Transtcholagi: conheça coletivo que promove o protagonismo transmasculino e não-binário em Fortaleza

No Dia da Visibilidade Trans, veja história do grupo que realiza festas, performances e ações formativas na Capital como forma de impulsionar rede de apoio para jovens trans do Ceará

Escrito por Ana Beatriz Caldas , beatriz.caldas@svm.com.br
Cinco jovens cearenses estão à frente do Transtcholagi
Legenda: Cinco jovens cearenses estão à frente do Transtcholagi
Foto: Álee Rosa/Divulgação

Em maio de 2023, um incômodo em comum uniu cinco jovens moradores de Fortaleza: a falta de visibilidade e de vivências voltadas para pessoas transmasculinas e não-binárias, que muitas vezes se encontram “escondidas” mesmo dentro da comunidade trans.

Foi assim que Abeju, Izzi, Marin, Nico e Viúva Negra começaram a planejar uma série de eventos transcentrados – ou seja, com pessoas trans como protagonistas. Nascia ali o Transtcholagi, coletivo artístico que desde então vem se estruturando como uma rede de apoio para jovens trans cearenses.

O primeiro evento do coletivo ocorreu em junho do ano passado e se destacou pela pluralidade de linguagens artísticas, algo que se tornaria a marca do grupo. Em um casarão no Benfica, o quinteto realizou uma programação cultural de dois dias, com feira de artes visuais, performance, show e uma festa com DJs.

A gente chegou a esse nome a partir da palavra ‘tchola’, que vem da palavra ‘baitola’, que é muito usada pejorativamente aqui no Ceará. E a gente transformou isso em potência, afirmação, em força pra gente.
Marin Maciel
ilustrador, designer, tatuador, animador e produtor cultural

Primeiro evento realizado pelo coletivo contou com feira de economia criativa
Legenda: Primeiro evento realizado pelo coletivo contou com feira de economia criativa
Foto: Divulgação

Na segunda edição, realizada em agosto, a festa se tornou um grande baile. Além da música, um desfile transcentrado exaltou a beleza e a potência das pessoas presentes.

Depois disso, o grupo ainda marcou presença na exposição “Degenerado Tibira: o desbatismo”, na Casa do Barão de Camocim, e realizou a Residência Artística REC, que resultou em uma apresentação na segunda edição do Festival Dá Teu Nome, que ocorreu no último dia 12, na Estação das Artes.

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Ao todo, segundo Marin Maciel, as quatro ações contemplaram cerca de 500 pessoas. Hoje, ele lidera o coletivo junto a Abeju e Nico, já que os outros dois integrantes precisaram se afastar por demandas profissionais. 

“Somos três pessoas encabeçando o coletivo, mas a gente está sempre aberto a receber propostas para criar juntos um projeto”, destaca. Com frequência, profissionais da comunicação e da produção cultural se somam ao trio para ajudar a por em prática novas ideias.

Apesar de recente, o Transtcholagi já percebe os efeitos positivos das ações na saúde e autoestima de diversos jovens transmasculinos e não-binários que, anteriormente, se sentiam não pertencentes.

"Eu acredito que a população trans como um todo enfrenta uma série de dificuldades relacionadas à articulação e visibilidade, mas quando se trata de pessoas transmasculinas e não-binárias, a gente vê um afastamento. São processos de transição, muitas vezes, solitários", explica o artista e produtor Abeju Rizzo.

"Foi muito importante a gente ter começado esse movimento de reconhecimento nesse recorte de pessoas, porque a gente tem, querendo ou não, questões específicas que precisam ser conversadas, discutidas e acolhidas, primeiramente, de forma interna", completa.

Olhar para o futuro

Em alusão ao Dia da Visibilidade Trans, celebrado nesta segunda (29), o coletivo reflete sobre a realidade da comunidade no Ceará, especialmente os mais jovens, parcela que costuma frequentar as ações organizadas pelo grupo. 

Ainda que haja mais representatividade midiática, o Transtcholagi destaca que a violência segue a mesma, e que a transfobia vai além da violência física, sendo também psicológica e institucional. 

Por isso, o grupo ressalta a importância da criação e do suporte a redes de apoio em que pessoas trans possam trocar ideias e experiências com outras pessoas trans e enxergar uma possibilidade de futuro.

A cada edição a gente tá experimentando um formato diferente, entendendo como é que a gente pode se inserir em diversos formatos de produção.
Abeju Rizzo
artista do corpo e produtor cultural

Na área cultural, Abeju destaca que, ainda que haja editais com vagas afirmativas, por exemplo, muitas vezes as seleções tem falhas estruturais que impedem uma real inclusão.

“Essas falhas só são suprimidas quando tem pessoas trans à frente desse movimento, porque essas pessoas estão preocupadas e elas estão com um olhar sensível para essas questões”, explica.

Hoje, o coletivo atua de forma independente, mas se prepara para apresentar projetos em editais de leis de incentivo, como a Lei Paulo Gustavo, como forma de oportunizar novas ações. 

“A gente tem tentado entender o que é esse lugar. Como que a gente faz circular essa grana entre nós, como que a gente estimula as pessoas cis a também comprarem essa ideia e consumir de pessoas trans, além de contratarem profissionais trans para suas equipes de trabalho. É uma mobilização de muitas frentes”, ressalta Abeju.

Próximos projetos

Abeju Rizzo e Miky Vitorino, do Transtcholagi, durante a performance REC
Legenda: Abeju Rizzo e Miky Vitorino, do Transtcholagi, durante a performance REC
Foto: Sérgio Lima/Divulgação

Para o ano de 2024, especialmente no mês de junho, quando o coletivo completa um ano de atuação, o grupo pretende colocar uma série de novos projetos em ação. “A gente tem muitas ideias, sobretudo nisso de experimentar diversidade de formação, de produção, de circulação”, explica Rizzo.

Entre os planos, estão novas residências artísticas, produções musicais, performances, espetáculos e produções audiovisuais, inclusive em conexão com outros coletivos protagonizados por artistas transmasculinos e não-binários do País.

O grupo também projeta fazer ações relacionadas que contemplem o campo da saúde, oferecendo atendimento psicológico e acompanhamento de saúde sexual a jovens transmasculinos e não-binários. 

“Também planejamos ações voltadas para esse lugar da estética, da beleza, do bem-estar. Entender como é que a gente exalta a autoestima dos transmasculinos, dessas pessoas não-binárias, que também é uma coisa muito importante da gente falar”, pontua Abeju. “Porque para uma pessoa trans, a estética é um lugar de afirmação. É uma identidade negada historicamente, então a gente precisa afirmar”.

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