Após superar doença grave, jovem estuda com a mãe na mesma turma: 'me ensinou a andar duas vezes'
Diego e Dilma compartilham a sala de aula em Tabuleiro do Norte e têm o mesmo objetivo de entrar na faculdade
Em Tabuleiro do Norte, no interior do Ceará, as noites de segunda a quinta têm um significado especial para Maria Dilma, de 52 anos, e seu filho, Diego Wendel, de 22. Mãe e filho dividem o mesmo teto, o mesmo colégio e o mesmo sonho: concluir o ensino médio juntos. Ambos são alunos da Escola Francisco Moreira Filho, onde estudam pelo programa de Educação de Jovens e Adultos (EJA).
A rotina dos dois é puxada. Durante o dia, Diego administra um lava-jato montado na própria casa, enquanto Dilma trabalha como diarista para complementar a renda da pensão que recebe desde que ficou viúva, aos 37 anos. Quando o sol se põe, mãe e filho trocam as ferramentas pelos livros e seguem juntos para a escola.
“É surreal estudar com a minha mãe. Tudo fica mais fácil com ela”, conta Diego, emocionado.
Mas essa história de cumplicidade foi construída ao longo de muitos desafios, alguns que chegaram perto de interromper a caminhada da família.
História marcada por perdas e recomeços
Maria Dilma sempre sonhou em concluir os estudos, interrompidos ainda na juventude. A vida, no entanto, lhe impôs outras prioridades: o casamento, os filhos e, mais tarde, a viuvez precoce. Criar três filhos sozinha exigiu força e renúncia.
“Voltei a estudar pelo apoio dos meus filhos, porque nunca é tarde para realizar nossos objetivos”, afirma. Diego, por sua vez, deixou os estudos aos 19 anos para tentar uma vaga no mercado de trabalho.
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Mas talvez o maior desafio da vida de Dilma tenha vindo em 2022, quando o caçula, Diego, ficou gravemente doente. Ele havia viajado a trabalho para outro estado e foi diagnosticado com dengue e, em seguida, com a Síndrome de Guillain-Barré, uma condição rara que afeta o sistema nervoso e pode causar paralisia.
Em poucos dias, o jovem perdeu os movimentos e foi internado em Goiânia. Ao receber a notícia, Dilma não pensou duas vezes: deixou tudo para trás e embarcou no primeiro avião de sua vida para cuidar do filho. Na época, a empresa arcou com os gastos da locomoção.
“Eu dizia: ou eu vou salvar o meu filho, ou vou ficar aqui com medo do avião. Mãe é mãe. Fui, e Deus me levou até ele”, relembra.
Durante quase três meses, ela esteve ao lado do filho em cada passo da recuperação. “Era como se eu tivesse ensinando ele a andar de novo”, conta.
“Ele não conseguia se alimentar, não conseguia levantar uma colher. Eu dava comida na boca.”
Diego passou mais de um ano em tratamento. Hoje, apesar de algumas sequelas, como a dificuldade para fechar completamente as mãos, ele comemora cada pequena conquista. “Sou um milagre vivo”, afirma.
Da reabilitação à sala de aula
O retorno à escola veio como um novo começo: um recomeço em conjunto. Dilma já cursava o EJA quando Diego decidiu voltar a estudar, em 2024. Como só havia uma turma no período noturno, eles acabaram na mesma sala.
A parceria chama atenção dos colegas e professores. Sentam sempre lado a lado, fazem algumas provas em dupla e estudam juntos em casa. A estratégia é simples: Dilma revisa o conteúdo, e Diego resume e explica as partes mais difíceis.
“Pra mim, hoje é mais seguro com ele dentro da sala. Ele tem mais facilidade de aprender e me ajuda muito. Me sinto mais confiante e feliz”, diz a mãe.
A relação entre eles chama atenção na comunidade escolar. “Muita gente lá admira o fato da gente se dar tão bem”, conta Diego, que já viralizou nas redes sociais ao postar um vídeo estudando com a mãe, um dos muitos registros da rotina que ele pretende transformar em conteúdo para a internet.
Fé e persistência como combustível
Dilma é uma mulher de fé. Católica praticante, precisou abrir mão de parte das atividades na igreja para conciliar trabalho, estudo e descanso. Mesmo com a rotina exaustiva, não deixa de frequentar a igreja aos domingos. “Se Deus quiser, no próximo ano começo a faculdade de Letras”, sonha.
Diego, que sonha em cursar Análise e Desenvolvimento de Sistemas, também quer seguir produzindo vídeos mostrando o cotidiano ao lado da mãe. “Meu conteúdo vai ser com ela. Quero mostrar como é o nosso dia a dia, de verdade. Nada superficial”, afirma.
Para ambos, estudar juntos é mais do que uma questão de diploma, é um símbolo de tudo o que superaram lado a lado.
“Eu aprendi uma coisa que já sabia desde criança, mas agora ficou ainda mais claro: eu preciso dela pra tudo”, confessa Diego.
Maria Dilma sorri e completa: “Depois de tudo o que eu já passei, hoje me sinto orgulhosa. Terminar meus estudos com meu caçula é um orgulho que não cabe no peito.”
Se tudo correr como o planejado, mãe e filho se formam em 2026. E já têm planos para a festa: dançar a valsa juntos, não apenas como colegas de classe, mas como companheiros de uma vida inteira.
*Estagiária supervisionada pelos jornalistas Alan Barros e Karine Zaranza