Alunos da rede pública do CE criam água sanitária verde, app contra violência e sensor de vazamento
Estudantes levaram projetos para feira nacional em Brasília em parceria com o Ministério da Educação.
Cachorros-robôs, protótipos de carros, hortas vivas e alimentos feitos com bioconservantes. Nos últimos dias, a Arena BRB Mané Garrincha, em Brasília, foi passarela para 400 projetos desenvolvidos por unidades de ensino de todo o país e apresentados na 5ª edição da Semana Nacional da Educação Profissional e Tecnológica, promovida pelo Ministério da Educação (MEC).
A rede pública do Ceará esteve presente na mostra com três projetos inovadores de Escolas de Educação Profissional (EEPs) geridas pela Secretaria da Educação (Seduc), do Governo do Estado. Em comum, a busca por soluções para problemas reais que afetam o cotidiano de milhares de cearenses.
Do centro de Russas, mais especificamente da EEP Jeová Costa Lima, surgiu o aplicativo “Alert Lily”, uma ferramenta para o enfrentamento à violência contra a mulher. Ao pressionar um botão digital no celular, uma potencial vítima envia sua localização via GPS para um contato de confiança.
O projeto foi desenvolvido por uma equipe totalmente de alunas mulheres, dentre as quais Maria Eduarda Cavalcante e Maryana de Freitas. Elas estudam Desenvolvimento de Sistemas e tiveram preocupação com a onda crescente de feminicídios e agressões contra a população feminina.
“Acho que saber que o aplicativo foi criado por pessoas que sabem o que você passa dá um conforto, uma segurança”, afirma Maria Eduarda. Maryana complementa que a ferramenta também exibe números úteis, como Polícia Militar e Corpo de Bombeiros, para uso em casos de emergência.
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As estudantes seguem aprimorando as funcionalidades e buscam, no futuro, implementar tanto a localização em tempo real quanto a criação de um botão físico, que poderá ser escondido, com a mesma função do aplicativo.
O professor orientador do trabalho, Felipe Pitombeira, se orgulha do empenho das alunas. “Cada linha de código foi escrita por elas. Foi tudo do zero, viraram noites fazendo, pesquisaram e resolveram. Escola pública de qualidade consegue fazer isso: ver um problema social, como o feminicídio, e pensar em uma solução”, ressalta.
Consumo de água por compartimento
Detectar vazamentos de água dentro de residências e outros prédios, a exemplo da própria unidade de ensino onde estudam, motivou alunos de Desenvolvimento de Sistemas da EEP Adolfo Ferreira de Sousa, em Redenção. Eles desenvolveram o FlowMeter, um sistema de monitoramento de consumo de água de baixo custo.
Funciona assim: por meio de sensores instalados em cada cômodo da edificação, é possível medir o uso diário de água por compartimento. Um aplicativo ligado à internet faz a leitura em tempo real e atualiza a medição na palma da mão.
Apoiados pelo professor Alex Soares, os estudantes Matheus Jacó e João Marllon apresentaram o trabalho em Brasília. “Um problema recorrente que afeta o mundo todo é o desperdício de água, por isso queremos que as pessoas tomem ciência do tanto que estão consumindo e desperdiçando”, destaca Matheus.
Ele explica que, diferente da medição normal, que engloba toda a construção, o FlowMeter permite analisar minuciosamente cada espaço e, ainda, gerar alertas caso haja vazamentos ou o usuário ultrapasse o consumo normal.
“Na hora que a soma passar a meta, o sensor manda um alô e você recebe um e-mail imediatamente com dicas de economia. Também tem um botão que permite abrir ou fechar o registro de água porque, se realmente tiver um vazamento, isso evita alagamento. Depois de ajeitar, posso religar e liberar”, detalha Matheus.
Segundo os estudantes, a Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece) já sinalizou interesse em dialogar sobre o projeto.
Alvejante que não mancha
A terceira iniciativa foi a Água Sanitária Verde (ASV), desenvolvida na EEP Ícaro de Sousa Moreira, no bairro Bom Jardim, em Fortaleza. Lara Gomes e Júlia Barbosa, orientadas pelo professor de Química Francis dos Santos, desenvolveram uma substância que age como água sanitária, mas apresenta vantagens:
- não mancha ou desbota roupas brancas ou coloridas
- não possui odor forte
- não apresenta reações alérgicas, como dermatites
- é antibactericida e saneante
- pode ser produzida a baixo custo
- economiza energia na fabricação
Conforme as alunas, a produção de 1 litro de água sanitária comum consome em torno de 2200W, equivalente a 50% do consumo diário de uma casa com duas pessoas. Já a ASV consome apenas de 30W a 60W.
Para isso, elas utilizam materiais básicos: garrafas plásticas como reatores, eletrodos com presença de grafite de lapiseira e um carregador de celular. Além disso, produzem um bioativo com plantas comuns, como um pé de jambo do pátio da escola.
Em contato com uma solução de água e sal, o bioativo acelera a produção da ASV, processo de cerca de 1 hora. O resultado é uma substância com bom teor de hipoclorito de sódio (cloro) e que age da mesma forma que um alvejante comprado em supermercados.
“Criamos a ASV com o objetivo reduzir o grande gasto energético, criar práticas mais sustentáveis e influenciar os jovens da nossa escola a ter ações simples e acessíveis”, explica Lara.
“A ASV não desbota porque a água sanitária convencional tem alta concentração de hidróxidos que reagem com a anilina, um componente importante do corante das nossas roupas. A nossa tem hidróxidos, mas em concentração bem inferior”, confirma Júlia.
O próximo passo da pesquisa é manter as propriedades do produto, mas transformando-o em gel. Em pesquisa com 120 pessoas da escola, as alunas encontraram alta adesão à ASV, e 80% dos respondentes afirmaram que se disporiam a fazer o material em casa.
Semana Tecnológica
Com o tema “Juventudes que inovam, Brasil que avança”, a feira em Brasília buscou divulgar a Educação Profissional e Tecnológica (EPT) e reconhecer seu crescimento por meio da integração de estudantes e profissionais, compartilhamento de projetos e pesquisas desenvolvidas pelas instituições.
Nos corredores, foi possível conhecer iniciativas sobre robótica, gastronomia, foguetes, jogos e exposições interativas, inteligência artificial, aplicativos, tecnologias inclusivas e sustentabilidade.
Para o ministro da Educação, Camilo Santana, a mostra revela o que há de “mais moderno” e “a força e a pujança das nossas instituições”. Ele reforçou que o Governo Federal tem como uma das principais estratégias ampliar as matrículas de ensino técnico e profissionalizante no Brasil, concomitante com o Ensino Médio.
Atualmente, há 104 novos Institutos Federais em instalação, e 46 deles estão previstos para iniciar as atividades já em 2026. No Ceará, haverá dois novos campi do IFCE em Fortaleza e mais quatro nas cidades de Cascavel, Mauriti, Campos Sales e Lavras da Mangabeira.
*O repórter viajou a Brasília a convite do MEC.