve ser treinado para rodar os modelos meteorológicos. “Estamos usando tecnologia nova que ainda não tínhamos, no Ceará, aplicada para previsão sazonal”, detalha.

Legenda: Equipamento permite rápida comunicação entre diversas lâminas e já está em operação
Foto: Glauber Silva/Funceme

Para entender melhor o funcionamento do sistema, ele diferencia três tipos de previsão:

  • De tempo: abrange um período de 3 a 5 dias
  • Sub-sazonal: varia de duas semanas a 60 dias
  • Sazonal: projeta até 4 meses, geralmente uma estação do ano

Por enquanto, a rotina da Funceme envolve elaborar previsões sazonais com foco em chuvas e previsões mensais de afluência de água aos reservatórios, utilizando apenas um modelo meteorológico. Em breve, isso deve mudar. 

“Estamos incluindo outro modelo com esse novo cluster, bem mais complexo. Ele resolve muito mais elementos da atmosfera e incluímos as rodadas duas vezes ao mês, no começo e na segunda-feira a partir do dia 15”, explica Francisco Júnior. 

Com o cluster, a simulação do futuro deve terminar em, no máximo, dois dias. Depois, os dados serão processados para gerar mapas e gráficos, “traduzindo” os números para a tomada de decisão a nível estratégico de Governo da Secretaria de Recursos Hídricos (SRH), da Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh) e da própria Casa Civil.

Conforme o especialista, órgãos meteorológicos do mundo todo fazem previsão sazonal uma vez ao mês. No Brasil, essa fórmula também é seguida pelo Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (Cptec) e pelo Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). 

Veja também

Para que serve o supercomputador?

A ideia é que o dispositivo forneça informações principalmente para a alocação de água - ou seja, qual será a liberação para cada tipo de uso -, associada aos aportes que podem chegar aos principais reservatórios do Estado: Castanhão, Orós e Banabuiú.

Com as simulações, os pesquisadores podem encontrar a vazão esperada e transformá-la em aporte para responder à pergunta: quanto de água a gente vai ter? Assim como no prognóstico de chuvas, é definida uma probabilidade acima ou abaixo de um determinado valor para a análise dos tomadores de decisão.

É uma ferramenta importante, a pioneira para esses estudos de previsão com impacto no setor de recursos hídricos de forma direta e breve. A gente está fazendo as calibrações e queremos que, na estação chuvosa de 2025, ele já esteja produzindo informação.
Francisco Vasconcelos Júnior
Pesquisador da Funceme

No momento, o cluster está passando pelo aprendizado de 8 meses, fazendo testes de longo período e sendo regulado com métodos estatísticos.

“Como vou saber se as informações que ele está produzindo são relevantes? Temos que fazer determinados ajustes porque esses modelos são… modelos. Eles nunca vão dar a informação tal qual ela é. Tem erros e ajustes que temos que fazer”, reconhece o meteorologista.

O pesquisador, inclusive, participou recentemente de um curso sobre um novo modelo atmosférico que está sendo construído para o Brasil, passível de uso nas escalas sub-sazonal e sazonal. “O Ceará vai ser um dos pioneiros porque vamos instalar aqui já usando o novo cluster”, acredita.

Legenda: Muitos produtores do interior do Estado baseiam suas lavouras nos informes meteorológicos
Foto: Cid Barbosa

Mudanças do clima

Ainda de acordo com o físico, o poder computacional do HPC pode ser utilizado para fazer vários experimentos diante das mudanças climáticas, caracterizadas por uma variabilidade “muito forte”.

Ele lembra que a quadra chuvosa de 2024, por exemplo, teria sido beneficiada pelo uso dos dados “porque as coisas mudaram muito rápido”. O El Niño, fenômeno que enfraquece o regime de chuvas no Estado, terminou durante a quadra. As previsões iniciais da Funceme não se concretizaram, e a entidade precisou ajustar um novo prognóstico

“O El Niño, a La Niña e a temperatura do Atlântico são forçantes (componentes do sistema climático e variações no clima) muito intensas cujo impacto na escala sazonal é sentido de uma maneira muito rápida. Já a variação de mais longo prazo, principalmente elevação do nível dos mares e derretimento das calotas, os modelos recebem de forma mais lenta”, diferencia.

A perspectiva futura é ter agregado aos estudos outros modelos ainda mais complexos. “Na ciência, a gente nunca fica parado, sempre chegam coisas novas e a gente tem que se adaptar”, diz Vasconcelos.

Legenda: Simulações do clima precisam ser cada vez mais constantes em função das mudanças climáticas
Foto: Honório Barbosa

Como funciona o supercomputador?

A solução de alto processamento tem várias lâminas de computador reunidas, que possuem comunicação entre si extremamente rápida num curto período de tempo - qualidades importantes porque as forçantes climáticas são atualizadas diariamente.

Além do equipamento principal, o cluster também exige uma grande área de armazenamento, onde serão guardadas todas as informações. 

“Vamos ter quatro vezes mais a quantidade de dados que temos: serão dois modelos rodando duas vezes ao dia. Temos que guardar as informações do passado e do presente”, conclui o meteorologista.

Segundo Francisco, a divulgação dos relatórios do novo equipamento à sociedade civil e ao setor produtivo dependerá da estratégia escolhida posteriormente pela SRH.

Conforme o edital de compra, o cluster foi adquirido por meio de um empréstimo do Banco Mundial relativo ao custo do Projeto de Apoio à Melhoria da Segurança Hídrica e Fortalecimento da Inteligência na Gestão Pública do Estado do Ceará.

Os destaques das últimas 24h resumidos em até 8 minutos de leitura.
Assuntos Relacionados