União da classe artística cearense foi a reposta contra o cenário dramático da pandemia

Sem renda e enfrentando a crise sanitária, artistas se mobilizaram em campanhas solidárias. Com o aumento de casos da covid-19 e perspectivas de retorno incertas no setor, ações de arrecadação continuam em 2021

Escrito por Antonio Laudenir , laudenir.oliveira@svm.com.br
Diante do difícil momento, artistas se uniram para ajudar o setor. Lei Aldir Blanc é conquista destes trabalhadores e trabalhadoras
Legenda: Diante do difícil momento, artistas se uniram para ajudar o setor. Lei Aldir Blanc é conquista destes trabalhadores e trabalhadoras
Foto: Arte: Lincoln Souza

No primeiro dia de 2019, o setor da cultura e entretenimento teve o Ministério da Cultura extinto. As responsabilidades da pasta foram repassadas para uma secretaria especial, hoje integrante do Ministério do Turismo. Outro golpe ao nível Federal foi a redução de investimentos no setor responsável por ocupar mais de 5 milhões de pessoas, de acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua). A situação se agrava em março de 2020, quando eclode a pandemia da covid-19.  

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O que já era difícil tornou-se desesperador. “Se os artistas tivessem uma boa situação financeira, não teriam entrado em situação precária logo nos primeiros meses da pandemia. Foram devastadores. Escancarou as desigualdades e quanto os artistas são e estão fragilizados”, observa a atriz e produtora Maria Vitória. 

Medidas preventivas ao novo coronavírus exigiram o fechamento de casas de show, bares, equipamentos culturais, entre outros espaços públicos e privados voltados à cultura. Os prejuízos afetaram toda uma cadeia produtiva. Doze meses se passaram. Como estes trabalhadores e trabalhadoras sobrevivem a tempos tão duros? 

“Julgo que o setor de cultura e entretenimento, em especial a classe musical, ficou desamparada todo esse tempo. Nossa categoria foi a primeira a parar e será a última voltar. O futuro é incerto” crava o músico e diretor do Sindicato dos Músicos Profissionais no Estado do Ceará (Sindmuce), Daniel Domingues. 

Sindimuce entrega cestas básicas arrecadadas para músicos que estão sem trabalho. Ação esteve também em Paracuru (foto) e distribuição aconteceu na escola de música daquele município
Legenda: Sindimuce entrega cestas básicas arrecadadas para músicos que estão sem trabalho. Ação esteve também em Paracuru (foto) e distribuição aconteceu na escola de música daquele município
Foto: Reprodução /Instagram

Para a professora, atriz e pesquisadora, Vanéssia Gomes, já nas semanas iniciais da quarentena, a “situação imediatamente entrou em alerta vermelho”. Segundo a realizadora, diversas campanhas de movimentos artísticos foram feitas com o intuito de demarcar a dificuldade desses cearenses. “Trabalhadores da cultura que têm como base de seu trabalho a presença do público foram assolados de dificuldades”, resgata. 

Manifestações coletivas buscaram agir rápido. No dia 18 de março, o Fórum Cearense de Teatro (com o apoio de representantes de outras linguagens) enviou carta aberta às secretarias da Cultura, do Estado e do município de Fortaleza. Vale citar também o movimento “#TodosPelaCulturaCE”. 

Artistas, produtores, técnicos, integrantes de diversas categorias profissionais e prestadores de serviços de várias atividades da economia da cultura, arte, entretenimento e turismo se uniram (e ainda continuam) por meio do grupo Gabinete de Crise da Cultura. A ideia era propor o diálogo e pedir ações emergenciais.

Nacionalmente, a intensa movimentação dos profissionais da cultura resultou na Lei nº 14.017. A vitória atende pelo nome de Lei de Emergência Cultural Aldir Blanc.

2021 segue difícil

Enquanto aguardavam alguma decisão por parte dos gestores públicos, a solidariedade precisou assumir o flanco dessa batalha. Iniciativas como a “Rede de Apoio aos Artistas” contou com 196 voluntários e ajudou trabalhadores de 73 bairros de Fortaleza e Região Metropolitana. Mais de 200 cestas básicas foram entregues. O apoio também contou com aporte financeiro para quitação de contas (água, luz), compra de remédios e até transporte de artistas para hospitais.  

Um marco dessa movimentação foi o evento "Gente é Pra Brilhar... Não Pra Morrer de Fome". Realizado em julho, trouxe uma programação diversa com nomes da música, do teatro, da literatura, da dança, do audiovisual, entre outras linguagens e expressões. O resultado foi substancial para amparar artistas, técnicos e produtores cearenses.

Cestas básicas arrecadadas pelo movimento 'Crise do Humor Cearense'
Legenda: Cestas básicas arrecadadas pelo movimento 'Crise do Humor Cearense'
Foto: Foto: Reprodução

Também conhecido como “Unidos Venceremos”, o projeto deve voltar a ser realizado em 2021. O agravamento da pandemia exige novos esforços. Antes, Maria Vitória reflete como foi integrar esta experiência repleta de humanismo. O resultado da campanha é dos melhores possíveis. “Foi, para mim, mais que obrigação, sabe? Nós trabalhamos com arte e falamos muito de uma sociedade mais justa, de liberdade, dos direitos humanos. Nada mais coerente, nesse momento de extrema precariedade, fazer algo pelos colegas”, destaca.  

Ainda que não tivesse dinheiro, a voluntária afirma contar com as ferramentas na mão para mobilizar a classe. O processo foi desgastante. Para atender tantos pedidos, noites de sono foram perdidas. Chegou a adoecer. Um ano depois, as necessidades dos artistas continuam urgentes. “Estamos em uma mobilização para a campanha voltar. Novamente, a situação está muito precária”, explica.    

Promover o bem

Um gesto solidário inspira outros, defende o humorista, ator e produtor Luciano Lopes. Nos dias inciais da quarentena, o realizador ajudou amigos mais próximos. Ele sentiu que podia ainda mais.  

“Vi nas redes sociais que a Valéria Pinheiro, da Cia Vatá, estava realizando uma campanha para ajudar os artistas e pensei: ‘porque não fazer uma para o humor?’. Com a ajuda de alguns humoristas iniciamos a campanha de arrecadação de cestas básicas para poder amenizar esse primeiro momento de pandemia. Para nossa surpresa, muitas pessoas aderiram. Políticos, artistas, empresários e anônimos. Foi muito compensador usar da minha arte para promover o bem”, descreve o criador da personagem Luana do Crato.  

Outras iniciativas traduziram união em esperança. Nomes como Xand Avião e Avine Vinny organizaram ações de doação. Taty Girl ajudou mais de 25 bandas com doações de live. O projeto “Sons do Bem” segue aproximando produtores de eventos para ajudar profissionais do entretenimento do Ceará.

Taty Girl foi uma das que mobilizou os fãs em prol da categoria.
Legenda: Cantora Taty Girl mobilizou os fãs em prol da categoria

Para aliviar os impactos nas famílias dos trabalhadores, o Sindimuce arrecadou alimentos em lives, com ajuda de instituições e dos próprios artistas. Na primeira semana de abril, o Festival “Live Solidária” uniu vários nomes da música em transmissão no Instagram e Facebook. A campanha solidária chegou a outros municípios cearenses e continua até hoje nessa luta.  

“Com a nossa campanha solidária, conseguimos entregar quase 8.500 cestas básicas É uma campanha bacana. Um trabalho que deveria ser feito pelo Estado, pelo Governo Federal, pelo poder público. Mas, se fôssemos esperar por isso, irmão, acho que muitos já teriam passado fome e morrido de fome literalmente”, descreve Daniel Domingues. 

A missão de arrecadar alimentos por parte do Sindmuce continua. Abaixo, os dados para quem deseja participar dessa corrente humanitária.

Pix: sindimuce@gmail.com
Banco Caixa Econômica*
Agência: 1887
Operação: 003 (PJ) Conta: 2493-8.
CNPJ: 07.358.856/0001-82

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