Alunos da rede pública do CE criam água sanitária verde, app contra violência e sensor de vazamento

Estudantes levaram projetos para feira nacional em Brasília em parceria com o Ministério da Educação.

Escrito por
Nícolas Paulino nicolas.paulino@svm.com.br
Aluna do Ceará aplica substância em copo para outras estudantes verem reação química durante exposição de projetos, em Brasília. Ao fundo, um professor de óculos observa a cena, e há um estande de paredes brancas
Legenda: Alunos do Ceará apresentaram projetos para outros estudantes, professores e pesquisadores de todo o Brasil.
Foto: Nícolas Paulino

Cachorros-robôs, protótipos de carros, hortas vivas e alimentos feitos com bioconservantes. Nos últimos dias, a Arena BRB Mané Garrincha, em Brasília, foi passarela para 400 projetos desenvolvidos por unidades de ensino de todo o país e apresentados na 5ª edição da Semana Nacional da Educação Profissional e Tecnológica, promovida pelo Ministério da Educação (MEC).

A rede pública do Ceará esteve presente na mostra com três projetos inovadores de Escolas de Educação Profissional (EEPs) geridas pela Secretaria da Educação (Seduc), do Governo do Estado. Em comum, a busca por soluções para problemas reais que afetam o cotidiano de milhares de cearenses.

Do centro de Russas, mais especificamente da EEP Jeová Costa Lima, surgiu o aplicativo “Alert Lily”, uma ferramenta para o enfrentamento à violência contra a mulher. Ao pressionar um botão digital no celular, uma potencial vítima envia sua localização via GPS para um contato de confiança.

Foto detalhe de duas mãos segurando dois celulares. À esquerda, há um aplicativo com botão roxo escrito SOS. À direita, há uma página de mensagens com links para localizações por GPS.
Legenda: Botão acionado por possível vítima agredida (à esquerda) envia coordenadas de localização para contato de confiança (à direita).
Foto: Nícolas Paulino

O projeto foi desenvolvido por uma equipe totalmente de alunas mulheres, dentre as quais Maria Eduarda Cavalcante e Maryana de Freitas. Elas estudam Desenvolvimento de Sistemas e tiveram preocupação com a onda crescente de feminicídios e agressões contra a população feminina.

“Acho que saber que o aplicativo foi criado por pessoas que sabem o que você passa dá um conforto, uma segurança”, afirma Maria Eduarda. Maryana complementa que a ferramenta também exibe números úteis, como Polícia Militar e Corpo de Bombeiros, para uso em casos de emergência.

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As estudantes seguem aprimorando as funcionalidades e buscam, no futuro, implementar tanto a localização em tempo real quanto a criação de um botão físico, que poderá ser escondido, com a mesma função do aplicativo.

O professor orientador do trabalho, Felipe Pitombeira, se orgulha do empenho das alunas. “Cada linha de código foi escrita por elas. Foi tudo do zero, viraram noites fazendo, pesquisaram e resolveram. Escola pública de qualidade consegue fazer isso: ver um problema social, como o feminicídio, e pensar em uma solução”, ressalta.

Professor e duas alunas com blusas de cor lilás posam para foto em frente a uma TV com a tela de um aplicativo de SOS para denunciar violência contra a mulher
Legenda: Professor Felipe Pitombeira e alunas Maria Eduarda e Maryana apresentaram aplicativo Alert Lily.
Foto: Nícolas Paulino

Consumo de água por compartimento

Detectar vazamentos de água dentro de residências e outros prédios, a exemplo da própria unidade de ensino onde estudam, motivou alunos de Desenvolvimento de Sistemas da EEP Adolfo Ferreira de Sousa, em Redenção. Eles desenvolveram o FlowMeter, um sistema de monitoramento de consumo de água de baixo custo.

Funciona assim: por meio de sensores instalados em cada cômodo da edificação, é possível medir o uso diário de água por compartimento. Um aplicativo ligado à internet faz a leitura em tempo real e atualiza a medição na palma da mão.

Mão segura e exibe a tela de um celular com um aplicativo de cor azul, mostrando diferentes dados sobre o consumo de água em uma casa. Pessoa que segura o aparelho usa blusa verde e um crachá
Legenda: Aplicativo FlowMeter analisa fluxo de água a partir de cada cômodo de um prédio.
Foto: Nícolas Paulino

Apoiados pelo professor Alex Soares, os estudantes Matheus Jacó e João Marllon apresentaram o trabalho em Brasília. “Um problema recorrente que afeta o mundo todo é o desperdício de água, por isso queremos que as pessoas tomem ciência do tanto que estão consumindo e desperdiçando”, destaca Matheus.

Ele explica que, diferente da medição normal, que engloba toda a construção, o FlowMeter permite analisar minuciosamente cada espaço e, ainda, gerar alertas caso haja vazamentos ou o usuário ultrapasse o consumo normal.

“Na hora que a soma passar a meta, o sensor manda um alô e você recebe um e-mail imediatamente com dicas de economia. Também tem um botão que permite abrir ou fechar o registro de água porque, se realmente tiver um vazamento, isso evita alagamento. Depois de ajeitar, posso religar e liberar”, detalha Matheus.

Segundo os estudantes, a Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece) já sinalizou interesse em dialogar sobre o projeto.

Dois alunos de blusa verde e crachá posam para foto segurando celular com aplicativo e maquete de monitoramento de água. Um é mais baixo e tem barba, o outro é mais alto e usa óculos
Legenda: Alunos Matheus Jacó e João Marllon apresentaram aplicativo na Arena BRB Mané Garrincha, em Brasília.
Foto: Nícolas Paulino

Alvejante que não mancha

A terceira iniciativa foi a Água Sanitária Verde (ASV), desenvolvida na EEP Ícaro de Sousa Moreira, no bairro Bom Jardim, em Fortaleza. Lara Gomes e Júlia Barbosa, orientadas pelo professor de Química Francis dos Santos, desenvolveram uma substância que age como água sanitária, mas apresenta vantagens:

  • não mancha ou desbota roupas brancas ou coloridas
  • não possui odor forte
  • não apresenta reações alérgicas, como dermatites
  • é antibactericida e saneante
  • pode ser produzida a baixo custo
  • economiza energia na fabricação

Conforme as alunas, a produção de 1 litro de água sanitária comum consome em torno de 2200W, equivalente a 50% do consumo diário de uma casa com duas pessoas. Já a ASV consome apenas de 30W a 60W.

Para isso, elas utilizam materiais básicos: garrafas plásticas como reatores, eletrodos com presença de grafite de lapiseira e um carregador de celular. Além disso, produzem um bioativo com plantas comuns, como um pé de jambo do pátio da escola.

Duas alunas e um professor do Ceará posam para foto em estande de feira científica. Os três seguram frascos de água sanitária verde, projeto desenvolvido por eles. Numa mesinha à frente, há um notebook com detalhes do projeto e garrafas com substâncias usadas na produção.
Legenda: Água sanitária verde foi produzida em escola estadual no bairro Bom Jardim, em Fortaleza.
Foto: Nícolas Paulino

Em contato com uma solução de água e sal, o bioativo acelera a produção da ASV, processo de cerca de 1 hora. O resultado é uma substância com bom teor de hipoclorito de sódio (cloro) e que age da mesma forma que um alvejante comprado em supermercados.

“Criamos a ASV com o objetivo reduzir o grande gasto energético, criar práticas mais sustentáveis e influenciar os jovens da nossa escola a ter ações simples e acessíveis”, explica Lara.

“A ASV não desbota porque a água sanitária convencional tem alta concentração de hidróxidos que reagem com a anilina, um componente importante do corante das nossas roupas. A nossa tem hidróxidos, mas em concentração bem inferior”, confirma Júlia.

O próximo passo da pesquisa é manter as propriedades do produto, mas transformando-o em gel. Em pesquisa com 120 pessoas da escola, as alunas encontraram alta adesão à ASV, e 80% dos respondentes afirmaram que se disporiam a fazer o material em casa. 

Semana Tecnológica

Com o tema “Juventudes que inovam, Brasil que avança”, a feira em Brasília buscou divulgar a Educação Profissional e Tecnológica (EPT) e reconhecer seu crescimento por meio da integração de estudantes e profissionais, compartilhamento de projetos e pesquisas desenvolvidas pelas instituições.

Nos corredores, foi possível conhecer iniciativas sobre robótica, gastronomia, foguetes, jogos e exposições interativas, inteligência artificial, aplicativos, tecnologias inclusivas e sustentabilidade.

Foto com 10 pessoas com crachás, sendo seis alunos e quatro professores, posando para foto em frente a estande de feira científica representando o Estado do Ceará. Os alunos usam blusas verdes do evento.
Legenda: Escolas representantes do Estado na mostra são vinculadas à Secretaria da Educação do Ceará.
Foto: Nícolas Paulino

Para o ministro da Educação, Camilo Santana, a mostra revela o que há de “mais moderno” e “a força e a pujança das nossas instituições”. Ele reforçou que o Governo Federal tem como uma das principais estratégias ampliar as matrículas de ensino técnico e profissionalizante no Brasil, concomitante com o Ensino Médio.

Atualmente, há 104 novos Institutos Federais em instalação, e 46 deles estão previstos para iniciar as atividades já em 2026. No Ceará, haverá dois novos campi do IFCE em Fortaleza e mais quatro nas cidades de Cascavel, Mauriti, Campos Sales e Lavras da Mangabeira.

*O repórter viajou a Brasília a convite do MEC.

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