Ataque em Sobral: o que é preciso e possível fazer para evitar casos de violência nas escolas?

Conflitos, violências, acesso à arma e necessidade de ajuda. Uma série de elementos compõem a trágica e complexa situação vivenciada em Sobral

Um aluno com uma arma de fogo dentro da escola. Disparos. Três outros estudantes baleados. Tensão, sofrimento e violência no ambiente no qual se pressupõe predomínio da segurança e da convivência pacífica. Falas iniciais dão conta de uma “resposta” ao bullying sofrido no cotidiano. O caso trágico em uma escola pública de Sobral, não é comum no Ceará. É extremo e alerta tanto pela gravidade, quanto pelos efeitos. 

Diante da complexa situação de violência na escola, o Diário do Nordeste ouviu uma psicopedagoga, um pesquisador da violência, um representante de professores e a Secretaria Estadual de Educação (Seduc) para responder: o que é preciso e possível fazer? 

A ocorrência na Escola de Ensino Médio de Tempo Integral Professora Carmosina Ferreira Gomes, em Sobral, na Região Norte do Ceará, afetou a rotina de 364 alunos, e compromete diretamente a vida de 4 famílias. Após o ataque, a escola foi fechada e assim permanecerá por tempo indeterminado, até que a comunidade escolar reorganize a reabertura.

A situação que é complexa, conforme apontado pelas fontes ouvidas pelo Diário do Nordeste, têm os seguintes pontos que precisam ser considerados: 

  • As escolas não são instituições apartadas da sociedade, logo, situações complexas de violência também são realidade desses lugares;
  • A violência nas escolas se apresenta de diversas formas: bullying, insultos, comentários pejorativos, ameaças até a violência física;
  • O estudante teria alegado que sofre bullying e isto seria a possível “motivação”. O bullying é um grave problema, recorrente nas escolas e cheio de efeitos nas vida dos estudantes. Precisa ser combatido com medidas efetivas;
  • Nesse caso, o estudante, por negligência e erro de algum adulto, teve acesso a uma arma de fogo, fator que agravou o cometimento da violência;

O ataque na escola, registrado como ato infracional análogo ao crime de tentativa de homicídio, é investigado pela Polícia Civil. A titular da Seduc, Eliana Estrela, viajou para Sobral. 

Em entrevista ao Diário do Nordeste, a secretária Executiva de Ensino Médio e Profissional da Seduc, Jucineide Fernandes, indicou ações já adotadas pela pasta para prevenir e combater à violência, mas também admitiu: 

“Estamos todos afetados por essa tragédia. É uma situação nova para todos nós. Nunca tinha acontecido nas escolas cearenses. A gente compreende que tem um leque de iniciativas importantes nesse sentido. Agora é tentar pensar em novas ações. A escola tem que ser um espaço acolhedor, de escuta”. 

Dentre as ações que são tomadas, a secretária aponta: 

  • A efetivação de políticas de desenvolvimento de outras competências para além das cognitivas, buscando “uma completude da formação dos alunos”. Um exemplo é o trabalho das competências socioemocionais, estratégia consolidada desde 2017. 
  • Mediação escolar e cultura de paz. Com trabalhos desenvolvidos pelas escolas para atuar com projetos de perspectiva da não violência. 
  • Em, Fortaleza, há, em cada escola, comissões de proteção e prevenção à violência contra criança e adolescente e medida, segundo ela, será expandida para as escolas do interior

Impacto do bullying e o papel da escola

A situação vivenciada em Sobral é complexa e por isso não tem respostas fáceis. Para prevenir e evitar esse tipo de ocorrência, um dos caminhos, apontam estudiosos ouvidos pelo Diário do Nordeste, as ações precisam ser contínuas. 

As iniciativas de prevenção às situações de violência, reforça a psicopedagoga e integrante do Núcleo Cearense de Estudos e Pesquisa sobre a Criança (Nucepec), Ticiana Santiago Sá, não devem ocorrer somente “em uma data do calendário escolar”, acrescenta “não só diante de um episódio trágico, mas inclusive é presente no cotidiano com dispositivos contínuos, sistêmicos. Compartilhados de reflexão, de sensibilização, de escuta ativa, de amparo”. 

De acordo com ela, é possível que o aluno que atirou já estivesse apresentando indícios da violência sofrida. “O bullying tem raízes profundas. Tanto na forma como ele se manifesta, como na maneira como ele marca a identidade desses sujeitos. Então, a gente tem sim como evitar se a gente conseguir oferecer outras redes de apoio”. 

Ela também destaca que é importante perceber que o bullying nas escolas afeta um momento delicado dos estudantes que estão em uma etapa da vida na qual a identidade está em construção, por isso, a prática da violência nesse tempo tem impacto diferente da vida adulta. 

“O bullying é uma das formas de violência. Existem muitas que são praticadas na escola, a violência da própria escola ou a negligência de alguns desses papeis. Entender o quanto que para um adolescente sofrer isso é impactante nessa identidade e o quanto que ele ainda não tem uma regulação sócio emocional para conseguir administrar essa situação de outra forma, que não seja, muitas vezes, reproduzindo essa violência e amplificando-a”.
Ticiana Santiago Sá
Psicopedagoga e integrante do Núcleo Cearense de Estudos e Pesquisa sobre a Criança (Nucepec)

Sobre as providências, destaca ela, é necessário: 

  • Ter continuamente trabalhos com as competências socioemocionais, envolvendo a  participação, escuta ativa, escuta representativa. Ações com arte, cultura
  • Campanhas de conscientização com os grêmios estudantis, com os diretores de turma e as próprias famílias; 
  • Ter programas e projetos regulares e contínuos, equipe multidisciplinar, socialização de vivências, de experiências, não só de conteúdo, instrução e “aula tradicional”; 

Além disso, diante de conflitos como esse que chegou ao extremo, Ticiana reforça que, depois de escutar as pessoas envolvidas no caso, é preciso sair do binômio vítima e agressor e ouvir. 

“Todos aqueles que passaram por essa experiência tem um potencial de comprometimento na saúde mental. Às vezes a gente olha pro aluno que é mais inquieto. Mais questionador. Mas aquele está isolado, aquele que está sem uma rede de apoio, sem o suporte. Mais fragilizado, ele vai ter também dificuldade. Então é ouvir, orientar. É oferecer recursos de elaboração das experiências e aí nesse sentido a arte, a cultura, o corpo, o movimento”. 
Ticiana Santiago Sá
Psicopedagoga e integrante do Núcleo Cearense de Estudos e Pesquisa sobre a Criança (Nucepec)

Problema social dentro da escola

A violência é um problema social e episódios como esse, avalia o coordenador do Laboratório de Estudos da Conflitualidade e Violência (Covio), da Universidade Estadual do Ceará (Uece), o sociólogo Geovani Jacó, evidencia que a escola  não está isolada e, muitas vezes, reflete conflitos oriundos da própria escola e de fora dela. 

Ele também destaca pontos de atuação efetiva: 

  • Intensificar a política de prevenção à violência, cuidando dos conflitos. Desenvolver práticas de mediação de conflito como técnicas de comunicação não violenta dentro das escolas; 
  • Técnicas de escuta como forma de proteção do indivíduo, como forma de prevenção dos conflitos, para que ele não evolua para a práticas mais complexas;
  • As ações de prevenção e combate à violência precisam ser ações de Estado, e, como efeito, serem adotadas pelas gestões em cada escola; 

O presidente do Sindicato dos Professores e Servidores da Educação e Cultura do Estado e Municípios do Ceará (Apeoc), Anízio Melo, também destaca que “a violência nas escolas se manifesta como um reflexo de todas as mazelas sociais vivenciadas pelos estudantes e pelos profissionais da educação”. 

O representante sindical também aponta ações específicas: 

  • Necessidade urgente de garantir suporte de profissionais como psicólogos e assistentes sociais na educação básica;
  • Profissionais formados em licenciaturas precisam de uma formação que os tornem capazes de perceberem esses comportamentos para que possam intervir e ajudar na prevenção da violência em todas as suas manifestações dentro das escolas;
  • As escolas precisam estar integradas às suas comunidades por meio do esporte e da cultura.

Violência armada

As escolas não estão isentas da presença e do problema da proliferação de armas e a violência armada. “Essa tragédia que aconteceu em uma escola de Sobral não é um caso isolado. O que nós estamos percebendo hoje é um movimento coletivo que tem evidenciado uma tragédia social que é decorrente da intensificação do armamento da população”, afirma Geovani Jacó. 

No caso de Sobral, a arma utilizada pelo adolescente no ataque era de um atirador esportivo. Mas ainda não há detalhes de como a arma chegou à residência do estudante. Uma das possibilidade investigadas é que o pai do adolescente tenha comprado de forma ilegal o armamento. 

Para o sociólogo e pesquisador do Covio, Geovani Jacó, a ação violenta tem conexão  com o incentivo à compra indiscriminada de armas, na qual a percepção de parte da sociedade, é de que “combater à violência é uma estratégia individual e não de uma perspectiva de segurança pública”.

Essa perspectiva na qual a resolução de conflitos se dá por meio da ação individual de pessoas armadas, destaca ele “é muito perigosa”. Além disso, reforça, o acesso “fácil” às armas torna a sociedade vulnerável a situações propícias à violência. 

“Isso se amplia para a resolução dos conflitos interpessoais entre vizinhos, entre desconhecidos. Isso faz com que a sociedade se torne refém da violência, vulnerável porque a arma não significa que você está protegido”. 
Geovani Jacó
Sociólogo e coordenador do Laboratório de Estudos da Conflitualidade e Violência (Covio) da Uece

Giovani também reitera que “Isso afeta o cotidiano da escola já que ela é a caixa de ressonância da sociedade. Aumentando as práticas de violência dos crimes na sociedade, também vai acontecer isso dentro da escola. É uma questão interna e externa. Interna da gestão dos conflitos nas escolas, como também externa ao ser o reflexo dessa dinâmica que a resolução dos conflitos está tombando na sociedade pela disseminação das pessoas armadas”.