Série mostra a influência dos poemas de Bráulio Bessa na vida das pessoas: ‘Todo mundo é poesia’
Com lançamento nesta quarta-feira (22), no Globoplay, “Poesia que transforma” contorna o país tendo as criações do cearense como bússola
Um professor que ensina e repassa a paixão por poesia para descendentes de indígenas no coração da Floresta Amazônica. Uma atriz e influenciadora do interior que valeu-se de um poema para superar os obstáculos ligados à transição de gênero. Um ribeirinho, cuja vontade de oferecer melhores condições de vida à avó, passou a investir na habilidade de registrar o cotidiano em versos.
Aparentemente tão distintas e muitas vezes abreviadas pela roda viva do tempo, essas histórias passarão a ser conhecidas por todo o País a partir desta quarta-feira (22). É quando estreia no catálogo do Globoplay a série documental, original do streaming, “Poesia que transforma”. A obra é inspirada na produção de um dos nomes mais referenciados atualmente quando o assunto é criação poética: o cearense Bráulio Bessa.
Ao todo, cinco episódios circularão por todas as regiões do Brasil apresentando a trajetória de 15 pessoas que tiveram a vida transformada por influência da poesia de Bráulio – nacionalmente conhecido pela participação no programa “Encontro com Fátima Bernardes”, da Rede Globo.
Ao Verso, o poeta afirma que o início do projeto – homônimo a um de seus livros – remonta ao próprio caminhar humano dele, quando pôs na cabeça, aos 14 anos, o sonho de escrever. “Eu fui, de fato, transformado pela poesia numa sala de aula de uma escola pública de Alto Santo, no interior do Ceará. Foi quando conheci os textos de Patativa do Assaré e decidi que queria ser poeta, lançar livro, ser escritor”, recorda.
Muito tempo depois, em 2018 – Bráulio já figura ilustre – a produtora de conteúdo do “Encontro”, Duda Martins, comentou com ele da vontade de realizar algo maior partindo do que o poeta escrevia. A justificativa eram os milhares de depoimentos recebidos diariamente, atestando o poder dos versos do cearense.
“Ela disse que o meu trabalho derrubou um muro que sempre separou o povo da poesia – uma vez que esse gênero quase sempre foi visto como algo somente para as elites. E isso não tinha a ver apenas com o acesso do público aos poemas, mas com o fato de que, efetivamente, milhões de pessoas se sentiam transformadas pelos textos”, explica. O caminho, então, estava aberto: era hora de escolher quais histórias, dentre tantas, contar.
Poemas, paisagens, revoluções
O processo de pesquisa, como é de se imaginar, não foi fácil. “Poesia que transforma” – idealizada por Duda Martins em parceria com Bráulio Bessa, com direção de Duda e de Chico Walcacer, e roteiro assinado por Douglas Vieira – chegou ao recorte de 15 pessoas após uma extensiva busca de relatos inspiradores. O mapeamento percorreu milhares de comentários nas redes sociais, principal canal de manifestação do amor pela poesia de Bessa.
Na sequência, quatro meses de viagens e gravações foram empreendidos pelo poeta e pela equipe da série, captando de perto narrativas, momentos e imagens de um país múltiplo – tudo favorecido pela sensibilidade do diretor de fotografia, Lucas Oliveira. O resultado foi mais de 10 estados e 15 cidades visitados, de Norte a Sul do Brasil, reunidos na obra entre periferia, favela, floresta e sertão.
Além disso, as histórias que integram o documentário estão enquadradas em cinco grandes temáticas, regedoras de cada episódio: Raízes, Amor, Igualdade, Fé e Recomeço. A intenção é costurar as trajetórias partindo desses assuntos, os mesmos presentes nos versos e entrelinhas criados por Bráulio Bessa.
“O trabalho de pesquisa dessa série talvez tenha sido o mais impactante emocionalmente, porque os profissionais começaram a chafurdar as redes sociais. Eles iam numa publicação minha do instagram que tem cinco mil comentários, por exemplo, e começavam a ver coisas como, ‘A sua poesia salvou a minha vida’. A partir dali, iam atrás da pessoa que havia comentado isso para entender a história dela. Foram oito meses assim. O que eu acho mais legal é que a gente tem pelo menos umas cinco temporadas garantidas”, ri.
A vida do autor entra como pano de fundo para bordar as experiências dos personagens. Assim, depoimentos da família dele – a exemplo do da esposa, Camila Mendes – dão conta de apresentar a caminhada do poeta desde os primeiros passos na arte, num bem-vindo cruzamento de lembranças e reflexos de um criar maiúsculo.
Três conterrâneos de Bráulio são perfilados na série: a roteirista, diretora, atriz e influenciadora Faela Maya, de Jaguaribe; o rapper e barbeiro Gutto, de Fortaleza; e a dupla Stanley Moreira e Wesley Lima, pai e filho, naturais de Jaguaruana.
Para Bessa, todas as narrativas representam travessias muito fortes e tocantes. “São histórias completamente diferentes umas das outras e que, muitas vezes, tiveram as mesmas palavras como um norte, embora dentro do contexto de vida de cada um. É muito bonito a gente ver a poesia penetrando assim na rotina das pessoas”, vibra.
“Toda poesia, toda arte transforma. A arte é curativa, uma cura é transformação. Eu acredito muito nisso. A poesia e a arte têm esse poder de provocar, de emocionar. E a partir do momento que você pensa, você está se transformando. Quem pensa se transforma a todo instante. Assim, é impossível o contato com qualquer manifestação artística e não haver o pensar, o sentir. Porque é isso, toda poesia transforma”.
Referências do poeta
A maneira como Bráulio observa cada um desses panoramas está sintonizada com as referências abraçadas por ele na arte poética. Patativa do Assaré (1909-2002) desponta como a principal bússola. Dele, Bessa guarda um verso mais-que-querido: “Pra todo canto que oio vejo um verso se bulir”.
“Patativa aqui está dizendo que tem poesia em toda parte. Por isso eu digo que nem todo mundo é poeta, mas todo mundo é poesia. Há poesia em nossas vidas. Eu tive que aprender a me entender como artista e compreender esse processo criativo partindo do princípio de que eu precisava saber sobre o quê eu iria escrever”, contextualiza.
A resposta veio cedo: sobre gente, o “universo que lhe veste” – feito bem orientou a professora que leu o primeiro poema dele, tia Zuli, ainda na escola. “Ela me disse, ‘Olha, só não pode parar. Tá me ouvindo?’. E eu estou ouvindo ela até hoje. A partir dali, ficou fácil entender que os pivete jogando bola no terreiro onde eu cresci, era poesia. Um passarinho pousando num pé de goiaba, vovó fazendo doce de leite no fogão à lenha. Tudo isso era poesia. A minha principal fonte de inspiração é gente, é a vida”.
“O poeta é um prestador de atenção da existência, dos sentimentos alheios. Aí, ele mistura isso com suas próprias experiências e acaba transformando em arte”, completa, não sem antes mencionar que a série – sobretudo devido ao lançamento às vésperas de festividades de fim de ano – deve despertar no público novas maneiras de encarar um instante ainda tão difícil para o Brasil e o mundo. Maneiras mais poéticas.
“Quando vejo toda a emoção, toda a verdade nas histórias que vão ser contadas em ‘Poesia que transforma’, tenho certeza de que ela vai ser um grande presente para as pessoas, para o povo brasileiro. O que eu acho mais bonito é que será impossível não se enxergar nessas histórias. O brasileiro vai se ver ali e vai se emocionar muito, de fato. Eu acho que será muito transformador”.
Poética e política
A capacidade de alterar as perspectivas do público também diz respeito ao caráter político da poesia. O documentário, não sem motivo, também navega por temas como racismo, homofobia, intolerância religiosa, desigualdade social, xenofobia, entre outros. De acordo com o poeta, a urgência de tratar essas pautas diz respeito ao fato de que, caso não as abraçasse na própria produção escrita, a atitude seria um ato covarde.
“Tem gente que diz assim, ‘Bráulio Bessa diz o que a gente precisa ouvir’. E eu falo: Não, às vezes eu digo o que as pessoas também precisam dizer. Por isso que eu faço parte de todo grupo de família do Brasil, o povo compartilhando esses poemas. Isso é sinal de que eles querem dizer aquilo, aquelas mensagens também”.
Destacando o Estado Natal como um celeiro de grandes trovadores – dentre os quais, conforme cita, Klévisson e Arievaldo (1967-2020) Viana, Julie Oliveira, Rouxinol do Rinaré e Dra. Paola Tôrres – o escritor adianta o lançamento de um novo livro no próximo ano. Na última sexta-feira (17), um outro trabalho dele já veio à tona, em parceria com o cantor, compositor e acordeonista Mestrinho: o clipe da música “O Mundo é Nós”.
Gravado em Alto Santo, terra natal de Bráulio, com direção dos artistas e documentaristas Renata Monte e Uirá Dantas, o filme é um convite ao chamego, à gentileza e ao cuidado, com cenas interpretadas por casais reais do lugar – exceto pelo casal de artistas de Fortaleza, Bruno Esteves e Vic Andrade, que amarram a narrativa.
A canção, por sua vez, presente em todas as plataformas digitais, conta com produção do também cearense Cainã Cavalcante e foi escrita em homenagem à esposa de Bráulio, Camila Mendes. “O Mundo é Nós” também ganhará espaço na Globoplay. A música compõe a trilha sonora da série “Poesia que Transforma”.
Para além dessas novidades, Braúlio também rememora o turbilhão chamado 2021. No último mês de maio, o poeta deu entrada em uma unidade hospitalar após contrair Covid-19. “Fiquei mal, vi pessoas perdendo gente querida a todo instante, me revoltei muito com tudo o que estava acontecendo. Então, eu acho que estamos vivendo um grande recomeço. Esse, inclusive, é um dos temas dos episódios da série, e é ele que a finaliza”, diz.
“Estou buscando entender tudo o que aconteceu – uma vez que a dor também é matéria-prima para a arte. Acredito que vou filtrar muita coisa e colocar tudo isso dentro de mim. Meu próximo livro vem carregado de sentimentos que vivi neste ano. Então, acima de qualquer coisa, 2022 será um período de recomeço”, reitera. Experimentar o potencial transformativo da poesia desde agora certamente comprovará isso.
Serviço
Estreia da série documental “Poesia que transforma”, a partir da poesia de Bráulio Bessa
Nesta quarta-feira (22), no Globoplay